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Discurso de ódio é cada vez maior, mas chegou "nova era de ativismo"

Relatório anual da Amnistia Internacional, publicado esta quinta-feira, denuncia um aumento no discurso de ódio propagado por diversos líderes mundiais. Esta narrativa continua a fomentar conflitos por todo o mundo, com guerras como a da Síria e no Iémen sem fim à vista. A Europa e os Estados Unidos também são visados no relatório que, apesar dos grandes problemas que o mundo enfrenta, destaca o aumenta da mobilização da sociedade civil na resistência ao ódio e à violência.

Discurso de ódio é cada vez maior, mas chegou "nova era de ativismo"
Notícias ao Minuto

07:25 - 22/02/18 por Pedro Bastos Reis

Mundo Relatório

"No último ano, o nosso mundo esteve imerso em crises, com líderes proeminentes a nos oferecerem uma visão de pesadelo de uma sociedade cega pelo ódio e pelo medo. Isso encorajou aqueles que promovem o fanatismo, mas também inspirou muitas pessoas a lutarem por um futuro melhor”.

Quem o diz é Salil Shetty, secretário-geral da Amnistia Internacional. Esta quinta-feira, foi publicado o relatório anual desta organização de defesa dos Direitos Humanos, referente ao ano de 2017 e aos primeiros dois meses de 2018, sendo a palavra “demonização” uma das citadas no documento. A demonização do Outro, do estrangeiro, do refugiado, do que é diferente. Quem está por trás dela? Líderes mundiais como Donald Trump, Recep Tayyip Erdogan ou Rodrigo Duterte.

No documento a que o Notícias ao Minuto teve acesso, a Amnistia Internacional documentou “graves violações de Direitos Humanos” em 159 países, em que problemas como os números da pena de morte, o tráfico de armas, as migrações ou as alterações climáticas também são referidos, alertas e realidades que teremos bem presentes durante 2018, um ano que ainda há pouco começou e que tem sido manchado de sangue em muitas zonas do globo, como na Síria ou no Iémen, perante a inação dos líderes mundiais que, muitos deles, continuam apostados em propagar um discurso de ódio.

“Os espetros do ódio e do medo são cada vez maiores nas questões mundiais, e temos poucos governos que se mantêm firmes na defesa dos Direitos Humanos nestes tempos perturbadores. Ao invés disso, temos líderes como al-Sisi, Duterte, Maduro, Putin, Trump ou Xi a pôrem em causa os direitos de milhões de pessoas”, escreve Salil Shetty no relatório.

“É o tal discurso do ódio, que os líderes utilizaram para legitimar as suas políticas e ideias, que têm um fundo de racismo e xenofobia”, acrescenta Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional, ao Notícias ao Minuto.

Apesar de o mundo estar a sofrer as consequência deste discurso de ódio, que “procura normalizar a discriminação massiva contra grupos marginalizados”, o relatório da Amnistia Internacional destaca a importância da mobilização internacional na resistência a essas mesmas narrativas que procuram fomentar a divisão, o surgimento de "uma nova era de ativismo social"

A marcha das mulheres nos Estados Unidos, como resposta aos comentários misóginos de Donald Trump, o movimento Black Lives Matter, ou os diversos ativistas que fazem ouvir as suas vozes contra as consequências das alterações climáticas são apenas alguns exemplos.

“Em 2017, as pessoas mobilizaram-se pelos Direitos Humanos, mobilizaram-se para exigir liberdade, igualdade e dignidade, mobilizaram-se para exigir liberdade de expressão, num contexto em que muitos líderes mundiais estão a ser promotores de um espaço cada vez mais pequeno para os Direitos Humanos”, sublinha Pedro Neto. No ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos assinala 70 anos, a Amnistia Internacional considera que “vivemos um momento histórico muito importante, de viragem, de mobilização, de resistência pacífica” e, apesar das sistemáticas violações destes direitos, a história tem-nos ensinado que, acompanhada dos tempos de crise, vêm também novas soluções e formas de formas de combate.

"Em 2018, não podemos tomar por certo que seremos livres"

Tal como nos últimos anos, a crise dos refugiados volta a estar no centro do relatório anual desta organização de defesa dos Direitos Humanos. O ano de 2017, contudo, foi particularmente grave no que diz respeito à perseguição dos rohingya, em Myanmar. Cerca de 655 mil pessoas tiveram de abandonar as suas casas rumo ao país vizinho, ao Bangladesh, tendo milhares sido mortas numa "limpeza étnica".

Na Europa, denuncia a Amnistia Internacional, países como a Polónia, Hungria ou República Checa continuam a ter um discurso de rejeição de refugiados, sendo que milhares de pessoas continuam a fugir dos seus países, em busca de um local onde possam viver em paz, muitas delas presas às portas da Europa. A situação é agravada pelo que se passa na Líbia, “onde reina o caos”, com migrantes a serem vítimas de extorsão, tráfico, raptos, existindo mesmo relatos de escravatura em muitos casos.

Ainda no continente europeu, a Amnistia Internacional alerta para a situação em França, onde se assiste a um perpetuar do estado de emergência no país, em que o medo do terrorismo é utilizado como forma de pôr em causa direitos adquiridos. Além disso, denuncia, “as autoridades punem migrantes e refugiados, expulsando a maioria que chega via Itália e deportando centenas para o Afeganistão”, isto ao mesmo tempo que o governo francês “continua a vender armas a países que as utilizam para violar os Direitos Humanos”.

À cabeça, surgem as guerras em curso na Síria e no Iémen. O primeiro caso tem feito manchetes nos últimos dias pelas centenas de mortes causadAs por bombardeamentos atribuídos ao regime de Bashar al-Assad. O segundo, “uma guerra persistente e não tão mediática”, cujos bombardeamentos da coligação liderada pela Arábia Saudita, cujas armadas são vendidas, entre outros países, pelos Estados Unidos, continuam a causar milhares de mortos, numa crise humanitária sem fim à vista.

Os Estados Unidos são bastante visados neste relatório da Amnistia Internacional, sobretudo devido às constantes medidas assinadas por Donald Trump, como o veto migratório destinado a impedir a entrada de refugiados de países muçulmanos no país, ou o discurso inflamado do presidente norte-americano. No entanto, é aqui que entra a resistência e muitos ativistas, apesar dos falhanços do governo, continuam a demonstrar que luta pelos Direitos Humanos é uma tarefa que cabe a todos.

“Os defensores dos Direitos Humanos em todo o mundo podem ver que o povo dos Estados Unidos está com eles, mesmo quando o governo dos Estados Unidos falha. Enquanto o presidente Trump toma decisões que violam os Direitos Humanos no país, ativistas lembram-nos de que a luta por esses direitos universais sempre foi travada e conquistada pelo povo nas suas comunidades”, escreve, no mesmo documento, Margaret Huang, diretora executiva da Amnistia Internacional dos Estados Unidos.

Esta ideia é partilhada pelo seu homólogo português, que destaca os dias que se seguiram à tomada de posse de Donald Trump, em janeiro de 2017. “Trump entrou em funções em 2017 e pouquíssimos dias depois estavam pessoas a manifestarem-se na rua, contrariando os comentários racistas, xenófobos e misóginos. Mesmo quando ele quis banir refugiados muçulmanos, as pessoas mobilizaram-se e foram para os aeroportos para acolher estas pessoas”, destaca Pedro Neto.

Não obstante, o que o relatório anual da Amnistia Internacional comprova é que os direitos que tanto tempo  levaram a conquistar estão longe de estar garantidos. “Em 2018, não podemos tomar por certo que seremos livres para nos reunirmos em protesto ou para criticar os nossos governos. Na verdade, protestar tornou-se cada vez mais perigoso”, alerta Salil Shetty. Porque as violações dos Direitos Humanos dizem respeito a todos nós e temos de estar, talvez mais do que nunca, alerta para os desafios que se aproximam.

*Pode saber mais sobre a realidade portuguesa destacada neste relatório aqui.

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