"Será definitivamente um grande tema na agenda, que divide o continente (...), mas é uma distração dos problemas reais. O cidadão comum em África não será influenciado pelo facto de Israel receber o estatuto de observador", disse à Lusa Liesl Louw-Vaudran, especialista do Instituto para os Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês).
Israel tinha estatuto de observador na Organização da Unidade Africana, mas perdeu-a em 2002, com a transformação da organização na União Africana.
Em julho do ano passado, o país recuperou o estatuto de observador da União Africana (UA), mas, em setembro, 21 dos 55 Estados-membros denunciaram a acreditação, condenando que o presidente da comissão UA, Moussa Faki Mahamat, tivesse tomado uma decisão unilateral e apresentado o assunto como um facto consumado.
Em resposta às críticas, Faki reconheceu o compromisso da UA para com a solução de dois estados para a questão palestiniana, mas argumentou que a acreditação está prevista no seu mandato e lembrou que mais de 40 países africanos já têm relações bilaterais com Israel.
A questão será agora colocada aos chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros durante a cimeira de 05 e 06 de fevereiro, em Adis Abeba.
Se a acreditação não for rejeitada, Israel juntar-se-á a uma lista de mais de 90 parceiros externos da União Africana, terá acesso limitado aos documentos da organização e poderá participar em reuniões, quando convidado.
A admissão de Israel é fortemente contestada pelos países árabes e, embora a Líbia não tenha a mesma influência na UA que tinha quando era liderada por Muammar Khadafi, a Argélia foi rápida a reagir e reuniu a maioria dos países muçulmanos do continente, desde a Mauritânia ao Djibuti.
Apenas Marrocos e o Sudão, que estão em processo de normalização de relações com Israel, e o Chade, que restabeleceu relações diplomáticas com o país em 2018, não se manifestaram contra a admissão.
A África do Sul, que desde a chegada ao Poder do ANC em 1994 tem defendido a causa palestiniana no continente, mas tem relações bilaterais com Israel, assim como pelo Zimbabué, Namíbia e Botsuana, também são frontalmente contra a entrada do Estado judeu.
"Será interessante ver o que acontece [na cimeira], porque Israel tem colocado muita energia diplomática na questão", disse à Lusa Steven Gruzd, diretor do programa sobre Governação e Diplomacia Africana no Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA, na sigla em inglês), recordando que o ex-primeiro ministro israelita Benjamin Netanyahu esteve cinco vezes em África desde 2016.
Já Louw-Vaudran reitera tratar-se de "uma questão ideológica que distrai das reais necessidades dos cidadãos africanos".
Também o embaixador português António Monteiro concorda tratar-se de "uma questão diplomática" que "não é uma questão essencial para a África".
"É sobretudo uma questão diplomática, que seguirá, como outras, o seu caminho", concluiu.
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