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Desligar máquinas? "Injusto se fossem os pais a ter que tomar a decisão"

Tiago Proença dos Santos, neuropediatra, explica ao Notícias ao Minuto que "a decisão de suspender aquilo que chamamos medidas supérfluas de manutenção de vida é sempre da equipa clínica". "Apesar de ser um dos papéis mais ingratos que tenho de fazer como médico, faz parte das nossas obrigações".

Desligar máquinas? "Injusto se fossem os pais a ter que tomar a decisão"

A luta dos pais de Archie Battersbee correu mundo. Sucessivos recursos judiciais - inclusivamente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos -, primeiro para manter as máquinas que ligavam o menino britânico de 12 anos à vida e, depois, na tentativa de o transferir para uma unidade de cuidados paliativos, terminaram na manhã do passado sábado, com o desligar das máquinas de suporte de vida

No seguimento deste 'Caso Archie', o Notícias ao Minuto questionou a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria para perceber que contornos um caso semelhante teria em Portugal. "Trata-se de um caso de morte cerebral", indica Tiago Proença dos Santos, explicando que é um "conceito" que "foi necessário introduzir a partir do momento em que os avanços tecnológicos e farmacológicos permitiram prolongar artificialmente a vida de indivíduos que apresentam lesões irreversíveis do cérebro, nomeadamente do tronco cerebral", sem qualquer "possibilidade de recuperar das mesmas".

O neuropediatra salienta ainda que a definição de "morte cerebral" obriga a que existam quatro critérios verificados: a "exclusão de fármacos depressores do estado consciência", a "demonstração de lesão cerebral de causa identificada e grave", a existência de "exames auxiliares de diagnóstico que comprovam as alterações da perfusão no cérebro" e a "ausência de respostas primitivas do tronco cerebral realizadas por dois médicos diferentes em dois momentos diferentes". 

Tiago Proença dos Santos clarifica que "estes são sensivelmente sobreponíveis, quer na criança quer no adulto", sendo que "as únicas diferenças são os 'timings' de avaliação"

Quem teria a decisão final de desligar as máquinas?

"A decisão de suspender aquilo que chamamos medidas supérfluas de manutenção de vida é sempre da equipa clínica", frisa Tiago Proença dos Santos ao Notícias ao Minuto, adiantando: "Seria extraordinariamente injusto e doloroso se fossem os pais a ter que tomar essa decisão".

Deste modo, a equipa clínica comunica da "forma o mais humana possível esta decisão à família", dando sempre "espaço para que os mesmos se adaptem e se despeçam do seu familiar." 

Apesar de ser um dos papéis mais ingratos que tenho de fazer como médico, faz parte das nossas obrigações

Para o clínico, é necessário ter em mente que "a manutenção artificial de vida vai prolongar o sofrimento da família", assim como "ocupar recursos que podem ser necessários para o outro doente" e "impor um gasto económico à sociedade do qual não advém nenhuma resposta futura". Além disto, "a maioria dos órgãos que permite transplantação de doentes gravemente doentes provêm de situações de morte cerebral", adianta também. 

Uma das questões essenciais a ter em conta numa situação tão sensível como esta é perceber como é defendido o superior interesse da criança. Neste ponto, Tiago Proença dos Santos assinala o "evitar de medidas encarniçadamente terapêuticas"

E explica: "O diagnóstico de morte cerebral, obriga, especialmente em crianças, a um cuidado extremo na avaliação, estando protocolado de forma internacional a forma de se fazer este confirmação".

Em suma, e abstendo-se de fazer quaisquer comentários de natureza judicial que um caso semelhante poderia vir a ter no nosso país, a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria termina explicitando que, "dos pontos de vista técnico e científico, não existiriam quaisquer diferenças" num 'Caso Battersbee' em Portugal. 

Archie. De um desafio do TikTok ao desligar do suporte de vida

Archie Battersbee, de 12 anos, natural de Southend, em Essex, no Reino Unido, passou quase quatro meses - desde o dia 7 de abril - em morte cerebral após, ao que tudo indica, ter participado num desafio viral nas redes sociais

Em causa terá estado o 'Blackout Challenge' -'Desafio do Apagão', traduzido literalmente do inglês -, que consiste em desafiar jovens a susterem a respiração, até desmaiar. A mãe, Hollie Dance, encontrou Archie inconsciente com uma ligadura no pescoço, em casa. 

O menino foi encaminhado para o Royal London Hospital e, aqui, começou uma batalha legal, após os especialistas terem diagnosticado que Archie se encontrava em morte cerebral. A família lutou para que o tratamento de suporte de vida continuasse, na esperança de que o menor acabasse por recuperar. 

Inicialmente, os pais tentaram que o hospital continuasse a manter o suporte de vida ligado, mas todos os recursos foram negados. A família recorreu, então, ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que se absteve de decidir sobre a vida do menino por não querer "interferir" com o processo.

Paul e Hollie, os pais, prolongaram durante mais uns dias a vida do filho, com mais um recurso, pedindo que Archie fosse transferido para uma unidade de cuidados paliativos. O recurso acabou (também) por ser negado, com o tribunal a considerar que a mudança traria riscos "imprevisíveis" para a vida da criança.

O suporte de vida foi desligado na manhã do passado sábado, dia 6 de agosto. "Foi-lhe retirada a medicação às 10 horas da manhã, e as suas estatísticas permaneceram estáveis até duas horas depois, altura em que removeram a ventilação", disse Ella Rose Carter, falando em nome da família. A cunhada do menino considerou toda a situação "cruel" e disse esperar "que mais nenhuma família passe pelo mesmo".

À saída do hospital, Hollie afirmou sentir-se "a mãe mais orgulhosa do mundo" e garantiu que o filho "lutou pela vida até ao fim".

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