Hélder Dias, um dos elementos do casal homossexual português que é acusado de ter traficado bebés do Brasil para Portugal, falou pela primeira vez. Admitiu saber que estavam a "ultrapassar a lei", mas garantiu que nunca pensou na hipótese de estarem a cometer "crime de tráfico de seres humanos".
"Pensámos que era a única oportunidade de ter um filho", afirmou o homem de 46 anos, numa entrevista ao Jornal de Notícias.
O empresário, que tinha ficado em casa, em Sobrado, Valongo, a cuidar da primeira bebé quando o marido, Márcio Mendes, foi detido, em dezembro de 2023, em São Paulo, no Brasil, quando foi buscar a segunda criança, está em liberdade depois de o processo ter sido suspenso provisoriamente.
A procuradora do Tribunal de Valongo, Susana Saavedra, admitiu que o comportamento de Hélder Dias "é censurável", mas justificável pelo "calvário" que é um processo adotivo, principalmente para casais do mesmo sexo. Por isso, suspendeu o processo depois de o arguido se ter mostrado "extremamente arrependido, sofrido, choroso e deprimido".
Márcio Mendes não teve a mesma 'sorte'. Depois de ter sido detido no hospital onde ia buscar a segunda criança, a 4 de dezembro de 2023, o homem ficou em prisão preventiva até 24 de julho do ano passado. "Na prisão teve de ficar isolado dos restantes reclusos por questões de segurança porque, logo nos primeiros dias, foi ameaçado de morte", contou o português.
Em 2024, Márcio Mendes acabou por ser condenado a cinco anos e dois meses de prisão, por tráfico de seres humanos. No entanto, neste momento "está em liberdade", a beneficiar de um regime semiaberto, mas não pode deixar o Brasil. Vive sozinho, num apartamento arrendado em São Paulo, e "pode voltar para a prisão a qualquer momento".
Como chegaram até às crianças?
Desesperados para adotar uma criança, após saberem que o processo em Portugal seria difícil, Márcio Mendes e Hélder Dias conheceram, em 2021, o projeto brasileiro 'Barriga Solidária', no Facebook, através do qual várias mulheres brasileiras aceitavam ser sujeitas a um processo de fertilização in vitro.
Já no Brasil com uma dessas mulheres, o casal fez três tentativas de fertilização, com o custo de 3.500 euros cada, mas sem resultados. Dois anos depois do início deste processo moroso, um advogado ligado ao projeto sugeriu-lhes a "adoção à brasileira", na qual as grávidas, ilegalmente, cedem os bebés, aceitando registá-los com o nome de um homem que não é o pai biológico. Foi aí que conheceram Ana Silva, de 21 anos, a mãe da primeira bebé que trariam para Portugal.
Quando a bebé nasceu, em outubro de 2023, registaram-na como filha de Márcio Mendes e, 19 dias depois, trouxeram-na para Portugal.
Na semana seguinte, perante uma nova oportunidade de adoção, Márcio Mendes deixou a menina com Hélder Dias, em Valongo, e regressou ao Brasil para adotar Eduardo, um bebé que foi abandonado pela mãe no hospital logo após o parto.
"O médico que fez os partos estranhou o facto de o Márcio ser o pai de dois bebés, de duas mães diferentes, e fez a denúncia", recordou o empresário. Márcio Mendes acabaria por ser detido no Hospital da Santa Casa de Valinhos, em São Paulo, durante uma das visitas ao recém-nascido.
Primeira bebé traficada já regressou ao Brasil
A bebé que nasceu em outubro de 2023 e tinha ficado com Hélder Dias, em Valongo, enquanto Márcio Mendes foi ao Brasil buscar a segunda criança, acabou por regressar ao país onde nasceu, em março deste ano, pelas mãos da Polícia Federal brasileira.
A bebé permaneceu cá "até se confirmar que efetivamente não se tratava de uma criança portuguesa, pois os registos haviam sido falsificados quanto à sua nacionalidade e naturalidade".
"Por meio de Cooperação Jurídica Internacional, provocada pelo Ministério Público Federal de Campinas, após confirmada a nacionalidade brasileira do bebé, foi expedida ordem judicial portuguesa que reconheceu a necessidade de repatriação para o Brasil", indicou a Polícia Federal.
Na altura do crime, em conferência de imprensa, a coordenadora do Grupo de Repressão a Crimes Contra os Direitos Humanos da Polícia Federal em Campinas, Estela Beraquet Costa, detalhou que o português, que se encontrava em prisão preventiva, afirmou que gostaria de ficar com as crianças, que queria adotar em Portugal, não conseguiu, e, por isso, "buscou outro caminho".
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