Criada pela avó, Helena, de 46 anos, conta à Lusa nunca ter tido problemas por viver no bairro mal-afamado, localizado às portas de Lisboa, recordando que sempre esteve bem no seu ambiente.
"Nunca tive dificuldades nenhumas, sempre tive a minha avó para nos apoiar e as dificuldades que tínhamos foram mais a nível da habitação, com infiltrações. Foi das piores coisas, mas foi-se arranjando. Havia pessoas que sentiam [dificuldade] por estar no bairro, eu sempre estive bem", descreve.
Como grande diferença de viver no bairro e agora fora dele, Helena destaca que havia sentido de comunidade -- "um mundo que se criou" por aqueles que vieram de Cabo Verde, como se vivessem à parte.
O bairro 6 de Maio, localizado até 2021 na Amadora, nasceu nos anos 70 do século XX, junto ao bairro das Fontainhas e ao Estrela de África, pelas mãos dos imigrantes das ex-colónias, a maior parte da comunidade cabo-verdiana, que chegou a Portugal em busca de melhores condições de vida e para trabalhar, sobretudo, na construção civil.
O 6 de Maio foi um dos 34 bairros do concelho da Amadora englobados no recenseamento do Programa Especial de Realojamento (PER), que a Câmara da Amadora assinou em 1995, dois anos depois de ser instituído nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, para a erradicação das casas precárias e realojamento dos moradores.
"No bairro era Cabo Verde em Portugal, a cultura. Havia assim aquela coisa protetora à volta, de que nada acontece, ali toda a gente protege toda a gente, em comunidade. Quando a gente sai do bairro para a escola, para o emprego, aí é que é viver em Portugal", exemplifica.
Helena vivia numa espécie de bolha e as irmãs dominicanas do Centro Social 6 de Maio fizeram muitos jovens como ela "conhecer o mundo lá fora", levando-os de norte a sul de Portugal.
"A vida é melhor [agora]. Aqui, naquela altura, [...] era mais pobre, mas era mais família, mais família", diz, emocionada, enquanto agita a mão no bolso da bata do mesmo centro social, onde trabalha como auxiliar.
Saiu do bairro há cerca de dois anos e continua a viver no concelho da Amadora, mas no Casal São Brás, a pouco mais de quatro quilómetros. O realojamento não foi fácil de início e juntou-se a uma associação que a ajudou "a lutar pelo direito à habitação".
"Lá consegui, mas só consegui porque eles [autarquia] precisavam disto. Não sei para quê, mas precisavam. Senão acho que ainda estávamos aí montes de pessoas, ainda estávamos aí", desabafa.
Helena está ciente de que a sua vida poderia ter sido diferente se não tivesse vivido desde sempre no bairro - poderia ter tido mais oportunidades, com outro tipo de conhecimentos, mas tem "muitas saudades" dos outros tempos.
"Apesar de tudo, fui muito feliz. Eu sou a mais velha de 10 irmãos. E era uma casa [cheia], por acaso a nossa casa tinha espaço, era a família toda. Agora, há meses em que eu não vejo um irmão. Cada um para o seu lado. Isso para mim é uma das piores partes", reconhece.
Com o desaparecimento do bairro, deu-se também "a separação da família", com cada um a ir viver para uma zona distinta.
"Já não há tempo para nada. Aqui pelo menos tinha a casa da avó. Encontrávamo-nos todos na casa da avó. É o que falta agora", lamenta.
Nesta zona da Damaia, o objetivo do município "não é fazer qualquer tipo de construção", segundo a presidente, Carla Tavares. Vai existir uma via de distribuição de tráfego para facilitar o acesso à CRIL (Cintura Regional Interna de Lisboa) e de onde irá sair o novo Centro Social 6 de Maio, construído de raiz.
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