"A esquerda boliviana vive uma dura crise atualmente. Com o ex-presidente Evo Morales (2006-2019) impedido de candidatar-se e o atual chefe de Estado, Luis Arce [do Movimento ao Socialismo/MAS-esquerda], a dispor de uma baixíssima popularidade - resultado da crise económica e instabilidade política que assolam o país nos últimos meses -, a direita tem-se fortalecido significativamente", afirmou à Lusa Suhayla Viana de Castro, professora auxiliar no departamento de Direito da Universidade Portucalense e coordenadora da licenciatura de Relações Internacionais na mesma universidade.
A Bolívia, um país com 12 milhões de habitantes, vai eleger a 17 de agosto os membros do Senado, da Câmara dos Deputados e os próximos Presidente e vice-presidente do país. Caso seja necessária, uma segunda volta para a eleição presidencial está agendada para 19 de outubro.
Dez candidatos de partidos e alianças foram habilitados pelas autoridades eleitorais a concorrer à presidência, incluindo Eduardo del Castillo pelo partido MAS, que é apoiado por Arce. Entretanto, os candidatos do partido Morena, Eva Copa, e do Nova Geração Patriótica (NGP), Fidel Tapia, desistiram em julho da corrida presidencial, restando apenas oito nomes no boletim de voto.
Para Suhayla Viana de Castro, "a disputa fratricida entre Morales e Arce está em vias de destruir o próprio partido MAS", que até então constituía a principal força política nacional e que garantiu, segundo salientou a académica, que "a esquerda estivesse no poder na Bolívia durante quase todo este século XXI".
Luis Arce anunciou que não iria disputar um segundo mandato presidencial e Morales, que abandonou o MAS, tentou candidatar-se à presidência nestas eleições pelo partido PAN-BOL, mas o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) anulou previamente a personalidade jurídica da formação política por incumprimento da lei.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional boliviano determinou, em maio, que Evo Morales não poderia ser candidato a um quarto mandato, por ter já ocupado o cargo de Presidente por mais de duas vezes, o que gerou violentas manifestações dos seus apoiantes em junho, que provocaram pelo menos seis mortos.
"Sondagens eleitorais recentes apontam Samuel Medina, da aliança Unidad (direita), como favorito às eleições presidenciais deste ano, com o ex-presidente Jorge Quiroga (2001-2002), da aliança Libre (direita), em segundo. Juntos, os candidatos possuem mais de 45% das intenções de voto", referiu Suhayla Viana de Castro.
Já na ala esquerda, segundo a académica, a principal aposta é o candidato da aliança Popular Andrónico Rodriguez [ex-presidente do Senado que rompeu com Morales e Arce], que aparece em terceiro com apenas 14% das intenções.
"Então tudo, até agora, aponta para um desgaste da esquerda e uma guinada à direita do eleitorado boliviano", afirmou.
"A atual crise económica teve um impacto significativo na listagem de candidatos à Presidência, dado que o atual chefe de Estado, Luis Arce, decidiu retirar-se. Arce poderia ser uma liderança forte no grupo de candidatos da esquerda" se concorresse pelo MAS, disse, por sua vez, Giuliano Braga, investigador do Centro de Investigação em Ciência Política na Universidade do Minho (CICP-UMINHO).
A Bolívia terminou 2024 com uma inflação de 9,97%, a mais elevada desde 2008, quando o país atingiu um aumento de 11,8%.
No final de julho, os indicadores apontavam que a inflação acumulada no primeiro semestre de 2025 foi de 15,53%, um número que duplica a expectativa do Governo de Luis Arce de 7,5%, também agravada pelos bloqueios rodoviários realizados pelos apoiantes de Morales e pelos conflitos sociais.
O Governo reconheceu ainda que a recente descida da nota de crédito, de CCC+ para CCC-, estabelecida pela Standard & Poor's (S&P) Global Ratings, deveu-se à ingovernabilidade política, pela qual culpou o ex-presidente Morales.
Para além dos fatores mencionados em relação ao crescimento e à inflação, há a escassez de dólares que o país enfrenta desde o início de 2023 e o fornecimento irregular de combustível.
"Visto que as últimas sondagens colocam dois dos candidatos de direita na liderança, é possível verificar uma tendência para estes candidatos em relação aos da esquerda. No entanto, o que vários contextos eleitorais provaram ultimamente, inclusive o português, é que o resultado somente será sabido aquando da publicação dos resultados eleitorais", indicou Giuliano Braga.
"A confluência de fatores internacionais e domésticos desfavoráveis torna duvidoso o futuro da esquerda nas eleições de agosto. Sem uma frente ampla capaz de aglutinar as intenções de voto em torno de uma candidatura, o horizonte é de incerteza. Entretanto, a direita também está fragmentada, e, por isso, reviravoltas poderão acontecer, nomeadamente com o eventual prolongamento do processo eleitoral com a realização de uma segunda volta", avaliou, também em declarações à Lusa, Cristiano Pinheiro de Paula Couto, historiador e investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC-UNL).
Tanto a União Europeia (UE) como a Organização dos Estados Americanos (OEA) vão ter no terreno missões de observação eleitoral antes e durante o sufrágio.
No caso da missão da UE, estarão envolvidos mais de uma centena de observadores, incluindo sete eurodeputados. A delegação é chefiada pelo eurodeputado croata Davor Stier.
O objetivo da missão europeia é acompanhar o processo eleitoral para que "sejam cumpridas todas as normas internacionais" e salvaguardar o direito de voto dos cidadãos em condições de "liberdade e segurança", afirmou recentemente Davor Stier.
Leia Também: Desabamento em mina de ouro na Bolívia provoca cinco mortos