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Brexit: Ainda é cedo para se saber "se foi bom ou mau"

O académico António Goucha Soares defendeu hoje ser ainda cedo para se saber se o 'Brexit' foi bom ou mau para a União Europeia ou Reino Unido, embora Londres tenha ganho maior flexibilidade para negociar acordos económicos.

Brexit: Ainda é cedo para se saber "se foi bom ou mau"
Notícias ao Minuto

19:49 - 22/06/21 por Lusa

Mundo Brexit

Goucha Soares, doutorado em Direito pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, grau obtido após os estudos na Faculdade de Direito de Lisboa, respondia à agência Lusa sobre se, cinco anos após o referendo que, a 23 de junho de 2016, levou o Reino Unido a sair da União Europeia (que se concretizou oficialmente a 1 de janeiro de 2021), já se consegue percecionar as vantagens e desvantagens do 'Brexit'.

"Não tenho uma resposta a preto e branco para a pergunta, no sentido se foi bom se foi mau, porque todas as análises do 'Brexit' foram muito dicotómicas, que era sempre o que era certo e o que era errado", salientou o professor universitário no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa.

Para o autor do livro "Brexit: A Saída do Reino Unido da União Europeia", lançado em março passado, há vários factos, no entanto, que têm de ser tidos em conta e que, ao longo de todo o processo de negociações, deixaram claro que Bruxelas sempre manteve um "complexo de superioridade" em relação ao Reino Unido.

"A UE dramatizou a questão a um nível muito elevado. Fez do 'Brexit' uma ameaça existencial ao projeto de integração europeia, no risco de contágio, fez uma cavalgada populista contra a própria União Europeia e o que ela própria representa. Nunca quis tentar perceber as razões que levaram aquelas 17 milhões de pessoas a votar pela saída da UE. É um pouco a estratégia de meter a cabeça na areia", afirmou.

"Nunca quis porque a UE sofre de um enorme complexo de superioridade, projeta-se a si própria como a corporização do bem, da perfeição política. Tem de si uma imagem de que representa uma fase pós-nacional dos arranjos político europeus e que ela própria transporta os melhores valores da democracia, dos direitos humanos, do pensamento liberal e de uma certa transição política europeia", argumentou.

Para Goucha Soares, tudo o que não corre bem, a UE "tende a contornar" e, do ponto de vista referendário, o 'Brexit' questionava na altura um conjunto de situações em que Bruxelas estava a sair de uma crise profunda, a da moeda única.

"Os britânicos assistiram a essa crise um pouco à distância, porque não estavam na moeda única, mas tiveram oportunidade de ver, ao longo de cinco anos, como a UE seguiu a crise, quem ganhou e quem perdeu. Isso é uma experiência bastante dilacerante nas relações de força entre os diferentes Estados-membros e, sobretudo, foi um teste a um conjunto de valores que a União Europeia pretende corporizar", sustentou.

Nesse sentido, lembrou as "ingerências indesejáveis" em alguns dos Estados membros, como a imposição alemã para afastar a Grécia do Euro.

"Houve ameaças que não deveriam ter acontecido, houve retaliações que foram absolutamente condenáveis. Tudo isso é também resultado do 'Brexit'. 2015 foi um ano que começa com o Syriza na Grécia e que, depois, vai até ao final de julho, em que a Alemanha estava numa fase complexa, que a União Europeia agora refere como unilateral, uma forma doce de referir o unilateralismo e a hegemonia alemã", disse.

"A Alemanha tentou expulsar a Grécia do Euro e entrou, a partir daí, numa fase de desatino político, que foi insuportável. Os britânicos viram isso tudo à distância, com uma imprensa livre, com uma atitude mais crítica da UE e tiraram as suas conclusões, o que terá, eventualmente, ajudado ao resultado negativo do referendo de 2016", disse.

Apesar de um "bom" acordo político e comercial com os 27, Londres ficou "livre das amarras" para ir à procura de outros mercados, pretendendo afirmar-se, disse Goucha Soares, "como uma potência global" e recuperar "a velha aura" que dispunha quando Inglaterra era a grande potência europeia, "fase que se esgotou em 1945". 

"Um dos principais assuntos que esteve em cima da mesa no período que mediou entre o referendo e a saída efetiva do Reino Unido, em 2020, foi que Londres queria não apenas sair da União Europeia, como também recuperar aquilo que estava privado por fazer parte dessa mesma UE", defendeu.

Daí a viragem estratégica para a Ásia, sobretudo na chamada região da Ásia/Pacífico que, no entender de Goucha Soares, será, "seguramente", o centro das relações económicas do século XXI.

"Há a questão da China, por causa da sua dimensão e do seu peso na economia, poder desempenhar um papel hegemónico. O Presidente Obama tentou acautelar isso, através da constituição da Parceria Transpacífico, mas, depois, a administração Trump retirou os Estados Unidos da organização. E os Estados membros dessa parceria, aliados do Reino Unido na Ásia, na ASEAN, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia, prosseguiram com essa parceria", sustentou.

"É interessante que o Reino Unido está a preparar-se para integrar um novo bloco comercial que poderá vir a desempenhar um papel importante nas relações económicas internacionais deste século, que é a Parceria Transpacífico", sublinhou.

Para o académico, o Reino Unido quis manter a sua política comercial e decidiu fazer ele próprio este esforço de acordos comerciais, tendo assinado vários com países com os quais a UE não tem acordos bilaterais, como a Austrália (este mês).

"O Reino Unido ganhou alguma flexibilidade, que não tinha porque estava na União Europeia, na condução da sua política comercial. Pode dar-se ao luxo de ter a sua política comercial própria. Essa flexibilidade, nalguns casos, jogou a favor do Reino Unido, como é o exemplo do processo de vacinação, em que conduziu a sua política de uma forma independente, antecipando-se à da UE", concluiu.

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