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'Amores Pós-coloniais' levam a palco "pensamento que não se descolonizou"

A companhia Hotel Europa estreia quinta-feira, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, 'Amores pós-coloniais', quarta peça do ciclo de teatro documental dedicado a um período da História de Portugal presente num pensamento "que ainda não se descolonizou".

'Amores Pós-coloniais' levam a palco "pensamento que não se descolonizou"
Notícias ao Minuto

10:30 - 03/02/19 por Lusa

Cultura Teatro

Num espetáculo de cerca de duas horas e meia, André Amálio e Tereza Havlikova, os diretores da companhia, procuraram "olhar como é que o amor, esse espaço íntimo, é na verdade tão marcado pelo pensamento, pela forma dos próprios Estados, tão marcado politicamente".

No palco, André Amálio, Júlio Mesquita, Laurinda Chiungue, Tereza Havlícková, Pedro Salvador e Romi Anauel (os dois também responsáveis pela criação musical) dão voz às dezenas de testemunhos recolhidos e ouvidos ao longo dos últimos meses, num espetáculo que recupera documentos históricos (texto, áudio, fotografia, documentário) a partir de um processo de investigação que envolveu toda a equipa.

Um dos últimos ensaios antes da estreia - marcada para dia 07 na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II (onde estará até dia 24) -- aconteceu no último fim de semana, no Centro Cultural do Cartaxo (Santarém), na presença de alguns dos entrevistados durante a residência artística que a companhia realizou em julho de 2018 na aldeia de Pontével. O grupo irá a Lisboa assistir ao espetáculo no próximo dia 17.

Construído a partir das palavras exatas dos entrevistados e respeitando o seu anonimato, os participantes acabam por se reconhecer.

'Cartaxo' - alcunha de um dos residente de Pontével quando combateu na Guiné-Bissau -- não conteve a emoção "muito forte" ao ouvir a história, que não esconde à família, do amor da sua vida, a que viveu - "uma vez só" - com a jovem guineense que ajudou a tratar depois de o enfermeiro da sua companhia ter escapado para o Senegal para fugir à guerra.

Numa narrativa construída das histórias que se sucederam a um ritmo que a companhia não esperava - e de onde foram retiradas partes, como a da fuga do enfermeiro, que por si só dava uma peça - cabe ainda todo um manancial de documentos e registos resultado de uma investigação que recuou até à exposição colonial de 1934, no Porto, e ao início da guerra colonial, disse André Amálio à Lusa.

"Falámos com muitas pessoas, ouvimos muitas histórias de amor e olhámos também para o amor de uma forma múltipla, porque não são muitas vezes só aqueles amores dos romances mas de uma forma mais lata, como é que se vê o amor numa criança que é adotada, que é trazida, que é tirada aos pais, como é que esse amor é tão marcante e faz parte do quotidiano", afirmou.

As histórias dos meninos "adotados" pelos soldados portugueses, ou por terem ficado órfãos ou por terem sobrevivido a ataques, e que acabaram por vir para Portugal, mas também as dos "filhos dos tugas", que "ficaram lá, que não foram reconhecidos pelos pais e não são reconhecidos pelo país", surgiram de forma tão "avassaladora" que era impossível não estarem no espetáculo.

Como é também "impossível não falar de racismo neste espetáculo", tema "presente no amor" e ainda presente hoje na sociedade portuguesa, como revelam acontecimentos bem recentes, realçou André Amálio.

"Mostramos também, mais uma vez de uma forma tocante, como é que há pessoas que continuam a ser violentadas quotidianamente devido a um pensamento racista, que advém de toda esta estrutura colonial de continuar a considerar o outro inferior e por isso poder maltratá-lo", e que "continua ainda, de alguma maneira, a infiltrar-se e a ter ramificações na maneira de ser dos portugueses" na "violência da própria língua, das anedotas".

As expressões presentes na língua portuguesa, utilizadas no espetáculo, continuam a ser reproduzidas por "muitos portugueses brancos, como se elas não tivessem impacto, e têm", sendo "impossível ignorar", alertou.

"Amores Pós-Coloniais" inicia "um novo capítulo de investigação" da companhia sobre este período da História de Portugal -- depois da trilogia "Portugal não é um país pequeno" (sobre os chamados "retornados"), "Passa-Porte" (a chegada, os documentos) e "Libertação" (sobre o conflito armado) -, procurando estender o olhar até à atualidade.

Em setembro, na Culturgest, em Lisboa, num único dia, durante 13 horas, todo o material recolhido até agora vai resultar na peça 'O fim do colonialismo' e, a 05 de outubro, no mesmo espaço, a geração que não viveu o colonialismo vai contar, de viva voz, como é que se relaciona com este período da História, num espetáculo sobre as "pós-memórias".

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