Prescrição Social. O nome sugestivo é ainda desconhecido entre muitos. Mas desde 2018 que o projeto começou a ser implementado em Portugal, pelas mãos do médico Cristiano Figueiredo, em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), e tem feito sucesso.
Pelo menos 900 utentes já beneficiaram desta iniciativa que pretende ver o doente como um todo e não apenas pelas suas dores físicas.
A Prescrição Social tem assim um conceito holístico. Tenta-se perceber os fatores sociais, emocionais, económicos e até ambientais que influenciam a pessoa - e suprimir as suas necessidades sem concentrar as atenções apenas no contexto físico, mas também na saúde mental.
Mais do que medicamentos, as receitas passam a ter prescritas idas ao teatro, caminhadas, hidroginástica, cursos, convívios, dança e até jardinagem. Tudo para potenciar e capacitar os utentes a encontrar verdadeiras soluções para o seu bem-estar.
Sónia Dias© Escola Nacional de Saúde Pública
Tal como explicou a diretora da Escola Nacional de Saúde Pública e cocoordenadora da Prescrição Social Portugal, Sónia Dias, ao Notícias ao Minuto, "esta é uma iniciativa de integração de cuidados entre o setor de saúde e o setor social", que parte do pressuposto que há diversas questões ligadas a problemas de saúde que "têm motivos ou estão relacionadas com necessidades relativas àquilo que nós chamamos os determinantes sociais, as questões do contexto, as questões da habitação".
Assim, "quando um profissional de saúde percebe na consulta que parte das necessidades de saúde de um cidadão podem ser resolvidas por necessidades não clínicas e que a sua condição de saúde beneficiaria muito de outras respostas que não apenas as necessidades clínicas ou da terapeuta medicamentosa, este faz a referenciação do paciente para a Prescrição Social".
Consulta de Prescrição Social
É assim agendada uma consulta com um prescritor social e feito "um programa de intervenção", em conjunto com o utente, onde são definidas atividades e outro tipo de respostas, já presentes na comunidade e que podem ser úteis para o seu problema de saúde, para a solidão ou qualquer outro tipo de maleita de que padeça.
Até agora, as reações dos pacientes sinalizados para este tipo de consultas são "muito positivas", realçou Sónia Dias ao Notícias ao Minuto. Numa primeira fase, a abordagem é feita pelo médico de família, "com quem há já uma relação de confiança", o que facilita a introdução do tema. Posteriormente, na consulta de Prescrição Social os utentes são surpreendidos por uma resposta que há muito esperavam.
"As pessoas tendem a reagir muito bem porque confiam no seu profissional de saúde. Portanto, se é o profissional de saúde que está a dar a indicação de que estas respostas podem ajudar, como há uma relação de grande confiança as pessoas tendem a aderir. Depois, quando vão às consultas do prescritor social sentem-se muito satisfeitas porque percebem que quem está ao seu lado os veem como pessoas no seu conjunto e percebe as suas necessidades no todo. Dá-lhe alternativas às respostas mais tradicionais da Saúde", realçou a professora, dando o exemplo de um caso.
"Se uma pessoa se sentir muito isolada e não tiver capacidade de ativar as suas relações sociais, quando lhe é apresentada, por exemplo, uma atividade de caminhada, de um grupo de teatro ou até de jardinagem ou aulas de hidroginástica, começa a sentir-se olhada de forma holística, percebida nas suas necessidades no conjunto, nas práticas do dia a dia", concretizou Sónia Dias.
Maioria das respostas (e atividades) é gratuita
O que também contribui para o sucesso da adesão às atividades prescritas é que a maioria delas já existia e é gratuita, não levantando a necessidade de um esforço adicional por parte destas pessoas que já sentem "algumas dificuldades e vulnerabilidades sociais".
"A Prescrição Social faz uso das respostas já existentes e nós temos muitas respostas nas comunidades. Muitas vezes que já estão a ser financiadas por outros projetos e por outros programas, ou seja, na maioria das vezes são gratuitas para os utentes", salientou Sónia Dias, acrescentando que este projeto "procura também ser uma resposta na redução das desigualdades em saúde", que aumentaram durante a pandemia da Covid-19.
"A Covid fez agravar as desigualdades sociais e económicas em alguns grupos e fez sobressair as necessidades - e são cada vez mais - na área da saúde mental, que é um dos principais focos deste projeto", explicou ainda a docente da Escola Nacional de Saúde Pública.
Projeto-piloto em Lisboa mas a ser expandido para outras regiões
A Prescrição Social já existe há quase duas décadas no Reino Unido, onde funciona através de vários e diferentes projetos. Recentemente, começou a espalhar-se por outros países da Europa e, em 2018, chegou a Portugal.
Numa primeira fase instalou-se na Unidade de Sáude Familiar (USF) da Baixa, que é, segundo a coordenadora da Prescrição Social, "o projeto piloto que se conhece melhor".
Rapidamente o programa, criado pelo Dr. Cristiano Figueiredo, em colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública e com a assistente social Andreia Coelho, espalhou-se por Lisboa e está, neste momento, presente em cinco USF do agrupamento dos centros de saúde de Lisboa Central, onde "os utentes também se podem referenciar a si próprios" para ter uma consulta com um prescritor social.
Apesar de ainda estar numa fase inicial, de acordo com Sónia Dias, "a Escola Nacional de Saúde Pública já fez uma série de protocolos com unidades de saúde e com autarquias" e já há "vários exemplos de projetos [de Prescrição Social] a iniciar-se em diferentes regiões do território nacional".
"Estamos a explorar diferentes modelos de Prescrição Social com diferentes parceiros, com unidades de saúde, autarquias, parceiros do setor terciário, porque há várias formas de poder implementar esse projeto", contou ainda ao Notícias ao Minuto.
A ideia é conseguir "escalar" o programa por todo o território nacional, dando desta forma "uma boa resposta às necessidades na Saúde e aos futuros desafios que vamos ter na Saúde", concluiu.
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