"Falamos sobre guerras, somos fascinados pelas siglas das fações em guerra, somos fascinados pelas armas mais recentes e pelas mudanças nas linhas da frente", mas as consequências para as populações civis inocentes são subestimadas, lamentou o representante, em declarações feitas a propósito do aniversário da criação do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, que inclui o CICV e centenas de sociedades nacionais de ajuda humanitária.
Segundo Krähenbühl, existem atualmente 450 grupos armados não estatais envolvidos em vários conflitos e há 200 milhões de pessoas a viver em áreas sob controlo direto ou disputadas por exércitos e grupos armados irregulares.
Outra particularidade dos conflitos é a sua longa duração, como por exemplo o que existe entre palestinianos e israelitas, que dura há quase 60 anos, ou o da Colômbia, que tem meio século.
"A longa duração dos conflitos significa que, além da perda de vidas, ferimentos, separação [de entes queridos] e desaparecimentos, há uma destruição completa da espinha dorsal institucional de sociedades inteiras (...), por isso, mesmo que estas situações terminassem amanhã, a fase de reconstrução seria muito, muito longa", explicou.
Neste contexto, o diretor-geral do CICV disse que outra atitude preocupante é a "interpretação permissiva" que alguns governos estão a fazer do direito internacional humanitário, que estabelece as regras mínimas a respeitar em situações de guerra e procura salvaguardar a dignidade básica dos combatentes e dos civis.
Exemplo disso é a recente decisão de cinco países europeus (Finlândia, Polónia, Letónia, Lituânia e Estónia) de se retirarem do tratado que proíbe a utilização de minas antipessoais.
O responsável considerou inaceitável que "se assine um tratado internacional quando o sol está a brilhar, mas quando uma tempestade está no horizonte, de repente, se retire do mesmo tratado".
"Na realidade a ideia deste tratado é preparar-nos para ter normas que limitem os meios e métodos de guerra", frisou.
No meio destes imensos desafios, o CICV enfrenta incertezas sobre se conseguirá manter o mesmo nível de financiamento para as suas atividades já que os Estados Unidos, o seu principal doador, que fornece 25% do seu orçamento (mais de 600 milhões de euros anuais), está a cortar apoios.
Krähenbühl esclareceu que, ao contrário de outras organizações humanitárias, ainda não recebeu qualquer indicação formal dos Estados Unidos sobre se irá manter ou reduzir as suas contribuições.
De qualquer forma, o CICV recebeu do atual governo dos Estados Unidos fundos que tinham sido prometidos pela anterior administração, liderada pelo presidente democrata Joe Biden, o que considera ser um sinal positivo.
Nas mesmas declarações, Pierre Krähenbühl sublinhou a sua particular preocupação com o bloqueio israelita à ajuda humanitária a Gaza, cenário de uma guerra entre Israel e o grupo extremista palestiniano Hamas, e com as consequências que esta medida terá para uma população já faminta e exausta.
Referindo que os próximos dias "serão decisivos", o diretor-geral do CICV lembrou que a proibição total de ajuda vital aos civis em Gaza dura há nove semanas e todos os fornecimentos das agências humanitárias da ONU já se esgotaram ou estão prestes, como é o caso da sua organização.
"É inaceitável que não esteja a ser permitida ajuda humanitária na Faixa de Gaza, vai contra tudo o que é estabelecido pelo direito internacional humanitário", afirmou.
"Se este é o futuro da guerra, devemos estar aterrorizados e conscientes de que desafia os próprios alicerces da nossa humanidade", alertou.
E concluiu: "Digo isto porque tento sempre imaginar o que o povo de Gaza vive diariamente, que os nossos colegas [no campo] descrevem como o desespero mais absoluto que alguém pode enfrentar em termos humanos".
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