Refugiados do Sudão do Sul em Portugal recusam voltar mas sobram saudades
Os dez anos de vida do Sudão do Sul como país recordado por quem lá viveu e de lá fugiu é recordar histórias de guerra, morte e privações várias. Hoje, a família de Nawal, há três anos em Portugal, não quer ouvir falar em regresso.
© Reuters
País Migrações
O país que se tornou independente do vizinho Sudão a 09 de julho de 2011, faz sexta-feira dez anos, era para Nawal, 43 anos e os seus seis filhos, uma mera oportunidade de se reunir com o marido, motorista de profissão. Depois da independência, o homem estabeleceu-se em Juba, capital do Sudão do Sul, enquanto a família, alargada, vivia bem em casa própria em Senar, cidade e província do Sudão, localizada no sudeste do país, numa das margens do Nilo Azul.
"Não queremos voltar. Queremos ficar aqui", diz à agência Lusa Mudather, 24 anos, o mais velho dos seis filhos de Nawal, num português pausado, ainda com algumas dificuldades de expressão numa língua que só é sua vai para três anos. A mãe, olhos brilhantes e pose decidida, expressa-se em árabe e os dois filhos mais velhos, o rapaz e uma rapariga que a acompanham, servem de tradutores de ocasião.
Rasha, 22 anos, tem a mesma opinião do irmão. Do Sudão do Sul, em 2013 - para onde a família se mudou para reencontrar o marido e pai, dois anos depois da independência -- a rapariga, que tinha então 14 anos, apenas recorda a violência, fruto do conflito armado, "os mortos espalhados na rua".
O novo país não traz boas memórias, só as da guerra, da morte do avô na casa onde moravam, destruída por um bombardeamento, da sobrevivência de quem teve de vender tudo o que tinha para conseguir sair do país, primeiro para o Egito e, em 2018, para Portugal.
Mas para a família de Nawal, Mudather e Rasha e dos restantes quatro filhos - uma menina e três rapazes com idades entre os 08 e os 20 anos -- o Sudão do Sul foi ainda pior: o reencontro com o pai não chegou a acontecer, em plena guerra civil o homem desapareceu.
"Saiu para procurar trabalho, já não o encontrámos. Não sabíamos onde estava", lembra Mudather.
Natália Beck, presidente da Peaceful Paralell, associação da área das migrações que, em dezembro de 2018, acolheu a família de refugiados do Sudão do Sul em Coimbra, conhece a história ao pormenor.
Foi ela que escolheu acolher esta família de sete pessoas que esteve quatro anos no Egito, país onde pediram proteção internacional e receberam o estatuto de refugiados, "mas onde a vida era muito difícil, com muitas dificuldades económicas e psicológicas".
Os mais velhos chegaram a estudar no Egito e queriam continuar, mas tinham de trabalhar para ajudar "e perceberam que a mãe não conseguia sustentar a família a viver no Egito", revela Natália Beck, ela própria imigrante ucraniana que chegou a Portugal no início da década de 2000.
Para Portugal vieram sete pessoas, com a possibilidade de mais um se juntar, o pai desaparecido "que a família nunca deixou de procurar". No Sudão ficaram os três irmãos de Nawal, a família "grande e habituada a ajudar-se uns aos outros, que vivia bem. [A Nawal] tem muitas crianças porque tinha condições para os ter e cuidar deles", observou.
Em março de 2019, chega à Peaceful Paralell uma informação da ACNUR (a agência da ONU para os refugiados) sobre o paradeiro do pai, encontrado "muito doente, com cancro".
A boa notícia, pela possibilidade do reencontro, rapidamente se transformou em tragédia: o homem viria a morrer, dois meses mais tarde, em maio, "sem que os conseguíssemos unir", lamenta Natália Beck.
Quem gostaria de voltar ao Sudão para rever a família, "ir e vir, só para poder abraçar os irmãos" é Nawal, que não esconde a emoção quando recorda quem deixou em África.
"É uma família muito unida, muito bem estruturada, esta mulher merece todo o respeito pela forma como os conseguiu manter, sempre abertos e colaborativos. A Nawal era analfabeta em árabe, mas tinha tanto interesse em aprender que aprendeu português e já sabe escrever. Tem uma força de vontade fantástica", resume Natália Beck.
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