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"Consegui hoje 100 vezes mais do que alguma vez tinha sonhado"

Tem (apenas) 37 anos e já todo um património culinário associado ao seu nome. José Avillez é um dos chefs portugueses mais conceituados de sempre, mas faz questão de deixar claro: nada disto seria possível se não tivesse os melhores ao seu lado. O chef português é o entrevistado de hoje do Notícias ao Minuto.

"Consegui hoje 100 vezes mais do que alguma vez tinha sonhado"
Notícias ao Minuto

08:38 - 18/08/17 por Daniela Costa Teixeira

Lifestyle José Avillez

Não há como desviar o olhar dos números: nove restaurantes, um take-away, duas estrelas Michelin, quatro livros, três vinhos, dois programas televisivos (um deles com três séries), uma rubrica na rádio… e 350 braços direitos.

Estamos, claramente, perante um caso de êxito, e que faz questão de não ficar por aqui. Aos 37 anos, José Avillez é um dos nomes mais sonantes da gastronomia portuguesa e tem já o mundo de olhos postos nele, talvez da mesma forma como se inspira naquilo que vê um pouco por todo o mundo.

Com o sucesso já mais do que alcançado em Portugal, Avillez sonha em rumar além fronteiras e, quem sabe, poderá consegui-lo já no próximo ano. A abertura de um restaurante lá fora faz parte dos planos, mas até lá mais ideias, mais inspirações e mais projetos virão à mente, garante-nos.

À conversa com o Lifestyle ao Minuto, Avillez garante que toda esta realidade nunca antes sonhada vai-se construindo aos poucos e deve-se, “acima de tudo”, a “uma grande equipa”, que cresce à medida que os novos projetos vão ganhando vida e que hoje é constituída por nada mais, nada menos do que cerca de 350 pessoas.

O estado atual da gastronomia portuguesa, as dificuldades da profissão, o sentimento de desvalorização e a pressão dos rótulos foram alguns dos temas abordados nesta conversa. 

Comecemos pela questão que possivelmente mais ouve: onde é que vai buscar tanta inspiração?

Costumo dizer que às vezes vou a muitos sítios, outras vezes a lado nenhum. Temos de estar disponíveis, temos de ser humildes, estar abertos ao que se passa à nossa volta. Quando isso acontece conseguimos simplesmente olhar para um prato que está vazio e pensar no que se pode fazer lá dentro, um bocadinho como um pintor, que pode olhar para uma tela e pensar no que é que vai pintar. Mas gosto também de olhar para as mudanças de estação, de ano, novos frutos, vegetais e flores a aparecer e pensar no que é que vai acontecer. E aí posso inspirar-me e fazer os pratos.

E a cabeça está sempre com ideias novas?

Sim, estou sempre com ideias novas, às vezes não estão diretamente relacionadas com pratos e sabores, podem estar com conceitos e decorações, com projetos. Quando faço viagens longas de carro ou avião a minha equipa está sempre assustada e entusiasmada porque sabe que quando eu voltar haverá mudanças [risos]. Muitas vezes acabo por mandar mensagens para mudar isto e aquilo para quando eu chegar poder experimentar. Por isso, sim, posso dizer que sou muito ativo em pensamentos criativos.

Hoje a nossa gastronomia não é melhor do que era há uns anosTemos uma das gastronomias mais apreciadas do mundo. Como é que a avalia?

Acho que hoje a nossa gastronomia não é melhor do que era há uns anos, na perspetiva de que a riqueza que temos vem já de há vários anos, de há várias gerações.

Hoje estamos mais expostos ao mundo, os chefs, porque temos mais clientes também, porque conseguem viabilizar financeiramente os seus negócios e restaurantes e, por isso, conseguem também mostrar novas cozinhas, ter restaurantes que durem mais do que seis meses. E isso, obviamente, que depois traz uma melhoria grande, mas não posso dizer que seja na gastronomia em si, mas talvez numa cozinha mais contemporânea e em todo o universo da restauração.

E o que é que diferencia a nossa cozinha das outras?

Temos muitas coisas diferentes, algumas parecidas com Espanha e com outros países do Mar Mediterrâneo. Mas se pensarmos, somos dos únicos países da Europa que acompanham os pratos com arroz branco à parte, isto é uma influência asiática, coisas que trouxemos na altura da Ásia. Tirando algumas receitas nas Canárias e uma ou duas na Andaluzia, não há receitas de coentros por toda a Europa e nós somos um país de coentros.

Diria que isso são as particularidades, mas depois existe uma série de cruzamentos de produtos e de combinações de temperos em que somos diferentes. É óbvio que pela proximidade, por partilharmos o clima e até história, temos algumas coisas parecidas com Espanha, mas temos a nossa identidade que, aliás, vai mudando bastante de região para região. Não é uma cozinha portuguesa, são várias cozinhas regionais que formam, depois, a cozinha portuguesa.

Nesta arte é preciso que haja consumidores. Noutras se calhar não tanto

E o que é que falta à alta culinária portuguesa para conseguir mais estrelas Michelin?

Acho que é continuar o caminho que estamos a fazer, não há nada a mudar. Acho que é continuar a fazer para que olhem cada vez mais para nós, é continuar a ter mais clientes dispostos a pagar por estes restaurantes, são restaurantes que, por definição, são caros, precisam de muita mão de obra e só procuram os melhores produtos. Basicamente é preciso ter clientes, porque, se pensarmos na cozinha como uma forma de arte ou pelo menos como uma expressão artística, nesta arte é preciso que haja consumidores. Noutras se calhar não é preciso tanto, porque um pintor pode passar uma vida a vender um ou dois quadros e estar sossegado, agora quando é preciso montar um restaurante, onde é preciso pagar equipas, pagar fornecedores, os custos são muitos grandes e só tendo clientes, e muitas vezes só mesmo com o restaurante cheio é que se consegue melhorar na alta cozinha, porque a maior parte dos restaurantes de alta cozinha, que ainda por cima não é economicamente viável, tenta-se pelo menos não se perder muito dinheiro, se não é mesmo insustentável.

Já há muito tempo que assumo que não faço nada sozinho, nunca fiz. Tento rodear-me de pessoas que são melhores do que eu em várias áreasSe não me falham as contas, tem neste momento sete restaurantes, uma pizzaria e um mini bar. A isto juntam-se ainda quatro livros, programas de televisão, presença na rádio… como é que consegue tempo, paciência e resiliência para gerir tantos projetos?

Acima de tudo, é uma grande equipa. Já há muito tempo que assumo que não faço nada sozinho, nunca fiz. Tento rodear-me de pessoas que são melhores do que eu em várias áreas, é a única maneira de conseguirmos ser sempre cada vez melhores, porque vamos aprendendo.

Quanto à resiliência, é pela paixão que tenho, pela vontade que tenho de fazer mais. Não vou dizer que às vezes não tenho preguiça, que não estou cansado, que não me apetece levantar de manhã depois de só ter dormido duas horas e ter trabalhado 20 horas no dia anterior. Não gosto de tudo na minha profissão, como é óbvio, ninguém gosta. Adoro o que faço, adoro poder pensar que estou a dar prazer às pessoas que estão sentadas à nossa mesa e poder pensar que faço a diferença, primeiro pelas 350 pessoas que hoje trabalham connosco, e depois por Portugal marcar de alguma maneira ou inscrever o nome da gastronomia portuguesa no mundo.

É fácil seguir a carreira de chef no nosso país?

É cada vez mais fácil, sendo que as pessoas têm de estar preparadas e conscientes para uma vida de muitos sacrifícios. De facto, é uma vida dura, fisicamente é dura, psicologicamente é dura. É pesada, temos de fazer sacrifícios familiares grandes. Eu fiquei anos sem ver os meus melhores amigos, na altura em que os meus filhos nasceram consegui tirar três dias para o primeiro e dois para o segundo e não consegui mais.

Hoje há cada vez mais uma humanização da profissão de cozinheiro e mesmo das pessoas da sala e temos de continuar a trabalhar nesse sentido. Já não faz sentido trabalhar 17/18 horas por dia, mas às vezes tem de ser e quem de haver vontade e paixão naquilo que se faz.

A profissão de chefe de sala e empregado de mesa é desvalorizada e eu ponho-a exatamente ao mesmo nível de chef de cozinhaA profissão de chef é de algum modo desvalorizada? É possível que muitas pessoas não tenham consciência desse tipo de sacrifícios.

Não é desvalorizada, mas acho que hoje a profissão de chefe de sala e empregado de mesa é desvalorizada e eu ponho-a exatamente ao mesmo nível de chef de cozinha. A perícia, a competência e os conhecimentos estão ao mesmo nível e, muitas vezes, isso não é respeitado como tal e é uma grande injustiça que se faz no nosso país e um pouco por todo o mundo.

Num espaço de tempo mais ou menos próximo, abriu a Cantina Peruana e o Beco – Cabaret Gourmet, dois conceitos completamente diferentes. É uma forma de tentar chegar a outros clientes?

Sim. Em relação à Cantina Peruana tem a ver, por um lado, com uma estratégia de trazer grandes profissionais de referência no mundo para Portugal para enriquecer a nossa oferta gastronómica,

Por outro lado, ser no Bairro [nota de redação – a Cantina Peruana fica no primeiro andar do Bairro do Avillez], foi para ter conceitos bastante diferentes e pensarmos que pode ser mesmo um bairro onde temos uma vertente mais portuguesa de petiscos, como é a Taberna, com peixe marisco que é o melhor que temos em Portugal, mas depois uma zona mais boémia que é o Beco – Cabaret Gourmet [N.R. - fica também no Bairro do Avillez].

Há aquilo que eu digo que é um olhar sobre o mundo, nas varandas, que é a Cantina Peruana.

Cada um dos seus restaurantes tem uma identidade muito própria e o facto de querer chegar a várias pessoas e de querer apostar em vários tipos de culinária não o leva a sentir que está a criar um império gastronómico em Portugal?

Acho que sinto que temos de estar felizes por tudo o que temos feito nos últimos anos. Somos uma família grande, uma equipa que se torna numa família, que está a crescer, pessoas que acreditam e que partilham dos nossos sonhos e paixões. Foi rápido, acho que vem muito mais para o futuro, temos muitas ideias, muita vontade. Haja saúde, que é o mais importante para continuarmos a ter trabalho.

Costumo dizer que consegui hoje 100 vezes mais do que alguma vez tinha sonhado, mas também porque tenho uma equipa muito melhor do que achei que alguma vez iria terImaginava-se estar onde está agora?

Costumo dizer que mesmo quando comecei a querer ser cozinheiro que tinha a vontade de ficar com um pequeno espaço ao pé de minha casa, em Cascais. Tinha 20 lugares e tinha feito até a carta para esse restaurante já, coisas muito simples que estavam na moda. Costumo dizer que consegui hoje 100 vezes mais do que alguma vez tinha sonhado, mas também porque tenho uma equipa muito melhor do que achei que alguma vez iria ter. Numa primeira fase da nossa vida, pensamos muito nos nossos sonhos e como é que os conseguimos realizar individualmente, mas depois quando se juntam outras cabeças, outros corações, outras almas à nossa volta, percebemos que podemos ser muito maiores.

Projetos como o Belcanto já não são meus, já não são sequer da minha equipa, são de Portugal e temos de o defender e de o continuar a fazer crescer, porque representa o país no mundo inteiro.

Por falar em representar Portugal, a imprensa internacional está sempre de olho no que faz. Como é que lida com a pressão que vem de lá de fora?

Hoje em dia diria que muito naturalmente. Somos a maior parte das vezes elogiados, mas somos também criticados, às vezes gostam mais de umas coisas, outras vezes menos, acho que temos de estar, essencialmente, de consciência tranquila com aquilo que estamos a fazer e deixar os nossos clientes contentes.

O Armando Cortez, um grande ator português, disse há uns anos a um amigo meu ator ‘não fiques muito contente quando vês uma crítica positiva tua, nem muito triste quando vês uma negativa, porque a maior parte das vezes não é totalmente verdade’. É um bocadinho isso, às vezes temos nas fases más um dedo apontado porque alguma coisa está mal, nas fases em que estamos menos mal dizem que somos os maiores… nós temos é de estar conscientes do trabalho que estamos a fazer, do trabalho que a nossa equipa está a fazer como um todo e de consciência tranquila.

O que é que ainda lhe falta fazer?

Ainda falta muita coisa, não consigo dizer. Temos vários projetos um bocadinho seguindo esta linha, esta nova estratégia de convidar outros chefs de várias partes do mundo para abrir [restaurantes] aqui connosco em Lisboa, de uma maneira de promover o trabalho deles, promover a gastronomia em Portugal, mas temos outros projetos que podem surgir para breve.

E dar o 'salto' até ao estrangeiro?

Também temos isso em cima da mesa, está a ser analisado há já cerca de dois, três anos. É possível que em 2018, no final de 2018, surja qualquer coisa, mas ainda não há nada certo.

Sente que é uma fonte de inspiração para todos os que anseiam ser chefs em Portugal?

Espero que seja [risos].

Mais do que um novo José Avillez, Portugal precisa de outra pessoa que venha continuar este trabalhoPara terminar, o que é que é preciso para ser o próximo José Avillez?

Acho que nada, cada um de nós tem uma identidade, identidade do nosso trabalho, da nossa equipa, por isso, acho que muito em breve vai aparecer um cozinheiro ou chef de cozinha que vai ter mais destaque do que eu e não vai ser o Zé Avillez, vai ser, à sua medida, um grande cozinheiro, um grande chef de cozinha e é isso que Portugal precisa, mais do que um novo José Avillez, precisa de outra pessoa que venha continuar também este trabalho.

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