"Movido pela mais elevada preocupação com o interesse nacional e, igualmente nesta linha, de permitir que a maioria parlamentar concretize as suas opções, num quadro de normalidade e estabilidade institucionais, decidi promulgar a Lei que aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2023", lê-se na carta enviada por José Maria Neves ao presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, que acompanha a promulgação.
"Elaborado e debatido numa conjuntura de elevada incerteza, o Orçamento do Estado para 2023 (OE2023) baseia-se num quadro económico em mudança e de contornos imprevisíveis", constatou o chefe de Estado, notando também um "relativo otimismo" no cenário macroeconómico apresentado pelo Governo, justificado pela evolução da economia em 2022.
Entretanto, alertou que os riscos de não concretização do cenário macroeconómico "são elevados" e mostram tendência a aumentar ainda mais, considerando a evolução mais recente da situação internacional e os impactos nos mercados da energia e das 'commodities' agrícolas.
José Maria Neves considerou que o abrandamento da taxa de inflação, apontada pelo Governo, de cerca de 8% em 2022 para 3,7 % em 2023 está sujeito a "um forte risco de natureza ascendente", entendendo, por isso, que o orçamento "deve ser elástico" para permitir vários cenários de reajustamento da sua aplicação.
Notando que o orçamento mantém praticamente a mesma matriz que o instrumento de gestão ainda em vigor, o Presidente da República disse que não houve alterações substanciais nas políticas fiscais, de endividamento, de rendimentos e preços e sem qualquer esforço assinalável de contenção e racionalização de despesas.
Como aspetos positivos, enumerou o aumento do salário mínimo de 13.000 para 14.000 escudos, a atribuição da pensão social a mais 3.000 idosos e o aumento expressivo do investimento em serviços essenciais e infraestruturas públicas.
Mas, de um modo geral, concluiu que o orçamento é "tímido" nas medidas de contraposição aos efeitos económicos e sociais da atual conjuntura económica, instando, por isso, o Governo a adotar uma "postura flexível e dinâmica" na execução orçamental.
Alertando para a continuidade do empobrecimento dos trabalhadores e pensionistas cabo-verdianos pela perda de poder de compra de salários e pensões, Neves notou que o aumento parcial dos salários na Administração Pública, sem ajustamentos a nível dos cargos e escalões, pode provocar "sérias disfunções e injustiças" no plano salarial das funções públicas.
Maior atenção às famílias mais desfavorecidas, uma "reflexão séria e descomplexada" sobre o "aumento contínuo e preocupante" do endividamento público foram duas outras observações deixadas pelo Presidente, que se mostrou preocupado com a dimensão dos passivos contingentes, isto é, os avales e as garantias concedidos pelo Estado a terceiros (empresas públicas e privadas, municípios), que no próximo ano vão ascender ao limite de 11 mil milhões de escudos (quase 100 milhões de euros).
"Ainda que, em princípio, não devam ser registados como passivos nas estatísticas macroeconómicas, os passivos contingentes podem, mesmo assim, constituir um risco orçamental com alguma relevância, quando certas condições prevalecem, por exemplo, caso a garantia do empréstimo seja executada, obrigando ao registo", avisou Neves, neste que é o segundo orçamento de Estado que promulga, após eleição, à primeira volta, em outubro de 2021, e tomada de posse em 09 de novembro do mesmo ano, com apoio do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), de que foi presidente.
Considerando que se deve aproveitar a atual crise como oportunidade para a realização de reformas estruturais na economia, o antigo primeiro-ministro (2001 -- 2016) considerou ser "urgente" reformar o Estado e a Administração Pública, com, por exemplo, redução das despesas de funcionamento do Estado.
Na missiva, José Maria Neves começou por referir que recebeu, em audiências separadas, os partidos políticos com assento parlamentar e os parceiros sociais, e constatou a necessidade de "diálogo, entendimentos e consensos" entre os principais atores para a formulação e implementação das políticas públicas.
O Presidente cabo-verdiano disse ainda que vai requerer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma da lei que aprova o Orçamento de Estado para 2023, por entender que não respeita outra norma que impõe uma maioria na votação de matérias referentes aos titulares dos órgãos de soberania.
A proposta de lei do Orçamento do Estado de Cabo Verde para 2023, aprovada no parlamento em novembro, está avaliada em 77,9 mil milhões de escudos (712 milhões de euros), e prevê um crescimento económico de 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma inflação inferior a 4%.
Cabo Verde enfrenta uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística - setor que garante 25% do PIB do arquipélago - desde março de 2020, devido à pandemia de covid-19. Em 2020, registou uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB, seguindo-se um crescimento de 7% em 2021 impulsionado pela retoma da procura turística.
Para 2022, devido às consequências económicas da guerra na Ucrânia, nomeadamente a escalada de preços, o Governo, suportado pelo Movimento para a Democracia (MpD) baixou em junho a previsão de crescimento de 6% para 4%, que, entretanto, voltou a rever, agora para mais de 8%.
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