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"Entristece-me muito a mentalidade de que a cultura é um hobbie"

Sofia Escobar esteve à conversa com o Notícias Ao Minuto sobre esta retoma da normalidade.

"Entristece-me muito a mentalidade de que a cultura é um hobbie"
Notícias ao Minuto

02/06/20 por Rita Alves Correia

Fama Sofia Escobar

A pandemia da Covid-19 'parou' o mundo e Sofia Escobar foi uma das artistas que sentiu na pele a suspensão de várias áreas da sua vida. Ficou afastada do marido, Gonzalo, que vive em Espanha, e  ficou sozinha com a tarefa de cuidar do filho de ambos, Gabriel, de seis anos.

Ao mesmo tempo, enfrentava outro grande desafio: Ser artista e estar afastada dos palcos, com a criatividade a fervilhar entre paredes.

Retomou recentemente as gravações do 'Got Talent', programa da RTP do qual é jurada, e foi sobre este regresso à normalidade que esteve à conversa com o Notícias Ao Minuto

Como têm sido estas semanas?

Um desafio em vários sentidos. Com o problema que é, termos de estar em casa e estar com o meu filho, uma criança de seis anos, 24 horas por dia, tem sido complicado. Temos feito o melhor possível com todo o tempo que tivemos. Tenho brincado muito com o meu filho, tenho tido tempo para planear projetos futuros. 

Com seis anos já coloca algumas questões. Como geriu ele toda esta situação?

Ele colocou muitas questões, logicamente, mas à medida que lhe fui explicando o que se estava a passar, que havia um vírus e que tínhamos de estar solidários uns com os outros, ele aceitou com muita facilidade. Temos estado bastante bem. Ele tem sido quase um pilar para mim, obrigou-me a criar rotinas, estimulou-me muito. Mas claro, ele sente muita falta de brincar com outras crianças.

Mas temos muita sorte em estarmos todos bem, mesmo a família do meu marido em Espanha. Estamos todos saudáveis e neste momento é o que se pede.

Enquanto raça humana nós adaptamo-nos com uma capacidade incrível, acho isso admirável e uma grande lição positiva que temos de tirar de tudo istoO seu marido vive em Espanha e é lá que está desde o início da pandemia. Como está a ser para ele viver quase três meses longe de vocês?

Tem sido difícil, nunca estivemos tanto tempo separados. Temos sempre vidas em que viajamos muito, tanto eu como ele, mas são sempre dias, nunca meses. Nós enquanto adultos gerimos isso de outra forma, mas para ele tem sido mais complicado do que para mim porque está longe também do filho. Mais de dois meses sem ver o filho nunca nos aconteceu nem esperávamos que algo assim pudesse acontecer. Mas temos lidado com isso com otimismo, um dia de cada vez. Fazemos videochamadas a todas as refeições, dá para colmatar um bocadinho. Esperemos que em breve ele possa vir e possamos estar aqui juntos. 

Tem recebido testemunhos de pessoas na mesma situação que lhe pedem ideias de como matar as saudades à distância?

Sim, mais ao início de tudo isto, recebi esse género de perguntas através das redes sociais, mas acho que ao fim de algum tempo as pessoas foram encontrando as suas formas de lidar. Sem dúvida que o facto de termos acesso a tanta coisa dentro das nossas casas é uma mais-valia numa situação destas. Enquanto raça humana nós adaptamo-nos com uma capacidade incrível, acho isso admirável e uma grande lição positiva que temos de tirar de tudo isto. As pessoas não param, no dia seguinte já estão à procura de soluções, já surge imensa coisa. Vi coisas tão bonitas que decidi agarrar-me a isso e não ao medo ou à frustração, que também é normal ter. Quando me ataca uma onda mais pessimista, tento pensar em todas essas coisas maravilhosas. 

Entristece-me muito a mentalidade de que a cultura é um hobbie ou de que não é um trabalho. É muito estranho isto ainda acontecer aqui. Noutros países os apoios à cultura foram quase automáticos e com valores substanciaisJá está em vista o reencontro da Sofia com o seu marido?

Ainda não. Eu e o Gonzalo, o meu marido, descobrimos que existe uma exceção que permite viajar no caso de reunião com familiares diretos, que é o nosso caso. Mas ele também está dependente de coisas de trabalho lá [em Madrid] e eu estou cá por causa do programa [‘Got Talent’, da RTP]. Mas acho que em breve já devemos ter uma data para o reencontro. Mal posso esperar. 

Há pouco falava em desafios, a parentalidade é um deles, mas outro é a nível profissional. Os artistas têm sido uma classe que se tem pronunciado muito, nomeadamente no que diz respeito à falta de ajudas por parte do Governo. Enquanto artista, como se tem sentido nesta fase?

É muito complicado. Tenho uma visão de mercados de trabalho que não são só cá, posso comparar pelo menos com o de Espanha e o de Inglaterra. Realmente entristece-me muito a mentalidade de que a cultura é um hobbie ou de que não é um trabalho. É muito estranho isto ainda acontecer aqui. Noutros países os apoios à cultura foram quase automáticos e com valores substanciais, coisa que aqui ficou muito aquém do que deveria ser, na minha opinião. É normal que os artistas estejam frustrados, tristes, com outros problemas económicos. Nunca temos garantias de nada.

Por exemplo, os concertos: O concerto é cancelado ou adiado, ficamos sem nada. E por muito que nos digam que é daqui a X meses, isso é maravilhoso, mas há pessoas que não podem aguentar esse tempo sem receber. Das pessoas que pediram apoio, foi uma percentagem mínima que recebeu alguma coisa. Isso entristece-me especialmente porque, durante este tempo, o que manteve as pessoas minimamente saudáveis emocionalmente foi o acesso à cultura - à ficção, à música, aos concertos online -, as coisas que os artistas, de coração aberto, oferecem. Mas depois há o risco de banalizarem o nosso trabalho. 

O sentimento é de uma frustração muito grande. Não podemos estar só a trabalhar em casa, é impossívelConsidera que o público em geral tem por garantido que os artistas vão ter sempre uma oferta mesmo que não tenham retorno?

Sim, acho que ainda há muito essa mentalidade. Isso deveria mudar, mas também temos de ser nós, a classe artística, a unir-se nesse sentido e a começar a exigir apoios. Um consciencializar de que esta é a nossa vida e temos responsabilidades, famílias, contas para pagar. Para os artistas não houve regime lay-off, nós ficamos a zero.

Tem conversado com outros artistas sobre esta questão?

O sentimento é de uma frustração muito grande. Tenho muitos colegas na música clássica, no teatro, tudo coisas que não podem ser feitas online. Não podemos estar só a trabalhar em casa, é impossível. Eu também fiz alguns vídeos, mas é óbvio que nunca pode substituir um espetáculo ao vivo, muito menos a nível económico - não é minimamente aceitável aquilo que se recebe, que no nosso caso é nada.

Aproveitou esta fase para criar um canal de YouTube, é um projeto que pretende explorar pós pandemia?

Sem dúvida, era algo que já queria há muito fazer e foi uma das coisas que pensei ‘é agora’. De repente tinha todo o tempo do mundo e pareceu-me a altura ideal. Mas sim, é para continuar, mas preferencialmente começar a publicar vídeos de coisas feitas ao vivo, nos palcos. 

'Got Talent'? Acho que para os concorrentes ainda é pior porque entram em palco e vêem quatro pessoas. Não têm as palmas nem o ambiente que é criado pelo público  É um canal sobretudo ligado à música ou pretende mais tarde expandi-lo para outras áreas da sua vida ou outras facetas artísticas?

Para já, será só ligado à música, mas não ponho de parte, se surgir alguma ideia, de adicionar algo que possa fazer sentido.

Começou também há pouco tempo as gravações do ‘Got Talent’, da RTP

Nós fizemos já algumas galas depois do Estado de Emergência. Tem corrido muito bem, tirando que se sente muito a falta do público. Acho que para os concorrentes ainda é pior porque entram em palco e vêem quatro pessoas. Não têm as palmas nem o ambiente que é criado pelo público.  

Tudo o que tinha de concertos e espetáculos passou para o fim do ano e espero que se realizem, mas são muitos meses sem dar rédeas à nossa veia artística. Nesse sentido, fazer o programa é quase um salva vidasDe alguma forma isso pode influenciar as prestações dos concorrentes?

Sim, sem dúvida. Há nervos acrescidos, embora nós os quatro [Sofia Escobar, Cuca Roseta, Manuel Moura dos Santos e Pedro Tochas] estejamos lá a mandar toda a energia positiva aos nossos concorrentes, especialmente nesta fase das semifinais em que eles são todos mesmo muito bons. Ficamos cheios de pena quando percebemos que alguma coisa não correu tão bem porque eles sentem-se intimidados por estarem num palco grande, com uma equipa toda de máscara, sem público, é muito difícil. Eu imagino-me na situação deles e aquilo ia custar-me muito.

Agora que as televisões começam a retomar os seus projetos, como é que se vivem os bastidores?

O que sinto é que está toda a gente super feliz por poder voltar a trabalhar. Há uma sensação de que temos de tomar estas medidas e cuidados, mas pelo menos estar a fazer o que gostamos. É uma sensação muito bonita de união à distância. Principalmente as pessoas no mundo artístico, têm muito aquela necessidade de tocar e abraçar, custa-nos imenso não poder fazê-lo, mas ao mesmo tempo há uma união e um carinho que vai além do toque. Mas acima de tudo o que sinto é que se vive um ambiente de alívio, enquanto sabemos que há muita gente que não pode fazê-lo, sentimo-nos uns privilegiados nesse aspeto

Falo por mim, tudo o que tinha de concertos e espetáculos passou para o fim do ano e espero que se realizem, mas são muitos meses sem dar rédeas à nossa veia artística. Nesse sentido, fazer o programa é quase um salva vidas. Às vezes as pessoas não entendem que há pessoas que trabalham para financiar as suas vidas, mas o artista precisa de trabalho para se sentir bem. Nós precisamos mesmo de estar em palco e criar, é por isso que vemos tanta coisa ser feita grátis.

Acho que agora vamos renascer. O ano ainda tem muito pela frente. Estou otimista porque acho que as pessoas têm muita vontade de voltar a viver. As pessoas precisam de arte Adapta-se bem a este tipo de situações desafiantes?

Tento sempre olhar para o copo meio cheio. Para mim foi um desafio, mas foi um exercício diário. Faço muita meditação e isso ajudou-me em momentos mais complicados. Agora que está melhor tempo ajuda, mas nos dias em que estava chuva não dava vontade de fazer nada, encontrar motivação para sair do pijama era complicado. Mas sou muito zen e acho que tenho lidado com isto da melhor forma, apesar de haver dias e dias.

Que perspetivas tem ainda para este ano? 

Sinto-me bastante otimista, acho que agora vamos renascer. O ano ainda tem muito pela frente, com certeza que ainda vão acontecer coisas muito boas. Tenho alguns planos na manga que ainda não posso revelar e espero que em breve possa dar notícias. Estou otimista porque acho que as pessoas têm muita vontade de voltar a viver. As pessoas precisam de arte. 

A retoma da normalidade vai fazer com que as pessoas tenham ainda mais vontade de assistir a espetáculos?

Espero que isso aconteça e acredito que sim. Acho que mais do que nunca as pessoas têm noção da importância da cultura e da arte. Não consigo imaginar uma quarentena sem ter acesso a nada disso. Acho que as pessoas tinham tido colapsos nervosos a torto e a direito.

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