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"Cérebro do partido foi desligado, PS vive quase em estado vegetativo"

Daniel Adrião, o único adversário de António Costa nas diretas do Partido Socialista (PS), é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Cérebro do partido foi desligado, PS vive quase em estado vegetativo"
Notícias ao Minuto

24/04/18 por Melissa Lopes

Política Daniel Adrião

O socialista Daniel Adrião apresenta esta terça-feira a sua candidatura à liderança do Partido Socialista. Será o único a defrontar António Costas nas eleições diretas de 11 e 12 de maio - o Congresso do PS realizar-se-á entre 25 e 27 de maio, na Batalha - e defende que devia existir alguém "100% dedicado ao partido", afirmando-se como a pessoa certa para ser secretário-geral, um cargo que, considera, não tem sido bem gerido nos últimos dois anos.

E, a seu ver, a razão é simples: António Costa, que é primeiro-ministro e secretário-geral, simultaneamente, "não tem o dom da omnipresença". Além disso, a Geringonça consome-lhe tempo e energia que acabam por escassear ao partido. Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta, aponta o dirigente, "não tem legitimidade política para se substituir a António Costa. 

Nesta entrevista, Daniel Adrião lamenta ainda que o PS tenha vindo a perder massa crítica, espírito de debate e de confrontação que sempre corresponderam à natureza do partido. "O problema é que, cada vez mais, a cultura democrática no PS está a ser substituída por uma cultura de poder", constata. Se fosse secretário-geral, afirma, "poderia até ajudar o primeiro-ministro a fazer um melhor trabalho". 

É o único a adversário interno de António Costa e volta a enfrentá-lo nas próximas diretas. O que é que propõe para o PS?

Proponho um choque democrático.

E o que é que isso significa na prática?

Significa que é preciso medidas que ajudem a reconciliar os cidadãos com a política. Assistimos hoje a um divórcio cada vez mais acentuado entre os cidadãos e a classe política e as instituições políticas. Só para dar um exemplo, nas últimas eleições legislativas, bateu-se mais uma vez um recorde em termos de abstenção, e se somarmos à abstenção os votos brancos e nulos e os votos nos partidos que não tiveram votação suficiente para ter representação parlamentar, isso tudo soma mais do que 50 % do eleitorado. Hoje, os deputados que se sentam na Assembleia da República (AR) já representam menos de metade dos eleitores, representam menos de meio país. Isto dá bem a ideia do divórcio que existe entre os cidadãos e a política.

É preciso perceber que hoje há uma crise de representação democrática e que isso é um fenómeno muito perigoso para o próprio regime democrático. Significa que hoje o sistema não é credível. Os cidadãos não acreditam nos seus representantes.

E não acreditam porquê?

Porque na verdade o modelo do sistema de representação política não permite que os cidadãos possam interferir na escolha dos seus representantes.

E o que propõe é...

Para que isto seja alterado, proponho uma mudança da lei eleitoral. Por um lado, no sentido de introduzir círculos uninominais e, depois, um círculo de compensação através do voto plurinominal. Isto é, deixarmos de ter boletins de voto onde apenas conste o nome dos partidos e os símbolos, e onde os eleitores coloquem uma cruz – e isso significa que estão a passar um cheque em branco aos partidos e, em particular, aos diretórios partidários para que eles possam escolher livremente quem vai representar os cidadãos. A maioria esmagadora dos cidadãos desconhece em absoluto as listas de candidatos a deputados. No fundo, está a votar ou no líder do partido ou, quando muito, no caso dos eleitores mais esclarecidos, no cabeça de lista pelo seu círculo eleitoral, mas desconhece por absoluto os outros candidatos. Isto é um sistema que não cria uma relação direta entre eleitos e eleitores.

A introdução de círculos uninominais é fundamental. Mas para que também não criemos um sistema que represente os maiores partidos e ponha de fora os partidos com menor expressão eleitoral – porque os círculos uninominais criam essa dinâmica de bipolarização – entendemos que deve haver um círculo de compensação, que garanta até maior proporcionalidade e representatividade do que o sistema atual em que muitos votos vão para o lixo.

Para o lixo?

Em muitos círculos eleitorais, quem não vota nos dois maiores partidos, esses votos vão para o lixo, não contam para o apuramento de mandatos. O que estamos a propor é que através desse círculo nacional todos os votos contem para o apuramento de mandatos, seja em Bragança, seja em Portalegre. Segundo os cálculos e o estudo que fizemos, de acordo com os resultados das últimas legislativas, se aplicado este modelo, hoje haveria na AR mais dois partidos, o LIVRE e o PDR. Teriam eleito deputados. O modelo que propomos garante maior representatividade e respeita mais a proporcionalidade do que o modelo atual. Hoje, o PS e o PSD têm na AR uma representação parlamentar superior à percentagem de votos que tiveram e os outros partidos, o PCP, o Bloco, o CDS têm uma representação inferior à percentagem de votos que tiveram, porque isto é um sistema que dá um bónus aos grandes partidos.

Por essa razão, o modelo que propõe não é obviamente do agrado do PS e do PSD.

Mas é, curiosamente, o modelo que está no programa eleitoral do Partido Socialista, de António Costa.

A Ana Catarina Mendes não tem legitimidade democrática para se substituir ao secretário-geral

E por falar em António Costa, defende que um primeiro-ministro não deve ser, ao mesmo tempo, secretário-geral de um partido. Acha que o cargo de secretário-geral tem estado ao abandono?

Acho que o atual primeiro-ministro e formalmente secretário-geral do PS de facto não tem efetivamente exercido as funções de secretário-geral, manifestamente porque não tem tempo. Não estão em causa as grandes qualidades de trabalho e a competência de António Costa, o que está em causa é capacidade de estar em dois sítios ao mesmo tempo. O António Costa não tem o dom da omnisciência e da omnipresença. Para cumprir bem as funções de primeiro-ministro, não consegue depois cumprir as funções de secretário-geral. Por isso, até foi criado um cargo que foi o de secretário-geral-adjunto.

E Ana Catarina Mendes não tem feito um bom trabalho?

Há um problema de legitimidade democrática. A Ana Catarina Mendes não tem legitimidade democrática para se substituir ao secretário-geral. Porque o secretário-geral foi eleito em eleições diretas por umas dezenas de milhares de militantes do PS, a Ana Catarina Mendes foi eleita numa sala com 250 pessoas. E isso cria uma situação muito ambígua e pouco funcional do ponto de vista político. Seria benéfico que houvesse uma separação entre as funções, que António Costa pudesse dedicar-se a 100% às funções de líder do Governo e que houvesse uma outra pessoa, que também ela pudesse dedicar-se a 100% , com legitimidade democrática, às funções de líder do partido.

E até que ponto isso seria bom para António Costa, líder do Governo?

Só ajudaria o líder do Governo. Permitiria que o PS tivesse um papel muito mais interventivo, muito mais proativo, que marcasse muito mais a agenda política, que pudesse apoiar muito mais o Governo, em termos da definição das políticas públicas, que pudesse ter muito mais massa crítica a trabalhar para o desenvolvimento, não apenas de políticas conjunturais, mas, sobretudo, de políticas estratégicas, de médio-longo prazo. E esse é um grande problema que nós sentimos que o país tem.

Trabalhar a curto-prazo e não a médio-longo prazo?

Precisamente. Quem está no Governo, pela natureza das suas funções, é obrigado a focar-se muito no dia a dia e na resolução dos problemas quotidianos.

Não acredito em líderes iluminados, acredito em opiniões públicas esclarecidas e inteligência coletiva. Duas cabeças funcionam melhor do que uma cabeça só

O Governo reage mais a problemas do que aquilo que trabalha para o futuro, é isso?

Exatamente. É mais um trabalho reativo do que um trabalho de natureza prospetiva. Entendemos que o partido devia ter essa capacidade, o PS devia funcionar como uma espécie de estados gerais em permanência, ser um 'think thank', mas que funcionasse numa lógica de baixo para cima. Por exemplo, o gabinete de estudos do PS praticamente foi extinto, o gabinete de estudos não se reúne há dois anos, o cérebro do partido foi desligado, o PS vive hoje quase em estado vegetativo, o que nós defendemos é que o PS deve ativar a sua massa crítica. E não é só em Lisboa, é no país todo.

Essa necessidade de trabalhar a visão de futuro é sobretudo uma competência do partido?

Tenho andado pelo país e tenho-me reunido com muitos militantes. Percebo o potencial que está na base social do PS, de gente muito qualificada que está no PS, porque sonhou em dar o seu contributo através do partido ao país e não tem condições para o fazer porque o partido está organizado dessa forma. Tem de haver uma dinâmica de baixo para cima, pôr o partido a pensar, a refletir, a produzir pensamento, porque isso é a função fundamental do PS. O PS é apenas e só um instrumento ao desenvolvimento do país. É fundamental que haja uma dinâmica que funcione através da base social do partido e que depois chegue aos centros de decisão política. Não acredito em líderes iluminados, acredito em opiniões públicas esclarecidas e inteligência coletiva. Duas cabeças funcionam melhor do que uma cabeça só.

País continua a ter um modelo económico assente na mão-de-obra indiferenciada e nos baixos salários

Mas as coisas têm corrido francamente bem ao PS na governação. É inquestionável o papel de António Costa como primeiro-ministro?

É evidente que a avaliação que fazemos é muito positiva do trabalho de Costa e por isso o apoiamos como primeiro-ministro. Sentimos também é que o trabalho que tem sido feito por este Governo, até pelas suas características, tem sido um trabalho que visava pôr cobro a uma situação quase de emergência social em que o anterior governo tinha deixado o país. Nessa matéria, este Governo desempenhou um papel importante.

Mas temos de nos libertar da conjuntura, ir além da conjuntura, o país tem um problema em termos do seu modelo de desenvolvimento. O país continua a ter um modelo económico assente na mão-de-obra indiferenciada e nos baixos salários. Este é um modelo económico característico dos países em desenvolvimento, não dos países desenvolvidos. Se nos queremos comparar aos nossos parceiros europeus mais avançados, temos de mudar o nosso paradigma para uma economia assente no conhecimento intensivo, na mão-de-obra altamente qualificada e bem remunerada e numa economia de alto valor acrescentado. 

Notícias ao MinutoDaniel Adrião, candidato a secretário-geral do PS© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

O que seria para si um bom resultado nas diretas?

Um bom resultado é um resultado que no fundo permita que este movimento tenha capacidade de poder  influenciar as decisões políticas da futura direção política do PS. Estamos aqui para fazer parte da solução e não fazer parte do problema, nós não somos oposição a António Costa. Acreditamos que podemos constituir uma mais-valia para o PS, há aqui um conjunto de pessoas que tem uma abordagem muito inovadora do que deve ser a política.

E, por isso, outra das grandes reformas que defendemos são as primárias para a escolha de candidatos a cargos políticos. Entendemos que todos os candidatos a cargos políticos, presidentes de Câmara, presidentes de Junta, deputados à AR, deputados ao Parlamento Europeu, presidentes dos governos regionais, deputados regionais, todos devem ser escolhidos em primárias abertas à base social de apoio do partido. Precisamente para que estas decisões deixem de ser tomadas em circuito fechado e em 'petit comité' e passem a ser tomadas num universo alargado para que as pessoas se sintam representadas. 

Como é que anda a saúde da democracia dentro do PS? E com que objetivo houve agora uma proposta de alterar os estatutos colocando um mínimo de apoio de 50 delegados para uma moção estratégica ser discutida em Congresso?

Isso é um retrocesso enorme do ponto de vista democrático. Vai em sentido contrário ao caminho que estamos a tentar fazer e acho que a direção do partido já chegou à conclusão de que isso foi um erro e terá recuado nessa sua intenção. Pelo que também sei da discussão que houve no partido a esse respeito, as reações foram muito negativas, acho que isso, mais uma vez, demonstra a nossa utilidade enquanto movimento dentro do PS. É precisamente termos a capacidade de chamar à atenção para os erros que se cometem a tempo de eles serem corrigidos.

E este é um desses exemplos? Já caiu essa proposta?

É um exemplo claro. As indicações que tenho é que essa proposta, na sua essência, já terá caído.

Hugo Pires, que era quem estava a trabalhar nela, defendia, para justificar a imposição de um mínimo de 50 delegados de apoio para discussão de uma moção em Congresso: “Se tenho uma ideia política e ela não tem apoio é porque não será uma ideia relevante”.

É uma conceção hegemónica da política, que não é subscrita pela grande generalidade dos militantes do PS e julgo que nem pelos seus dirigentes. Julgo que essa proposta não fará caminho. Este modelo é um modelo correto, embora considere também que não devia ser obrigatório, para se apresentar uma moção de estratégia global, ter um candidato a secretário-geral, acho que também é uma forma de condicionamento. A tradição do PS é de debate profundo, é um partido fortemente pluralista, desde a sua génese. Na fundação do PS, antes ainda do 25 de Abril, mesmo dentro do núcleo de fundadores, um núcleo pequeno, houve divergências. Houve até quem tivesse votado contra a constituição do próprio partido naquela altura.

O PS, logo à nascença, começa com essas divergências, que são absolutamente salutares e que faziam o contraste com os outros partidos onde não havia liberdade de poder exercer esse tipo de divergências. E depois do 25 de Abril,  no segundo Congresso do PS, houve uma disputa feroz. Entre o Mário Soares e outra corrente, que na altura era fortíssima, a corrente representada por Manuel Serra. E Soares quase perdeu esse Congresso, tal foi a confrontação democrática e a dialética que se gerou. E depois disso, o Mário Soares teve sempre oposição interna.

Cada vez mais, esta cultura democrática no PS está a ser substituída por uma cultura de poder

Já não há essa oposição feroz no PS atualmente?

O PS perdeu, infelizmente, alguma capacidade de debate e de confrontação de ideias. Isso é indiscutível, de há uns anos para cá o PS foi perdendo essa característica que estava muito presente no seu ADN. É preciso recuperar essa boa tradição, porque isso é o PS. E, ao contrário do que alguns adeptos do pensamento dogmático e hegemónico consideram, as divergências de opinião não enfraquecem o partido, fortalecem-no. Os portugueses em geral reconhecem-se num partido onde há diferenças de opinião, onde há liberdade para as pessoas se expressarem, porque isso também é o reflexo da sociedade. Tem de haver unidade na pluralidade.

Esse pensamento hegemónico no PS vem concretamente de onde?

Vem de uma cultura de poder que está infelizmente cada vez mais instalada no PS. Costumava dizer que havia duas grandes diferenças entre os dois grandes partidos, entendia que o PSD era um partido que tinha uma cultura de poder que por vezes era democrática, e que o PS tinha uma cultura democrática que às vezes era poder. O problema é que, cada vez mais, esta cultura democrática no PS está a ser substituída por uma cultura de poder. É precisamente isso que pretendemos alterar e travar. Queremos que o PS retome a sua boa tradição de cultura democrática.

Acha que António Costa lida mal com as críticas a nível interno?

Não sei se lida mal com as críticas, mas já houve alguns episódios pouco felizes por parte desta direção.

Como por exemplo?

Quando tentou impedir que a nossa proposta de alteração estatutária apresentada no último Congresso fosse sequer discutida e votada na Comissão Nacional. Foi a única proposta de alteração estatutária que deu entrada no último Congresso foi a nossa. E o Congresso deliberou, por proposta da direcção, que aquela matéria não seria discutida e votada no Congresso mas seria remetida para a Comissão Nacional. Demorámos cerca de um ano e meio a conseguir o agendamento para discutir e votar a proposta, e com várias peripécias, com várias tentativas de impedir essa discussão.

E, quando finalmente o agendamento da discussão foi feito, o secretário-geral solicitou que essa proposta fosse transformada em recomendação ao Congresso, com o compromisso dele de que o partido assumiria as primárias a partir do Congresso de 2018. Primárias para todos os cargos políticos, porque era isso que estava na nossa proposta. Essa proposta foi aprovada como recomendação, com o compromisso de que seria aprovada no Congresso. E, portanto, estamos à espera que o secretário-geral honre a sua palavra e que seja aprovado as primárias para todos os candidatos de cargos políticos.

E tem indicação de que será?

Não sei. Confio na palavra do meu secretário-geral.

Palavra dada, palavra honrada.

[Risos] Palavra dada, palavra honrada!

Como é que vê esta solução governativa e a forma como o PS tem conseguido negociar com o Bloco de Esquerda e o PCP?

O balanço é claramente positivo e António Costa tem mostrado uma grande capacidade de diálogo com essas forças políticas, tem feito um exercício notável de equilíbrio entre aquilo que são os compromissos europeus e as reivindicações de natureza mais social dos partidos à esquerda do PS e que também são as reivindicações do PS. Nenhum socialista se sente confortável, ou sequer pode dormir descansado, quando sabe que há 2 milhões e 400 mil pobres em Portugal, ou quando há cerca de 24% da população ativa que ganha o salário mínimo nacional, e quando sabe que há licenciados a ganhar o salário mínimo nacional e menos. Não são só preocupações do Bloco de Esquerda e do PCP, são também dos socialistas. Nenhum português se pode orgulhar desses problemas do país, muito menos os socialistas. Queremos mudar este estado de coisas, não nos sentimos bem num país que tem este problema, onde mão de obra qualificada é paga ao nível da mão de obra indiferenciada.

Nesta matéria, este Governo foi importante: Conseguiu, pelo menos, travar o processo de regressão social que se vinha a acentuar desde os tempos da troika, mas que já vinha de trás. Em 2001, apenas 4% da população ganhava o salário mínimo, agora são quase 24%, é uma tendência que vem de trás, há uma clara transferência dos rendimentos do trabalho para o capital. Em termos de distribuição da riqueza, o país vive numa situação de plano inclinado, e no entanto os milionários não param de aumentar. É uma situação que nos deve preocupar.

Precisamos de um pacto de regime com todos os partidos

Acha desejável uma reedição da Geringonça após as eleições de 2019 ou, pelo contrário, é a altura certa para dizer adeus a esses partidos?

Acho que o PS tem que ter políticas de Esquerda. E dei exemplos que mostram que é preciso combater estas assimetrias sociais que ainda existem. Também é preciso perceber que o país precisa de um conjunto de reformas para mudar o tal paradigma, para entrarmos numa economia mais competitiva. Precisamos de um conjunto de reformas profundas e transformacionais.

E os partidos à esquerda do PS podem ‘atrapalhar’ isso?

Precisamos de um pacto de regime com todos os partidos. Todos os partidos têm de ser convocados para esse desafio que é estratégico para o país. É assim também que é feito noutros países da Europa, há matérias onde todos os partidos estão de acordo, são questões estratégicas, nós temos de adotar essa cultura de compromisso também em Portugal. 

 Acredito que a riqueza, tal como o sol, quando nasce é para todos

Concorda com a opção do Governo da redução da meta do défice para 0,7%, quando há tanto investimento público urgente a fazer, sendo a área da Saúde o exemplo mais flagrante?

Não nos podemos esquecer DE que Portugal teve o ano passado, graças a essa política mais restritiva e de cortes no investimento público, conseguimos um superavit na ordem dos 5 mil milhões de euros, que foi um resultado extraordinário. Acontece que esse superavit não chegou sequer para pagar os juros da dívida, de 8 mil milhões. Significa que, apesar dessas restrições, o lucro do país não foi suficiente para pagar os seus compromissos em termos de dívida pública. É um sinal de que não podemos descurar os compromissos, temos de ter algum cuidado na alocação dos recursos.

Acho é que deve ser feito um esforço para alocar bem os recursos públicos, a área da Saúde é prioritária, a principal preocupação de qualquer português. Há que encontrar no Orçamento do Estado forma de poder atender os problemas da Saúde. Mas também aí, temos de ver para onde vão os recursos do setor da Saúde, e uma parte significativa do orçamento da saúde vai para os privados. Sou dos que defende a revisão da Lei de Bases da Saúde. 

Notícias ao MinutoDaniel Adrião criou o movimento 'Resgatar a Democracia'© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto

Situa-se mais à direita de António Costa ou mais à esquerda?

[Risos] Sou um socialista democrático libertário. Acredito que a riqueza, tal como o sol, quando nasce é para todos. Todos têm de viver com um mínimo de dignidade, a sociedade deve ser igualitária não no fim da linha mas à partida, todos os cidadãos nascem livres e iguais. É preciso garantir igualdade de oportunidade para todos e é preciso garantir uma vida digna para todos. Sou a favor de uma sociedade sem pobres, acho que é perfeitamente atingível, acho que produzimos riqueza suficiente para que isso possa acontecer, o problema está na forma como a distribuímos. Não sei se isto é estar à esquerda ou à direita de António Costa.

Pergunto-lhe de outra forma. Via-se no lugar de António Costa, a formar uma Geringonça?

Este Congresso é para tratar do partido. Candidato-me ao lugar de secretário-geral porque entendo que poderia ajudar até o António Costa nas tarefas que está a desempenhar como primeiro-ministro. Isto é no âmbito do partido. Estou a apresentar as minhas ideias e proposta política no âmbito porque entendo que, nas atuais circunstâncias, tendo em conta que os últimos dois anos mostraram que António Costa de facto não tem condições para estar em dois lugares e fazer as duas funções ao mesmo tempo porque está muito focado – e bem – nas funções de primeiro-ministro. A natureza da Geringonça a isso obriga. O PS não tem uma maioria parlamentar, precisa do apoio do PCP e do Bloco, precisa de fazer uma negociação permanente, isso consome imensa energia ao primeiro-ministro, ele não tem, de facto, condições para se dedicar ao partido. Devia haver uma pessoa 100% dedicada ao partido e eu acho que podia ser essa pessoa.

Um secretário-geral depois ambiciona ser primeiro-ministro ou não?

Não, não pode. Tem de haver uma separação de funções de direção partidária executiva e governo. Quem é membro de um governo não pode exercer funções de direção executiva no partido, não pode ser secretário-geral, não pode ser presidente de federação, não pode pertencer ao secretariado nacional.

Mas pode ser uma forma de lá chegar.

Também defendemos nessa matéria que deve haver primárias quer para secretário-geral quer para candidato a primeiro-ministro. Aliás, as primárias que António Costa ganhou foram para candidato a primeiro-ministro. António Costa está super legitimado para exercer essas funções porque foi escolhido nas primárias onde participaram 180 mil portugueses. E ele teve 120 mil votos. Tem uma legitimidade super acrescida para as funções de primeiro-ministro. Macron, quando foi eleito presidente de França, saiu da liderança do seu partido, porque considerava que devia haver uma separação entre o partido e o Estado.

Até que ponto devem ir os acordos entre o PS e o PSD?

O PSD, tal como os outros partidos todos, deve estar inserido em pactos de regime. Na área da Saúde, da Educação, na área da Justiça, da estratégia de desenvolvimento do Portugal 20/30, deve haver pactos de regime com todos os partidos e naturalmente com o PSD. E também na reforma do sistema político, que é também fundamental e que obriga a um entendimento entre os dois maiores partidos (uma vez que é preciso uma maioria qualificada de dois terços para alterar a lei eleitoral). Não há nenhum acordo em matéria de reforma do sistema político que possa ser feito sem o PSD, no atual quadro parlamentar.  Isso não significa que esse entendimento não seja alargado aos outros partidos. E deve, desejavelmente, sê-lo. 

Mas Bloco e PCP não governam.

Estão todos comprometidos com a governação. O PCP e o Bloco, não fazendo formalmente parte deste Governo, estão na maioria que o apoia. Neste momento, já todos os partidos pertencem ao arco da governação. Não há nenhuma razão para que não haja um entendimento entre todos relativamente a questões estruturantes para o país.

E relativamente ao novo líder do PSD, que teve um começo algo atrapalhado. Já está no bom caminho?

Não sei. Acho que o PSD é um partido que tem muitas dificuldades em existir sem líderes muito fortes. A história do PSD é essa [risos].

E Rui Rio não é um líder forte?

Não. Até agora não o demonstrou.

É um líder a prazo, como dizia Miguel Relvas?

Não sei se é a prazo, às vezes há líderes que se revelam fracos no início e depois se fortalecem. Mas não sei será esse o caso de Rui Rio, tenho dúvidas.

Por que razão outras vozes dissonantes de Costa, dentro do PS, não se candidatam também para o defrontar nas diretas. É falta de coragem? Falo por exemplo de Francisco Assis.

Isso tem que lhe perguntar a ele.

Mas qual é a sua opinião?

Em democracia, o cargo mais importante é o de cidadão e as pessoas devem exercer na plenitude a sua cidadania. O meu gesto, ao apresentar esta candidatura, é um gesto de cumprimento de um direito que tenho como qualquer cidadão português tem, neste caso, sendo militante do PS. É um ato de vontade.

Então falta vontade, é isso?

Provavelmente, falta vontade. Também é verdade, e não posso escondê-lo, que apresentar uma candidatura contra um poder instituído é muito difícil. Não quero classificar mas é difícil, não acha? 

O PS não pode ser desertificado, desnatado só pelo facto de estarmos no Governo

Voltando a esse problema que identifica no PS, ele prende-se sobretudo com a atual direção?

Não tem só a ver com esta direção. É um fenómeno que tem vindo a acontecer no PS já desde a algum tempo.

Resulta do quê?

Cada vez que vai para o Governo, o PS não pode fechar para balanço.  Infelizmente é o que tem acontecido. O PS não pode ser desertificado, desnatado só pelo facto de estarmos no Governo. É preciso que continue a existir PS para lá do Governo.

É difícil existir renovação no seio do partido?

Não é possível. A pouca renovação que há não é baseada no mérito, é uma renovação baseada nas preferências do líder. Uma pessoa que chega a dirigente nestas circunstâncias está muito mais limitada na sua esfera de independência. Enquanto alguém que chega por via do voto das bases tem muito mais liberdade para poder exercer o seu mandato. Esse também é um problema do funcionamento do sistema político. É um funcionamento em circuito fechado.

E essa alteração que propõe faria com que a democracia renascesse?

Não tenho nenhuma dúvida disso. A democracia renasceria e os cidadãos participariam muito mais e o sistema político ganharia a confiança.

Daí o lema ‘Resgatar a Democracia’

Essa é a chave, resgatar a democracia. Por isso chamámos ao movimento Resgatar a Democracia, embora a moção deste Congresso se chame Reinventar Portugal. São os dois grandes lemas da nossa candidatura. 

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