O social-democrata José Pacheco Pereira lançou duras críticas à atuação do Governo de Luís Montenegro, que considerou exibir uma "enorme jactância" no que diz respeito ao processo da lei de estrangeiros, que seguiu para apreciação no Tribunal Constitucional (TC), pelas mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O historiador apontou ainda que os membros do Executivo "são todos de confissão e de missa e, no fundo, esquecem-se de um elemento fundamental, que é a caridade".
"Acho que este Governo está a entrar num caminho que tem um precedente. Esse precedente é o governo Passos-Portas-Troika. Esse precedente é de um governo que variadíssimas vezes tomou medidas inconstitucionais e perdeu no TC, em muitos aspetos da sua atuação. O que está a acontecer é um desprezo pelas normas constitucionais, que não é, desde início, um bom sinal", começou por dizer, na CNN Portugal.
Na ótica do antigo parlamentar, "o Governo sabia certamente que isto levantaria problemas de inconstitucionalidade", razão pela qual "há uma discussão perigosa que também se está a ter e que não [vê] ser discutida por ninguém, a não ser pelo Chega, que é a alteração da composição do TC".
"É um pouco fazer com o TC o que [Donald] Trump fez com o Supremo Tribunal norte-americano. Isso seria mais uma medida absolutamente inaceitável, que poria em risco muitos aspetos da nossa democracia", considerou.
Pacheco Pereira alertou ainda que o facto de o Executivo não ter consultado "ninguém" para elaborar a lei dos estrangeiros evidencia "uma espécie de enorme jactância, ‘quero, posso e mando’", por forma a "apresentar uma lei cuja urgência não existe, a não ser pela pressão do Chega".
"E esse ‘quero, posso e mando’, numa matéria deste tipo, é evidentemente ofensivo. Os procedimentos são o elemento fundamental da própria democracia. […] Admito que alterações à lei dos estrangeiros pudessem vir a ser tomadas, mas não há nenhuma razão para presumir que aquilo altera substancialmente os problemas da imigração que temos em Portugal", disse.
O social-democrata foi mais longe, tendo apontado que "são todos de confissão e de missa e, no fundo, esquecem-se de um elemento fundamental, que é a caridade, essa empatia humana com aqueles que são mais frágeis".
"A ideia de dificultar o reagrupamento familiar é, do meu ponto de vista, uma inteira contradição com a ideia de querer integrar os imigrantes. Integram-se os imigrantes permitindo que eles tenham família cá, que os filhos vão à escola e que aprendam português", explanou.
Além disso, o historiador indicou que a lei "discrimina pelo dinheiro", uma vez que aos milionários chineses "ninguém lhes vai pedir que aprendam português".
"Se for um milionário chinês rico, não preciso de aprender português, não preciso de passar por nenhuma da via sacra que passam os outros imigrantes que não são nem chineses, nem ricos. Compro um visto gold e arranjo rapidamente maneira de obter a nacionalidade. Ora, este processo discrimina pelo dinheiro. A essas pessoas, ninguém lhes vai pedir que aprendam português. Em muitos casos, nunca cá põem os pés. Ninguém lhes vai pedir aquilo que se está a pedir aos outros, e é por isso que isso também é uma afronta para as pessoas: se tiveres dinheiro, não tens problema nenhum, compras um visto gold, não precisas de jurar fidelidade à pátria, não precisas de aprender português, não precisas de coisa nenhuma. Precisas é de ter dinheiro", rematou.
Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa remeteu a lei de estrangeiros para o TC, na passada quinta-feira, tendo pedido "a fiscalização preventiva urgente da constitucionalidade das normas" sobre o direito ao reagrupamento familiar e das condições para o seu exercício.
Já no sábado, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, salientou que se a validação da constitucionalidade "não acontecer, o mundo não vai acabar, Portugal não vai acabar, e o [seu] ímpeto de regular a imigração também não vai acabar".
Leia Também: Lei de estrangeiros no TC: "Mais vale prevenir do que remediar"