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'Mário, um bailarino no Estado Novo' regressa hoje ao São Jorge em Lisboa

O espetáculo 'Mário', um monólogo com texto e encenação de Fernando Heitor que, de forma ficcionada, conta a vida de Valentim de Barros, bailarino homossexual perseguido pela ditadura do Estado Novo, regressa hoje ao Cinema São Jorge, Lisboa.

'Mário, um bailarino no Estado Novo' regressa hoje ao São Jorge em Lisboa
Notícias ao Minuto

05:55 - 07/01/20 por Lusa

Cultura Cinema São Jorge

Estreado em agosto de 2019, quase sempre com sessões esgotadas, 'Mário, um bailarino no Estado Novo' é protagonizado por Flávio Gil e pode ser visto às terças e quartas-feiras, na sala 2 do S. Jorge, até 28 de janeiro.

A peça resulta da investigação à época e aos testemunhos sobre Valentim de Barros, o bailarino que viveu internado no Hospital Miguel Bombarda, durante mais de 40 anos, por ser homossexual assumido.

Valentim de Barros teve aulas de dança clássica no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, estudou com a professora alemã Ruth Aswin, foi bailarino em Barcelona, Berlim e na ópera de Estugarda, na década de 1930, e viveu a ascensão nazi na Alemanha, de onde foi expulso pouco antes da eclosão da II Guerra Mundial, em 1939.

No regresso a Portugal, foi preso, pela primeira vez, pela polícia política da ditadura por andar na rua vestido de mulher, em junho de 1939.

Nos anos seguintes, a vida de Valentim de Barros alternava entre períodos de internamento no Miguel Bombarda e períodos em que tentava ter uma vida normal e seguir a carreira de bailarino.

Mas Valentim continuava a vestir-se de mulher e a envolver-se em distúrbios, o que acabou por ditar o internamento no Miguel Bombarda com diagnóstico de "psicopatia sexual e pederastia passiva".

Sujeito a eletrochoques e a uma lobotomia, em junho de 1948, foi no hospital cujo edifício principal estava instalado no antigo Conecto de Rilhafoles que Valentim de Barros viria a morrer, aos 69 anos, em 1986.

A história do jovem adolescente - que disse ao pai 'Quero ser bailarina' e que abandonou a casa dos pais na Cruz de Pau para fugir à profissão de serralheiro mecânico como foram seu pai e avô vindo viver para Lisboa - foi recuperada pelo investigador António Fernando Cascais, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

'Onde eu não dance, a solidão fá-lo por mim: Valentim de Barros', um dos ensaios do livro 'Hospital Miguel Bombarda 1968', com fotografias do médico José Fontes, publicado pela Documenta/Sistema Solar, em 2016, foi uma das fontes utilizadas pelo investigador para analisar a vida do bailarino.

António Fernando Cascais, que reconhece a necessidade de uma "abordagem de fundo" da biografia de Valentim de Barros, pensa aqui o percurso do bailarino, o contexto em que este se desenrola e a perceção que dele é assumida. Para elaborar o trabalho, o investigador baseou-se em documentos que vão do processo da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), antecessora da PIDE, a entrevistas realizadas em momentos distintos da vida do bailarino.

"Toda a vida de Valentim foi devassada até ao mais ínfimo pormenor para explicar essa homossexualidade que passou a ser ele próprio, para preencher com a matéria-prima da sua biografia, o sentido e a substância de uma palavra de outro modo vazia de conteúdo e de gente", escreve o investigador no seu trabalho.

E, todavia, "do punhado de internados famosos no Hospital Miguel Bombarda, Valentim de Barros é aquele de quem mais há ainda por saber, porque menos segredos teriam as biografias dos outros (...) e muito se deixa [apenas] adivinhar sob as descrições, relatos e entrevistas que restituem a sua história", sublinha ainda António Fernando Cascais.

Colocando Valentim de Barros "na posição inicial a partir da qual se desencadeia o movimento que leva da vergonha ao orgulho" e à construção da identidade, Cascais fala por fim da importância do seu caso e da "sabedoria feroz" que este impõe e "nos impede de esquecer".

Em 2013, o Pavilhão 31 do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa evocou o bailarino com a exposição 'O Bailado de Valentim de Barros'.

Quatro anos mais tarde, em 2017, a gala Abraço homenageou-o e, em 2018, o duo Fado Bicha, de Lila Fadista e João Caçador, dedicou-lhe um fado.

'Mário, um bailarino no Estado Novo' tem direção musical de João Paulo Soares, movimento de Carlos Prado e desenho de luz de José Álvaro Correia.

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