Passividade da ONU "também é responsável" por conflito no Saara Ocidental

O regresso da tensão no Saara Ocidental, anexado por Marrocos, também resulta da passividade do Conselho de Segurança da ONU na resolução do conflito, considerou em entrevista à Lusa Oubi Bouchraya, representante da Frente Polisário na Europa.

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Lusa
21/05/2021 13:39 ‧ 21/05/2021 por Lusa

Mundo

Oubi Bouchraya

"A nossa crítica face ao Conselho de Segurança [CS] relaciona-se nomeadamente em torno do facto de se ter instalado no CS, talvez desde sempre, a lógica da gestão do conflito em vez da sua resolução", indicou numa entrevista telefónica Oubi Bouchraya, 51 anos, membro da direção política da Frente Polisário -- que luta pela autodeterminação da antiga colónia espanhola anexada por Marrocos em 1975 --, e também representante da autoproclamada República Árabe Saarauí Democrática (RASD).

"Após 30 anos de falhanço, testemunhado por todo o mundo, não é fácil, são três gerações, chegou o momento de o CS e o secretário-geral da ONU abandonarem o seu desporto favorito que é esconderem-se por detrás da figura do enviado pessoal do secretário-geral", assinalou.

A situação na região agravou-se a partir de 13 de novembro de 2020, quando tropas marroquinas ocuparam El Guerguerat, uma pequena área estratégica no sul do Saara Ocidental localizada aproximadamente a 11 quilómetros da fronteira com a Mauritânia e atravessada pelo muro de segurança construído por Rabat na sua guerra contra a Frente Polisário.

A Polisário considerou esta ação militar uma violação do cessar-fogo e anunciou o regresso às hostilidades.

"É preciso colocar os acontecimentos de 13 de novembro de 2020 no seu contexto real. Não tínhamos o desejo de declarar a guerra, foi uma reação à defesa legítima após Marrocos ter decidido violar os termos do cessar-fogo e ocupar uma zona desmilitarizada e violado os acordos de cessar-fogo", assinalou.

"Tínhamos a obrigação em responder de forma adequada à violação do cessar-fogo por Marrocos. Não foi uma declaração unilateral da parte da Frente Polisário, mas uma reação a uma vontade bem expressa por Marrocos de romper com tudo", prosseguiu o responsável da Polisário na Europa, com delegação em Bruxelas.

O dirigente saarauí considera que a atuação do CS apenas tem contribuído para "proteger o facto consumado marroquino no Saara Ocidental" e não a resolução do conflito, mas admite que desde 13 de novembro existe outra realidade.

"É uma nova situação caracterizada pela guerra, o regresso às armas, à luta armada, estamos na primeira fase dos ataques direcionados às posições do exército marroquino de norte a sul, ainda não chegámos ao ponto de ofensivas como conhecemos antes de 1991, ataques a bases militares, destruição de equipamento, captura de prisioneiros...", sugeriu.

"Ainda não estamos nessa fase, mas a máquina militar move-se, começamos com bombardeamentos de artilharia às posições do exército marroquino e pouco a pouco progredimos", acrescentou.

Em setembro de 1991, após 16 anos de guerra, foi assinado um cessar-fogo sob a égide da ONU que previa ainda a organização um referendo de autodeterminação em seis meses, sucessivamente adiado devido a um diferendo entre Rabat e a Polisário sobre a composição do corpo eleitoral e o estatuto de território.

A Missão das Nações Unidas na região (Minurso) foi renovada em outubro de 2020 por mais um ano. No entanto, o secretário-geral da ONU, António Guterres, ainda não designou um novo enviado pessoal para a região.

Diversos ciclos de negociações não conseguiram aproximar as posições da Polisário e de Marrocos, que apenas propõe uma ampla autonomia do Saara Ocidental e recusa discutir a soberania do que considera como parte integrante do seu território

"O processo político está há muitos anos bloqueado no momento em que Marrocos decidiu retroceder na sua decisão de permitir um referendo no Saara Ocidental. O que ficou do plano original foi o cessar-fogo, por sua vez também violado deliberadamente por Marrocos", acusa Oubi Bouchraya.

Perante o atual impasse, têm aumentado as pressões sobre o CS para que reveja a sua posição e opte por "analisar profundamente" as causas e origens deste falhanço que se prolonga há 30 anos.

"Contactar com as partes, com os peritos, com os antigos mediadores da ONU, e acabar por tirar as conclusões necessárias para elaborar um novo roteiro, um novo quadro de resolução que inclua a determinação de um objetivo muito claro desse processo de resolução, um calendário de aplicação muito claro, mas também as necessárias garantias", pontificou.

"E após a elaboração deste roteiro, então teria sentido a designação de um novo enviado pessoal, ao qual caberia aplicar este roteiro já determinado pelo CS", disse.

O dirigente da Polisário considera que, nas atuais condições, a designação de um enviado pessoal apenas conduziria ao "falhanço" da sua função mediadora.

"Se não existir uma vontade real, uma metodologia construtiva, uma nova visão, envolvimento, determinação por parte do CS, poderemos ter todo o género de enviados pessoais mas nunca obteremos um resultado", insistiu.

Para Oubi Bouchraya, o peso político, a carreira ou a nacionalidade do futuro enviado é uma questão menor no atual contexto.

"Antes já tivemos James Baker, ex-secretário de Estado dos EUA, uma das personalidades mais conhecidas no mundo, tinha a administração norte-americana por detrás, mas infelizmente acabou por se demitir. Porquê? Porque o CS não estava lá para o ajudar, para impor e forçar Marrocos a aceitar o seu plano", recordou.

"O último enviado foi Horst Kohler, um antigo Presidente da Alemanha, uma figura muito conhecida, com a Alemanha por detrás, mas também acabou por desistir porque Marrocos não queria cooperar para resolver o conflito e o CS mantinha-se em total passividade", concluiu.

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