ONGs acusam Governo de querer investimento à custa dos cidadãos
O coordenador da plataforma Anti Tratado Transatlântico acusa o Governo português de estar mais interessado no investimento do que nas pessoas ao querer empurrar Portugal para um acordo que permite às empresas processar países num tribunal arbitral.
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Economia Críticas
José Oliveira abordou o assunto em entrevista à Lusa, numa altura em que a polémica voltou a centrar-se neste tipo de mecanismos de resolução de litígios entre estados e investidores - de que Portugal não é o subscritor.
O acordo de comércio e investimento que está a ser negociado entre Estados Unidos e União Europeia (conhecido pela sigla inglesa, TTIP) pode vir a incluir uma cláusula deste género, mas o novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker opõe-se à resolução de disputas num tribunal arbitral, fora das jurisdições nacionais.
O Governo português defende o contrário, justificando que Portugal deve ter um acordo de proteção com investidores para atrair o investimento.
"Eu estive presente em várias conferências de imprensa do secretário de estado Bruno Maçães e foi evidente a preocupação desse governante em acentuar que é preciso defender os interesses dos investidores. [Sobre] os interesses dos cidadãos, nem uma palavra, os interesses do ambiente, nem uma palavra, os interesses da soberania nem uma palavra, mas os interesses dos investidores é preciso defender. E esse é, evidentemente, o mecanismo ideal para isso", contestou o ativista da Plataforma Não ao TTIP.
"É preciso perceber o que está na base dos litígios. As medidas tomadas pelos governos, nomeadamente em defesa dos cidadãos, do ambiente ou do direito à água potável, à luz desta jurisprudência são consideradas expropriações dos lucros. Por isso, com base nesta ideia, tudo o que sejam políticas de defesa dos cidadãos são consideradas ataques aos lucros e como tal alvo de ações judiciais", explicou.
José Oliveira acredita que as limitações que Bruno Maçães afirma que vão ser incluídas, sejam elas geográficas ou salvaguardas ambientais, pouco podem contra a "criatividade das empresas".
"Os árbitros estão lá para defender as corporações. Tudo o que sejam direitos humanos ou proteção do ambiente é considerado irrelevante relativamente às disputas em causa e os estados sofrem multas avultadíssimas que podem ser de milhões", alega.
O mecanismo conhecido como ISDS ('investor-state settllement dispute') que permite às corporações processarem os estados sempre que vêem os seus lucros - presentes ou futuros -- ameaçados "tem dado resultados terríveis a nível da economia dos estados e dos cidadãos", sublinha o coordenador da Plataforma, criticando a criação de "um novo tipo de poder", que está "para além das instituições normais dos estados" e dos tribunais nacionais.
"É curioso", notou, que nestes "tribunais especiais" não existem juízes, "apenas advogados pagos a cinco mil dólares à hora que tem todo o interesse em que as disputas de arrastem".
"Há cerca de 3.200 litigâncias destas no mundo e cerca 70% das decisões foram favoráveis às grandes corporações", acrescentou.
A forte contestação das Organizações Não Governamentais Europeias ao ISDS, agora apoiadas por Juncker, dá esperança a José Oliveira.
"O presidente Juncker tem-se pronunciado contra o ISDS por entender que os sistemas de justiça europeus não devem estar sujeitos a tribunais secretos - palavras dele. E o seu vice-presidente Franz Timmerman é também da mesma opinião (...). Isto mostra que existe uma consciência nos meios de Bruxelas que a questão é muito grave, muito complicada", observou o mesmo responsável.
Mas a Europa está dividida. Catorze países, "curiosamente os mais pequenos", entre os quais Portugal, endereçaram uma carta sobre o assunto à indigitada comissária europeia do Comércio Cecilia Malmström, lembrando que o mecanismo ISDS faz parte integrante do mandato da Comissão Europeia para as negociações do tratado.
"O presidente Juncker já respondeu e diz que o mandato sobre as negociações que fala do ISDS menciona, mas não obriga. Acho que é uma posição muito importante", comentou José Oliveira.
A Plataforma que coordena insere-se numa rede europeia de organizações congéneres que contesta o TTIP, que prevê a abolição de barreiras aduaneiras e regulatórias, alertando para as consequências negativas do acordo de comércio em termos da segurança alimentar, saúde e ambiente.
O movimento junta cerca de 300 organizações europeias, incluindo uma dezena na plataforma portuguesa.
José Oliveira é um dos que desconfia das virtudes do TTIP e lembra que o acordo é secreto.
"As negociações são secretas, o próprio tratado é secreto e mesmo depois de aprovado há um período de cinco anos que tem de se manter secreto, o que pode levantar as maiores suspeitas. Se os benefícios são tão grandes, então havia todo o interesse que em que se divulgue os pontos já acordados", considerou.
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