Os quatro portugueses que seguiam na flotilha humanitária até Gaza e que foram detidos pelas forças israelitas vão encontrar-se na manhã desta sexta-feira com a embaixadora de Portugal em Israel, juntamente com o cônsul.
A possibilidade já tinha sido anunciada tanto pelo Governo como pelo Bloco de Esquerda, mas foi o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quem confirmou a situação na noite de quinta-feira.
Todos os detidos - mais de 400 e entre os quais estão Mariana Mortágua, Sofia Aparício, Miguel Duarte e Diogo Chaves - foram já transferidos para uma prisão no deserto de Negev, no sul de Israel. Segundo a equipa jurídica da flotilha explicou à agência Efe, é desta prisão que as centenas de ativistas deverão ser deportados para os países de origem.
Já o primeiro-ministro, Luís Montenegro, disse na quinta-feira esperar que os cidadãos portugueses possam regressar ao país "sem nenhum incidente", considerando que a mensagem da flotilha humanitária foi transmitida.
O que se segue?
Note-se que após a detenção, na quarta-feira, a previsão era de que o primeiro contacto direto só acontecesse no domingo, devido ao feriado do Yom Kipur. Ontem, Marcelo explicou que agora se vai aproveitar o "intervalo entre o feriado e o período religioso" no país, que vai permitir, para além de um primeiro contacto com os detidos, também esclarecer "exatamente o que se está a passar em termos de identificação administrativa".
"Ou assinam um documento, dizendo que saem com a sua concordância do território de Israel, e, aí, Israel cobre as despesas dessa saída o mais rápido possível", começou por dizer, contrapondo: "Ou preferem a outra via que é ficar em território israelita e nessa medida iniciar o processo que conduz à intervenção do juiz, que depois decidirá em que termos ocorre essa saída - e aí já o Estado de Israel não cobriria essas saídas".
Também o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, falou sobre a operação, elogiando as forças navais israelitas por intercetarem a flotilha, assim "repelindo uma campanha de deslegitimação" de Israel.
"A sua importante ação impediu que dezenas de navios entrassem na zona de guerra e repeliu uma campanha de deslegitimação contra Israel", adiantou.
A operação e a justificação de Netanyahu (após mais de 400 detidos)
Mais de 400 pessoas foram detidas após a interceção de dezenas de barcos desta flotilha. "Durante uma operação, que durou cerca de 12 horas, a marinha israelita conseguiu impedir uma tentativa de incursão em grande escala, realizada por centenas de pessoas a bordo de 41 navios que tinham declarado a sua intenção de violar o bloqueio marítimo legal sobre a Faixa de Gaza", explicou um responsável das forças israelitas.
Para além dos quatro portugueses, também foram detidos 30 espanhóis, 22 italianos, 21 turcos, 12 malaios, 11 tunisinos, 11 brasileiros e 10 franceses, bem como cidadãos dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, México e Colômbia, entre muitos outros.
A 'surpresa', os elogios à flotilha e as críticas da Esquerda
Recorde-se que Portugal foi surpreendido com a existência de um 4.º português que seguia a bordo da flotilha, que não terá informado o Governo de que iria na missão. Segundo explicou o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, este homem, Diogo Chaves, não entrou em Barcelona, de onde partiu a flotilha.
"Não sou um ativista experiente. Sou um marinheiro, um estudante, alguém que simplesmente não podia continuar calado perante tanto sofrimento que poderia ter sido evitado", afirmou Diogo Chaves, num vídeo publicado.
Na quinta-feira, o líder dos Huthis, Abdelmalek al-Huthi, celebrou a "persistente" flotilha de Gaza, afirmando que "estes ativistas conseguiram expor o inimigo israelita e chamar a atenção do mundo para o sofrimento do povo palestiniano".
Recorde-se que Abdelmalek al-Huti está sujeito a sanções das Nações Unidas, e o movimento fundamentalista dos Huthis (Ansar Allah, "Apoiantes de Alá") foi designado como terrorista pelos Estados Unidos, entre outros países. Em apoio ao Hamas, os Hutis têm vindo a lançar ataques contra navios internacionais no Mar Vermelho, visando também diretamente o território israelita.
Já depois de uma 'troca' acusações entre o Bloco de Esquerda e o Governo, nomeadamente, em relação a um pedido de audiência, vários partidos continuaram a tecer críticas à forma como a situação estava gerida - enquanto houve também defendesse que Israel tenha garantido "segurança" aos portugueses.
O dirigente do Bloco de Esquerda Jorge Costa disse à Lusa que "[outros países] chamaram embaixadores de Israel dos seus países a consultas, exigindo a libertação dos nacionais desses países que foram presos ilegalmente e o governo português nada".
Num protesto que juntou mais de mil pessoas em Lisboa, o bloquista considerou que o Executivo teve uma "atitude displicente", ou seja, um comportamento marcado pela falta de cuidado, atenção ou interesse pelos detidos portugueses na flotilha.
Já a candidata presidencial e antiga coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, também esteve presente no protesto e disse que "Israel pode ter travado a flotilha, mas não travou o mar de gente que está aqui hoje".
A deputada do Partido Comunista Português (PCP) Paula Santos disse à Lusa que o governo português deve "condenar o genocídio em Gaza" e que "não pode ser cúmplice" da guerra na Palestina.
Por sua vez, o eurodeputado Sebastião Bugalho considerou que "não passou pela cabeça de ninguém" que Israel não garantisse "a segurança e o bom trato" de cidadãos portugueses que estivessem a bordo de barcos da flotilha.
"Não vou fazer nenhum juízo de valor sobre a iniciativa de Mariana Mortágua, mas posso dizer-lhe que tenho a certeza que, do primeiro ao último momento, do Presidente da República ao ministro dos Negócios Estrangeiros e a todo o Governo de Portugal, que não passou pela cabeça que o Estado de Israel não assegurasse a segurança e o bom trato de qualquer português que estivesse a bordo de qualquer embarcação que interagisse com as autoridades israelitas. Tenho a certeza que foi isso que aconteceu", disse o eurodeputado à agência Lusa.
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