'Meninas do papá', facto científico ou estereótipo?

É teoria de muitos que as meninas são mais ligadas ao pai e os meninos à mãe. Mas será que é mesmo assim ou estamos, afinal, perante um mito sem qualquer fundamento científico? Foi isso que o Lifestyle ao Minuto procurou saber na data que hoje se assinala, o Dia do Pai.

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Ana Lemos
19/03/2017 08:30 ‧ 19/03/2017 por Ana Lemos

Lifestyle

Dia do Pai

Há explicação científica para as ditas ‘meninas do papá’ ou trata-se apenas de um conceito criado pela sociedade e, consequentemente, por ela alimentado. No Dia do Pai, que se celebra este domingo, o Lifestyle ao Minuto ouviu especialistas na matéria e chegou a uma conclusão que talvez desiluda os mais crentes nesta teoria.

A “consciência do lado feminino”, que surge entre os 4/5 anos e a que a “psicanálise chamou de complexo de édipo”, não implica necessariamente uma relação mais próxima com o sexo oposto, neste caso, o pai.

“Isso é desigual de umas famílias para outras, varia muito de pessoa para pessoa, do estilo pessoal e relacional de cada família. A variabilidade é tão grande que as ‘meninas do papá’ ou os ‘meninos da mamã’ são tudo estereótipos que se divulgam na sociedade” mas que não têm qualquer “comprovação cientifica”. 

A opinião é do psiquiatra de infância e adolescência, Pedro Monteiro, que admite ser contra estes conceitos por considerar que as “relações com os filhos são diferentes qualitativamente mas não quantitativamente, não há medições nem réguas para medir se os pais gostam mais de uns do que dos outros”. O que existe sim, explica, “são relações qualitativamente diferentes, conforme o temperamento e personalidade dos filhos e dos pais”.

São tudo estereótipos sociais. O que interessa é que haja uma boa relação familiar, equilibrada, afetuosa, construtiva, que passe afetos, regras e valores sociais

Há, portanto, uma série de variáveis que podem ditar (ou não) essa proximidade. A psicóloga Mariana Paiva, da Oficina da Psicologia, refere que entre elas estão as “fases do desenvolvimento” da criança, em particular na infância e adolescência, as “alterações sociais” que implicam, e os “fenómenos culturais” presentes na sociedade em que está inserida.

Mas se na infância pode construir-se uma relação com o pai em que ele serve de modelo “ao mundo masculino”, com a entrada na adolescência essa “figura de referência” pode (ou não) mudar e a mãe ‘entra cena’ como principal confidente. Ainda assim, estamos perante uma relação, que quando existe, “não acaba”. Pode “sofrer alterações” com o tempo que um e outro com a maturidade deixam de ter, mas nos momentos de reencontro, regressam as recordações” da infância. 

Isso mesmo sustenta a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, que apesar de se assumir uma ‘menina do papá’, admite que na adolescência a relação que a menina estabelece com o pai pode dar lugar ao choque entre “a rebeldia” (própria desta fase) e a “autoridade parental”. E aí a rapariga pode “distanciar-se muito do pai e do ideal de homem que criou, e procurar a confidência feminina da mãe”. Apesar disso, sublinha, “precisam sempre da aprovação do pai”, a cujas opiniões “são, aliás, mais sensíveis”.

Uma coisa é certa para uma rapariga: a figura paterna continua a ser, muitas vezes, o modelo do príncipe encantado. O nosso cérebro liga-se emocional e cognitivamente à primeira experiência que teve e o pai é o primeiro modelo da menina para se imaginar no seu papel da mulher. Depois, [enquanto jovens adultas] podem procurar isso ou o oposto

Com observações diferentes, a verdade é que nenhum dos especialistas ouvidos pelo Lifestyle ao Minuto foi assertivo na confirmação da ideia das ‘meninas dos papás’. Se Pedro Monteiro se manifestou contra, Mariana Paiva mostrou-se desconfortável com o “duplo sentido” do termo, e Ana Vasconcelos, apesar de assumir sê-lo, reconheceu que em cima da mesa estão uma série de variáveis com preponderante influência neste tipo de relações.

Não podendo generalizar o conceito, nem tão pouco a ideia de que já enquanto mulheres procuram semelhanças entre o companheiro e o pai, o cerne da questão passa, essencialmente, pela educação. Pela forma como os pais (mãe e pai) vão “mostrando à criança quais são os papéis que existem” no seio familiar.

Porque "tudo em relação às crianças deve ser explicado tendo em conta o que conseguem entender", refere Mariana Paiva, frisando que "se isso não for justificado pode desenvolver ideias erradas. [A verdade é que] pai é sempre o pai, não é um amigo" e cabe-lhe desempenhar esse papel. "O mesmo acontece com a mãe", depois "depende da personalidade da criança".

A educação e as práticas parentais têm muito impacto na pessoa adulta que um dia [a criança] vai ser. As relações familiares são as nossas reações primárias. Este [é o ponto de partida] para a pessoa que seremos e até para a mãe e pai que seremos. Mas não é determinante porque por vezes fazemos o contrário das nossas experiências passadas

Não existe, portanto, uma regra que permita generalizar um fenómeno que está tão dependente de inúmeras variáveis, incluindo da sociedade em que a criança cresce. A verdade é que em sociedades ocidentais, como a nossa, está ainda muito enraizado o princípio de que “a mulher ensina a filha a cuidar da casa e dos outros, enquanto o homem mostra o mundo ao filho com atividades mais lúdicas”.

As mulheres cuidam, os homens dão o mundo aos filhos na socialização. O cuidar é uma característica biológica da mulher, apesar de haver cada vez mais homens a saber cuidar e a adaptar-se às mudanças culturais

E como a tendência do ser humano é guardar “memórias positivas” quando elas existem na infância, é natural que a primeira “identificação com a figura do sexo oposto” sirva de “modelo ideal” e que, quando a relação que se estabelece é positiva, se mantenha e a dada altura até dê lugar a uma inversão de papéis, passando a ser menina-adulta a cuidar do papá-idoso. Mas o “amor”, quando desde sempre esteve lá, “nunca” acabará. Mesmo que cientificamente não seja aprovado o termo… ‘Menina do Papá’.

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