Meteorologia

  • 19 ABRIL 2024
Tempo
15º
MIN 14º MÁX 21º
Vozes ao Minuto

Vozes ao Minuto

Vozes com opinião. Todos os dias.

"Ser artista de música é dos trabalhos mais difíceis que já tive"

Passou por duas vezes no Festival da Canção e acaba de lançar o segundo álbum em nome próprio, '!!'. Cláudia Pascoal é a entrevistada desta sexta-feira do Vozes ao Minuto.

"Ser artista de música é dos trabalhos mais difíceis que já tive"
Notícias ao Minuto

19/05/23 por Inês Frade Freire

Cultura Cláudia Pascoal

Após participar pela segunda vez no Festival da Canção, onde alcançou, este ano, o terceiro lugar na Grande Final com 'Nasci Maria', Cláudia Pascoal lança, esta sexta-feira, o seu segundo álbum, '!!', que assinala como uma "continuação da procura da identidade", numa versão mais íntima do que no primeiro, '!'.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a artista, que admite não escrever canções de amor, faz "um  desabafo" em duas "raridades" para um disco composto 100% por si, que diz espelhá-la "ao máximo" .

No segundo álbum em nome próprio, onde se mostra "completamente vulnerável", Cláudia Pascoal apresenta uma "montra" da sua história que a leva a "memórias boas e fortes".

Embora conhecida pelas participações no Festival da Canção, assume ainda que "toda a passagem foi incrível", mas que a missão "está concluidíssima".

Se eu apresentei o meu primeiro álbum como o meu bilhete de identidade, este confirma isso

Em que se inspirou para avançar em direção a este segundo álbum?

Este álbum, na verdade, é uma continuação do primeiro álbum, daí o nome ‘!!’ [o primeiro chama-se ‘!’] porque eu considero que é uma continuação da procura da minha identidade e do meu crescimento na estrutura da música.

Tem uma composição e uma identidade tão minha que se torna a continuação do meu bilhete de identidade. 

Se eu apresentei o meu primeiro álbum como o meu bilhete de identidade, este confirma isso. Acho mesmo que é uma continuação deste trabalho de me apresentar como artista.

Claramente há aqui uma distinção comparativamente ao primeiro porque este é composto 100% por mim (tirando o tributo que faço ao projeto dos Miúda), mas acho que é a analogia perfeita desta busca do crescimento que eu estou à procura.

Prova disso é que, quando comecei a trabalhar com o David Fonseca [produtor do álbum], a primeira canção que lhe entreguei em maquete era uma gravação de telemóvel tocada com um ukulele [instrumento musical de cordas] e a última [canção] já vinha quase pré-produzida em Stems [tipo de arquivo de áudio que divide uma faixa completa em sons].

Acho que é esta procura que eu vou continuar a ter num terceiro álbum. Só não prometo que o terceiro álbum se chame ‘!!!’, se calhar já é demais.

Tendo em conta que é o primeiro álbum completo da sua autoria, que importância lhe atribui?

Para mim tem uma enorme importância. Acho que quando se partilha algo tão pessoal, é sempre importante e quase intimidante.

Estou a partilhar as coisas mais íntimas, eu estou a contar as minhas histórias e a minha tradição. E, até, a partilhar fragilidades da minha ignorância e da minha própria procura de querer ser melhor.

Eu aqui estou completamente vulnerável e a mostrar a 100% o que estou a tentar fazer com a música e, ao mesmo tempo, a crescer com isso.  

Canto uma canção com a minha mãe e acho que não há nada mais pessoal do que isso porque é mostrar uma parte muito íntima nossa

Disse anteriormente, em entrevista, que o disco espelha a fase da vida que está a viver no momento e que mais a reflete. Podemos então dizer que, ao ouvir o álbum, conhecemos a Cláudia Pascoal?

Sem dúvida nenhuma, é algo muito pessoal meu. Por exemplo, canto uma canção com a minha mãe e acho que não há nada mais pessoal do que isso porque é mostrar uma parte muito íntima nossa.

Além disso, não foi de uma forma consciente, mas estão muito intrínsecas em mim as melodias de lavar a roupa no tanque, por exemplo, e depois acabei por levá-las para as canções. Os instrumentos mais tradicionais estão lá também.

Claro que quis sempre encontrar novas soluções e uma nova roupagem e esse foi o trabalho que fiz lado a lado com o David [Fonseca] essencialmente, mas eu acho que todas as melodias e todas as letras são altamente pessoais. São, de facto, uma montra da minha identidade e da minha história.

O amor é algo que cabe em mim de uma forma muito mais frágil e muito mais recatada

Pelas suas palavras, as canções 'Lugar 1' e 'Lugar 2', que mostram o lado luminoso e o lado escuro do mesmo amor, são uma "raridade" na sua "curta estadia" pela música. Porque é que as assinala dessa forma?

Porque não escrevo canções de amor. Tão simples como isso. Costumo dizer que há demasiadas canções de amor. Aliás, acho que já não há quase espaço para mim para escrever sobre ele.

Primeiro é um tema de que nunca me aproximo tanto porque nunca fui uma pessoa que fica avassalada por amor, aquela coisa, aquela paixão. Por isso, não me identifico tanto.

Há temas que mexem muito mais comigo, como por exemplo a aproximação familiar ou as injustiças sociais. Isso mexe comigo.

O amor é algo que cabe em mim de uma forma muito mais frágil e muito mais recatada, que não é, de todo, sinónimo da minha personalidade. Portanto é quase uma Cláudia diferente que estou a apresentar quando canto a 'Lugar 1' e 'Lugar 2'.

É uma Cláudia que está no seu canto sozinha, sem falar com muitas pessoas há muito tempo, portanto não é, de todo, dentro da minha rotina. É por isso que digo que é uma raridade e não vai voltar a acontecer, penso eu.

Considero que foi um desabafo. Escrevi como forma de desabafar porque é terapêutico para mim. Abri o jogo, assumi que comecei uma relação e escrevi a ‘Lugar 1’ e acabei a relação e escrevi a ‘Lugar 2’. Foi uma maneira de me expressar e de pôr numa caixinha todas as mágoas que tinha sobre esse assunto.

Apesar de não ser de falar sobre isso, pensei: ‘se este álbum é assim tão pessoal, a espelhar-me ao máximo, porque não também mostrar esse meu lado?’. Achei também importante.

Agora, lá está, esse lado acontece muito raramente.

O que mais gosto de compor e cantar tem a ver com memórias boas e memórias fortes

E quais são, então, os lados que mais gosta de mostrar quando compõe e quando interpreta? 

O que mais gosto de compor e cantar tem a ver com memórias boas e memórias fortes. 

A canção ‘É para a frente’, apesar de ser uma música muito divertida, quando a interpreto é rara a vez em que não tenho de fazer esforço para não chorar. Leva-me para memórias incrivelmente próximas da minha avó e quase até para cheiros, como o da terra dela.

Tudo isso, para mim, é que me fascina e é o que tenho vontade de mostrar - escrever com nostalgia. Gosto mesmo muito dessa premissa.

Todas as canções fazem todo o sentido e vieram em momentos muito específicos da minha vida

De todas as músicas que escreveu para este álbum, qual considera ser a mais especial e que tem maior importância?

Não tenho nenhuma favorita. Como não escrevi este álbum num curto espaço de tempo - foram quase dois anos - houve fases muito diferentes na minha vida. Adorei todas elas e todas fizeram sentido.

No entanto, obviamente que sinto que a 'Eh para a frente, Eh para trás' - uma música de força, de luta - tem, neste momento, um lugar mais especial. E a 'Oh Mãe' - a música que canto com a minha mãe - também tem um espacinho muito próximo.

Mas realmente acho que todas as canções fazem todo o sentido e vieram em momentos muito específicos da minha vida.

Acho que me estou a aproximar cada vez mais de mim própria

Pelas características que diferem este álbum do anterior, considera que se aproxima mais do rumo que quer seguir no mundo da música?

Sem dúvida nenhuma. Acho que me estou a aproximar cada vez mais de mim própria.

O David [Fonseca] teve uma enorme insistência em eu fazer tudo sozinha (ou aprender a fazer tudo sozinha) e isso também dá uma liberdade criativa gigante.

Acho que o facto de eu começar a produzir as minhas próprias músicas e tentar encontrar o meu próprio som tem uma expressão muito maior e um interesse muito maior.

Só agora é que estou mesmo a acreditar que é possível fazer disto profissão

Remontando ao passado, que diz trazer-lhe as melhores e mais fortes memórias que gosta de recordar quando escreve, sente que cantar e compor já era uma vontade que tinha desde sempre ou alguém lhe disse que deveria apostar?

Não era uma vontade porque, para mim, foi sempre uma realidade inexistente ser artista de música. Se calhar era um bocado influenciada pelo meio de onde venho porque é um ambiente muito tradicional, mesmo dentro da minha própria família. 

Sempre houve muito o intuito de ‘tens de trabalhar, tens de tirar o curso, tens de tirar o mestrado para seres bem sucedido’, e ser artista de música é o sinónimo de não ter essa segurança.

Nunca pus essa hipótese em cima da mesa. Estudei artes sim, porque sempre adorei essa vertente artística mas com o objetivo de ter uma profissão muito mais estável como professora.

Depois comecei a perceber que seria possível ser cantora, embora difícil, sim, porque não se pode parar e é preciso estar sempre sempre a trabalhar, todos os dias. De facto, só agora é que estou mesmo a acreditar que é possível fazer disto profissão.

Ser artista de música é dos trabalhos mais difíceis que já tive

Sente que a música se interliga com a sua vida em todos os momentos? Ou apenas a vê como um trabalho?

Acho que a música, como estou a lidar com ela agora, tem momentos. Confesso que cada vez menos ouço música como lazer. 

Lembro-me que fazia parte da minha rotina. Muitas vezes pensava: 'agora não vou fazer nada, vou pôr os fones e ouvir um álbum na íntegra'. Agora, cada vez menos tenho esse tempo para parar e estar 40 minutos só com uns fones na cabeça. Infelizmente não tem sido uma realidade neste momento da minha vida.

Adoro ouvir música, acho mesmo que é incrivelmente importante, acho que é terapêutico e acho que resolve muitos muitos problemas - fazer a música e ouvir a música. Mas acho que quando a música começar a ser uma obrigação, vou fazer outra coisa qualquer. 

Ser artista de música é dos trabalhos mais difíceis que já tive e já tive vários trabalhos diferentes, em várias áreas. Mas quando isto deixar de ser um prazer, mudo de área.

Quando escrevo canções nunca é com o objetivo de 'ai, é capaz de passar na rádio'. Faço, na verdade, aquilo que me apetece. Sei que é um luxo gigante mas posso dizer que faço, de facto, o que me apetece. E adoro. 

Sou super apaixonada por criar conceitos à volta da canção, criar imagens visuais à volta da canção. Não há nenhuma canção que não a faça sem pensar no vídeo e em como apresentá-la. Portanto, eu adoro essa expressão artística e quando isso deixar de ser divertido, acho que faço outra coisa.

Está concluidíssima a minha missão no festival

A ideia da produção do álbum ser feita pelo David Fonseca aconteceu no dia em que venceu o Festival da Canção, em 2018, com 'O Jardim'. Como assinala todo o percurso no festival, que continuou este ano?

Assinalo-o como concluído. 

Realmente a minha participação em 2018 foi muito importante, no sentido em que me deu oportunidade de conhecer as pessoas com quem trabalho hoje e isso é, de facto, fantástico. Mas, por outro lado, deixou-me sempre alguma reticência porque sentia que nunca me tinha apresentado como artista, como Cláudia Pascoal.

Daí a minha insistência de ter voltado ao Festival da Canção para mostrar quem sou verdadeiramente. Esse objetivo foi, para mim, absolutamente cumprido. Acho que assinalei bem quem sou, que músicas estou a fazer e como é que me apresento.

Toda a passagem pelo festival foi incrível no sentido em que a primeira passagem abriu-me portas e na segunda apresentei-me como artista.

Em 2018 não tinha o projeto que tenho hoje, nem a confiança que tenho hoje. Fui cumprir um convite feito pela Isaura. Este ano mostrei uma Cláudia super mais segura, que sabe exatamente como se mostrar, que teve mão e opinião em tudo o que estava a fazer. Tudo foi construído com as minha ideias e foi um miniconcerto da minha parte. 

Acho que está concluidíssima a minha missão no festival.

Percebemos imediatamente que funcionávamos bem e tínhamos a mesma frequência de trabalho

E essa ligação profissional com o David Fonseca, como é que surgiu?

Conheci o David na final de 2018 e, a partir daí, tivemos uma ligação mesmo porreira. Depois ele chegou a convidar-me para algumas coisas, inclusive um concerto no Coliseu, no qual cantei com ele.

Nessa altura percebemos imediatamente que funcionávamos bem e tínhamos a mesma frequência de trabalho. Talvez advinda de um envolvimento muito próximo com o vídeo e com a música. Acho que também pode ser por aí.

Depois, quando o convidei para ser meu produtor, acho que também foi muito oportuno, porque foi no pico da Covid-19. Acho que ele deve ter pensado: 'bem, não tenho nada para fazer, bora lá'. No entanto, acho que rapidamente se arrependeu pelo trabalho que tem [risos].

O David nunca tinha produzido ninguém e, de facto, foi uma experiência exclusiva para nós os dois. Foi uma descoberta para ambos.

Foi um equilíbrio muito grande entre a identidade dele e a minha. Considero que nós temos personalidades muito vincadas e, então, encontrar um equilíbrio na nossa expressão artística foi muito interessante e divertido.

Foi um equilíbrio também muito giro de trabalhar

A canção com que se apresentou este ano no concurso - ‘Nasci Maria’ -, faz parte deste novo álbum. Acha que, embora tenha sido uma música para o festival, representou um pedaço desta que tem sido a sua "nova fase" em que também compõe e produz?

Sim. A canção em si foi muito divertida de fazer porque, primeiro, escrevi essa canção com o objetivo já de a apresentar no festival. Foi feita para o festival, entrando no conceito do álbum. Foi um equilíbrio também muito giro de trabalhar.

Aliás, enquanto escrevia a letra, já estava também a pensar no conceito em palco. Foi muito giro fazer esse exercício. Porque quantas vezes e quantas oportunidades temos para o fazer, não é? É muito raro.

Foi esse desafio que adorei. Mas acho que a canção pertence ao álbum, como todas as outras e estou muito contente com o resultado final.

Acho que tenho uma vertente muito teatral ao longo do concerto

Quanto à apresentação do álbum no Teatro Maria Matos, em Lisboa, a 24 de maio, que descreve como "inovadora" e destaca como "um novo conceito" em Portugal, o que pode desvendar do caráter "único" que vai mostrar em palco? 

O que vou fazer são brincadeiras com as canções porque o palco está com uma instalação de uma casa mesmo, para mostrar um ambiente tradicional. 

Porque, como disse, as músicas remetem-me muito para onde vim e para a minha família, portanto quis recriar essa memória em palco - recriar o ambiente da casa onde tinha crescido. 

Aliás, todos os objetos que vão estar dentro do palco cumprem uma função com uma música. Acho que tenho uma vertente muito teatral ao longo do concerto. 

Estou desejosa para ver a reação do público com este novo conceito. Acho, honestamente, que nunca vi nada do género por Portugal.

Leia Também: Cláudia Pascoal edita novo álbum com participação de David Fonseca

Campo obrigatório