"Costa agarrou-se ao famigerado parágrafo como um náufrago a uma boia"
Em declarações ao Notícias ao Minuto, o ex-presidente da Associação Transparência e Integridade e atual vice-presidente da Associação Frente Cívica, João Paulo Batalha, desfaz a ligação direta entre o comunicado da PGR e a demissão do primeiro-ministro, António Costa.
© João Paulo Batalha / Facebook
País João Paulo Batalha
Passadas três semanas de se tornar pública a Operação Influencer, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, continua debaixo de críticas a reboque da decisão de incluir um parágrafo que revelava uma investigação ao primeiro-ministro, António Costa, no comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso tornado público em 7 de novembro.
Lucília Gago esclareceu pela primeira vez, na semana passada, que "a necessidade foi de transparência, de informação relativamente à investigação que está em curso e, portanto, [o parágrafo] teria naturalmente de ser colocado". No entanto, as dúvidas sobre a decisão de incluir a menção ao primeiro-ministro, tendo em conta as consequências produzidas - no caso, a demissão de António Costa -, mantêm-se dentro e fora da esfera política.
Em declarações ao Notícias ao Minuto, o ex-presidente da Associação Transparência e Integridade e atual vice-presidente da Associação Frente Cívica, João Paulo Batalha, desfaz a ligação direta entre o comunicado da PGR e a demissão do primeiro-ministro, assegurando que Lucília Gago "fez o que devia ter feito".
"Suponho que não seja muito comum a própria procuradora-geral envolver-se na redação de comunicados de imprensa mas é natural que, num caso com esta relevância pública, Lucília Gago tenha tido uma atenção especial com a mensagem a passar", declara, ao mesmo tempo que sugere que o comunicado não foi "mais atípico do que qualquer outro". "Atípico é um processo judicial envolver o primeiro-ministro e figuras próximas dele, não é a comunicação sobre esse processo", atira ainda.
Na opinião do vice-presidente da Frente Cívica, o parágrafo serviu para "melhor esclarecer que houve elementos que imputavam responsabilidades ao primeiro-ministro, e que essas imputações têm de ser investigadas - seja para responsabilizar António Costa, seja para limpar o seu nome".
"Lucília Gago fez o que devia ter feito"
Para João Paulo Batalha, Lucília Gago "deu as explicações que a lei lhe permite dar, sem prejudicar o segredo de justiça ou interferir com a investigação". "E, sobretudo, ao afirmar que não era responsável pela demissão de António Costa sinalizou que não se deixa pressionar nem aceita o papel de bode expiatório do primeiro-ministro. Fez o que devia ter feito", reforça.
"Se o comunicado tivesse saído sem o famigerado parágrafo, todo o país teria feito a mesma pergunta óbvia: 'se são arguidos o chefe de gabinete e o 'melhor amigo' do primeiro-ministro, qual é o papel do próprio primeiro-ministro neste caso?' Deixar isso em branco teria desencadeado um furacão de especulações públicas muito pouco saudável - ou, pior ainda, acusações de que Lucília Gago estaria a tentar proteger politicamente o primeiro-ministro, responsável por ter proposto a sua nomeação para o cargo", frisa.
João Paulo Batalha assegura ainda que "a ideia de que Portugal viveria feliz e sossegado se se mantivesse essa enorme nebulosa é uma alucinação de um PS que, compreensivelmente, não gostou de ficar sem líder entre o pequeno-almoço e o almoço, nem ter de ir a eleições dois anos antes do previsto, quando tinham uma maioria absoluta estável", acrescentando que "essas considerações são políticas, não competem à PGR".
"O que produziu danos foi a suspeita fundada da prática de crimes no gabinete do primeiro-ministro"
Embora considere que "o Ministério Público [MP] comunica mal, mais ainda quando comparado com as máquinas de comunicação de alguns dos grandes escritórios de advogados - incluindo de escritórios envolvidos neste processo", João Paulo Batalha sustenta que o comunicado "não viola o segredo de justiça porque não expõe nada do que está no processo, apenas reconhece que o processo existe".
"O MP faz isso todos os dias, quando responde a jornalistas confirmando a existência de inquéritos em curso. A partir do momento em que há buscas, pessoas constituídas arguidas e interrogatórios judiciais, toda a gente fica a saber que o processo existe", esclarece.
Dar mais detalhes sobre uma parte da investigação que está só agora a começar, isso sim "implicaria violar o segredo de justiça". "Revelar indícios, escutas, documentos ou outro material comprometeria a eficácia da investigação e poderia ter ainda maiores danos sobre a reputação de António Costa, numa fase em que tudo tem ainda de ser investigado", sinaliza.
Na ótica do vice-presidente da Frente Cívica, "o que produziu danos foi a suspeita fundada da prática de crimes no gabinete do primeiro-ministro, não foi a investigação dessas suspeitas", e a PGR só saberá esclarecer o que está em causa sobre António Costa "depois de investigar".
"António Costa agarrou-se ao famigerado parágrafo como um náufrago a uma boia de salvação"
Quanto à demissão apresentada pelo primeiro-ministro após ter conhecimento de que era alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio, João Paulo Batalha sugere que "António Costa agarrou-se ao famigerado parágrafo como um náufrago a uma boia de salvação", acrescentando que "permitiu-lhe apresentar a sua demissão, que era inevitável, sem assumir qualquer responsabilidade".
"Mas o problema não está no parágrafo da PGR, está na conduta do primeiro-ministro, António Costa, e na forma como permitiu que o seu chefe de gabinete e o seu autoproclamado 'melhor amigo' exercessem a influência que apregoavam (real ou presumida) sobre as decisões do Governo. É isso que lhe retira qualquer autoridade política para exercer as funções", justifica.
O vice-presidente da Frente Cívica entende ainda que António Costa "percebeu que este caso era a última gota num copo a transbordar de 'casos e casinhos'". "Foi ignorando e protegendo, até degradarem por completo a sua autoridade política e a do seu Governo", salienta.
"Um país assim, que chuta sempre com o pé que está mais à mão, está sempre a meter bolas fora"
Sobre o impacto que o caso pode trazer relativamente ao prestígio das instituições judiciais e políticas em Portugal, João Paulo Batalha afirma que "a falta de confiança e o desprestígio das instituições portuguesas, face aos cidadãos nacionais e à comunidade internacional é um problema estrutural" e "permanente".
"O que mina sobretudo esse prestígio é a ocorrência sucessiva, regular, de suspeitas de crimes ou de má conduta ética, a falta de transparência das decisões e a lógica opaca e de circuito fechado com que se conduzem os negócios públicos", analisa.
Além disso, aponta "a ineficiência das instituições a lidar com dúvidas e suspeitas, quando surgem", como um "problema que devia concentrar o debate político para as eleições de março". "Não se os arguidos são culpados ou inocentes, mas o mau funcionamento de uma máquina do Estado que depende de lobistas amigos para tomar decisões; e onde as instituições públicas são pressionáveis a transformar pareceres técnicos negativos em positivos, à conta de telefonemas de ministros ou jantares de luxo com empresários", insinua.
"Infelizmente, mesmo na gestão da crise política recorremos às mesmas facilidades e jeitinhos que nos trouxeram à crise. Não só António Costa veio elogiar a arbitragem informal de interesses particulares como ferramenta de bom Governo, como o próprio Presidente da República criou uma ficção jurídica e constitucional para resolver a crise", acusa o vice-presidente da Frente Cívica.
Sobre Marcelo Rebelo de Sousa, João Paulo Batalha é taxativo, culpabilizando-o de manter "artificialmente em plenas funções um Governo e um Parlamento moribundos, só porque não dava jeito assumir a sua morte política no momento em que ocorreu".
"Um país assim, que chuta sempre com o pé que está mais à mão, está sempre a meter bolas fora. Muito do nosso atraso explica-se aqui", remata.
Recorde-se que Portugal vai ter eleições legislativas antecipadas a 10 de março do próximo ano, marcadas pelo Presidente da República, na sequência da demissão do primeiro-ministro.
António Costa demitiu-se depois de o MP ter revelado que este é alvo de uma investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre projetos de lítio e hidrogénio.
As buscas da Polícia de Segurança Pública (PSP) e do Ministério Público, no âmbito da Operação Influencer, culminaram com a detenção de cinco pessoas - entretanto libertadas -, incluindo o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária.
Já João Galamba, então ministro das Infraestruturas, que se demitiu há pouco mais de duas semanas, foi constituído arguido.
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