"Há linhas vermelhas que podem lançar Marcelo para terrenos perigosos"
Felisbela Lopes [à direita na foto], uma das autoras da obra 'Marcelo - Presidente todos os dias', é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.
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País Felisbela Lopes
Marcelo Rebelo de Sousa mudou a forma como se faz política. A conclusão é da obra 'Marcelo - Presidente todos os dias', cujo lançamento aconteceu no dia 7 de março, em Lisboa. As autoras são a docente universitária Felisbela Lopes e a jornalista Leonete Botelho.
O Notícias ao Minuto esteve à conversa com a professora da Universidade do Minho [à direita na foto], que nos explicou de que forma nasceu a ideia de fazer um livro sobre Marcelo Rebelo de Sousa, como se organizaram as autoras para acompanhar a preenchida agenda do chefe de Estado e quais as conclusões destes três anos de mandato.
As autoras não têm dúvidas de que o modelo de atuação de Marcelo mudou a forma como as pessoas lidam e veem o mais alto magistrado da Nação, mas reconhecem que o Presidente da República tem de reajustar o seu comportamento antes que se esgote.
Os elogios a Marcelo não significam, porém, segundo a autora, que não tenha sido feito um escrutínio ao trabalho que tem vindo a desenvolver. Para Felisbela Lopes, seria exagerado dizer que o trabalho do Presidente da República tem sido excelente, contudo, faz sobressair, o "balanço não tem de ser negativo".
Porquê um livro sobre Marcelo Rebelo de Sousa?
A Leonete Botelho e eu, logo nos primeiros 100 dias deste mandato, conversámos acerca de uma entrevista e demos logo conta de que ele tinha uma agenda muito intensa e que só uma análise podia agarrar o essencial do que ele ia fazendo. E, logo ali, nos primeiros meses deste mandato, começámos a recolher matéria - a Leonete no terreno e eu a partir da universidade - para olhar para este trabalho ao longo do tempo. Porquê lançá-lo nos três anos de mandato? Porque já é um tempo suficiente para proceder a uma leitura mais pertinente daquilo que foi feito, para fazer a avaliação, porque o mandado já vai a mais de meio e porque nos queríamos desligar de atos eleitorais. Não queríamos entrar em tempo de pré-campanha presidencial, nem nos queríamos envolver com as legislativas que têm sempre repercussões também em termos do Presidente de República. Como as legislativas são no final de 2019 e depois todo o processo de formação de Governo se pode arrastar até ao final do ano e logo a seguir entramos num contexto pré-presidencial, achámos que este ano podia ser o ideal.
Achamos que este modelo presidencial merece ter alguns ajustamentos, até porque este modelo passou a intensidade e acaba por saturar e perder alguma eficácia
E destes três anos de mandato, como analisam a evolução da postura do Presidente? Há sinais de cansaço? Aguentará Marcelo este ritmo durante muito mais tempo?
Não há sinais de cansaço, nem propriamente uma mudança. Nós achamos, aliás, que deve haver um reajustamento [do seu comportamento] por causa desta mesma intensidade. Marcelo foi o Presidente certo para um período demasiado crispado e descrente e para um tempo político também demasiado dividido. Marcelo, com a sua política de afetos e os seus constantes apelos aos consensos, com as fontes em permanência com o Parlamento, pareceu-nos o Presidente com o modelo muito em consonância com o tempo. Mas também nos parece, quando já vamos a mais de metade deste mandato, que já estamos a entrar noutro tempo. O país já está apaziguado, já se percebeu que do ponto de vista político que há outro contexto, não só a nível do Governo mas também partidário, portanto, achamos que este modelo presidencial merece ter alguns ajustamentos, até porque este modelo passou a intensidade e acaba por saturar e perder alguma eficácia.
Falam precisamente nesta obra de novos combates que terão de ser enfrentados por Marcelo Rebelo de Sousa e de uma necessidade de mudança.
Não é propriamente uma mudança radical aquilo que nós apontamos. Falamos de um ajustamento do modelo.
Mas que ajustamento específico é esse?
Por exemplo, a agenda social que foi uma agenda muito focada nos refugiados, nos sem-abrigo, no voluntariado, nos idosos… Acho que merece ser repensada e ser mais transversal. O ‘Portugal Próximo’ teve só três versões formais: Alentejo, Trás-os-Montes e a Beira. O país poderia ser visitado de uma forma mais perdurada nos dias, não fazer só uma visita de umas horas. Deveríamos ter visitas com tempo suficiente para falar desses territórios. Podia ter também, por exemplo, uma outra agenda com o Governo e uma outra agenda do ponto de vista social. Na frente diplomática, como a visita a Angola agora demonstrou, Marcelo parece ter ali sempre um equilíbrio maior.
Disse que este livro é o resultado de um trabalho que se fez no terreno e também através de pesquisa. Tendo Marcelo uma agenda tão intensa, como foi possível arranjar tempo para acompanhá-lo?
Foi feito de diversas formas, através de entrevistas a pessoas que contactam direta ou indiretamente com o presidente – políticos, comentadores, jornalistas –, através de uma análise de todo o material jornalístico publicado sobre o Presidente. Eu própria tenho todo esse material impresso, ouvi peças de rádio, de televisão, textos publicados em sites. A Leonete Botelho, como faz um trabalho no terreno, também foi recolhendo algumas impressões. E depois fizemos a nossa própria análise daquilo que fomos recolhendo através desses modos de aproximação daquilo que vai sendo produzido sobre o Presidente.
As políticas que envolvem negociações de salários não são uma função do Presidente. É verdade que às vezes o envolvimento de Marcelo faz com que as pessoas confundam patamaresE concluem que Marcelo já marcou a forma como se faz política em Portugal?
Sem dúvida de que sim. Fê-lo de uma forma em que marcou através de uma política feita por afetos, de um modo próximo, despido de protocolos, com uma agenda política, que faz permanentes pontes com o Parlamento, ou seja, com o poder legislativo, mas também com os partidos, com todos da Esquerda à Direita.
Apesar disso, e a título de exemplo, continuamos a ter enfermeiros e professores na rua, em constantes greves e manifestações. Passa a ideia de que pode haver condescendência por parte de Marcelo para com a atuação do Governo?
O Presidente não é Executivo portanto as políticas que envolvem negociações de salários não são uma função do Presidente. É uma função executiva. É verdade que às vezes o envolvimento de Marcelo faz com que as pessoas confundam patamares. Mas esse tipo de reivindicações, são reivindicações que se situam ao nível do poder executivo e não nos poderes do Presidente.
Mas como referem na obra, Marcelo e António Costa são duas figuras muito próximas.
São. São no seu modo de estar na política.
Não poderia então haver aqui um maior diálogo no que diz respeito a estas questões?
Há muito diálogo. Eles falam imenso. Agora não podem é estar sempre de acordo.
Entre Belém e São Bento temos aqui duas figuras que se apoiam também por razões estratégicas. E Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa precisam um do outro quase de igual formaE como é que dois líderes políticos, de ideologias políticas diferentes, se apoiam tanto?
Não podemos dizer que Marcelo é um líder político. Ele na função que ocupa deve estar despido dessa relação ao partido. Agora, entre Belém e São Bento temos aqui duas figuras que se apoiam também por razões estratégicas. E um precisa do outro quase de igual forma porque se o Presidente precisa de António Costa para lhe dar mais espaço de atuação, para falar mais à Esquerda, António Costa, liderando um Governo de grupo parlamentar à Esquerda, também precisa de um Presidente com um eleitorado mais à direita. E, adicionalmente, também precisa de um Presidente que nestes tempos se tem mostrado consensual e popular para ele próprio capitalizar essa popularidade.
Não se arrisca Marcelo a perder apoio do seu próprio partido [PSD] devido a esta proximidade que tem com António Costa?
Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito sem o apoio da liderança do seu partido. Aliás, o seu partido não o queria como candidato a Presidente da República. Portanto, essa questão não se coloca assim porque ele não teve do seu lado o apoio do seu partido, que na altura era liderado por Pedro Passos Coelho.
Há linhas vermelhas que podem lançar o Presidente para terrenos movediços e perigosos. Um dos conselhos é o de dosear esta afetividadeRelativamente ao facto de concluírem que Marcelo é "a prova de como os afetos contam em política”, o excesso de afetos pode também ser prejudicial, como se viu recentemente na intervenção de Marcelo no caso do Bairro da Jamaica? Quais serão os limites para a demonstração de afetos de um Presidente?
Pode. O limite é muito difícil de tratar porque a linha vermelha é muito ténue. O limite será não ser populista. Há linhas vermelhas que podem lançar o Presidente para terrenos movediços e perigosos. Um dos conselhos é o de dosear esta afetividade. Ele não pode ter afetos em permanência, a todo o tempo, porque também é Presidente, é o mais alto magistrado da Nação.
A popularidade de Marcelo parece ter saído abalada com este episódio em particular, bem como com o telefonema em direto para o programa da Cristina Ferreira...
Ou por outros fatores. Pode ser porque o modelo do Presidente precisa de ser renovado. Não sabemos se é causa-efeito ou se é porque é um modelo que precisa de ser formatado. As sondagens não nos dizem que a popularidade baixou por causa da ida do Presidente ao Bairro da Jamaica ou porque ligou para o programa da Cristina. As sondagens dizem-nos que houve uma redução, mas esta redução da popularidade também pode ter a ver com a necessidade de ele ter de ser reajustado.
Mas beliscou a sua imagem junto das forças de segurança por exemplo. Houve aqui um impacto direto, de causa-efeito.
Sim, afetou.
E isso pode repercutir-se na sua prestação nas próximas eleições, caso ele seja candidato?
Não, ainda é muito precoce para se falar disso. Ainda vamos a meio do mandato.
De certeza que Marcelo pensou nos riscos que corria quando foi ao Bairro da Jamaica. Sabia com certeza que as forças policiais não iam ficar eufóricas com aquela visita. Mas estava consciente disso, nada nele é por acasoDizem no livro que tudo o que Marcelo faz é de forma pensada. Nestes dois casos houve essa ponderação?
Sim. De certeza que ele pensou nos riscos que corria quando foi ao Bairro da Jamaica. Sabia com certeza que as forças policiais não iam ficar eufóricas com aquela visita e sabia quando ligou para a Cristina que os outros canais e alguma opinião pública iriam reagir. Mas pesou os prós e contras e achou – não sei se bem – que recolheria mais benefícios. Mas que estava consciente disso estava porque como nós escrevemos nada nele é por acaso.
E é tudo pensado apenas por Marcelo ou tem alguém com ele?
Não, o Presidente costuma dizer que em Belém só existe um porta-voz, que é ele. Portanto temos de pensar que tudo é pensado por ele.
Marcelo não pode andar um mandato a selar um pacto emocional com o país e depois não se recandidatarE porque é que consideram que Marcelo não tem outra opção senão voltar a candidatar-se?
Porque ele não pode andar um mandato a selar um pacto emocional com o país e depois não o fazer. Marcelo não pode dizer às pessoas que é preciso levantarem-se do chão e depois não se apresentar a escrutínio no próximo ano eleitoral. Isso não é tradição mas sobretudo porque ele disse às pessoas que estava com elas e não pode de um dia para o outro ir embora.
Marcelo Rebelo de Sousa entra diariamente na casa dos portugueses, sendo quase já uma figura do nosso dia a dia. O que é que ainda não sabemos sobre Marcelo e podemos descobrir nesta obra?
Tudo. Porque Marcelo tem isto consigo: é que ele consegue sempre surpreender. Há histórias completamente inverosímeis e que contamos no livro, há pontes que foram feitas nestes três anos com o Parlamento e o Governo e que não eram conhecidas. E no plano diplomático há aqui uma diplomacia que foi construída que nós também tentamos mostrar nesta obra.
Pacheco Pereira considerou na apresentação da obra que existe “um enorme défice de escrutínio” à atuação do Presidente da República.
Mas nós fazêmo-lo. Neste livro fazemos muitas apreciações críticas ao modo como Marcelo constrói os seus afetos, sobre a forma como lidera a frente diplomática quando comparado com a ação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, fazemos também uma apreciação do modo como gere a agenda que tem. Portanto, este livro também faz um escrutínio do Presidente.
Agora, se me diz: “o balanço que vocês fazem não é negativo”. Não, não é, porque não tem de ser. Ao longo destes três anos nós consideramos que o balanço de tudo não pode ser negativo. Mas que não é um exercício abonatório ao Presidente, não o é de todo. Nos três capítulos do livro encontram-se muitos aspetos críticos direcionados para a ação do Presidente.
Foi o Presidente certo para o tempo muito crispado, muito pessimista, mas nesta altura Marcelo precisa repensar-se como Presidente da RepúblicaMas de forma geral, e como jornalista que foi, que análise faz à cobertura mediática que é dada a Marcelo?
Fui eu que entrevistei todos os jornalistas que trabalham com Marcelo e os jornalistas apreciam este Presidente porque ele tem uma relação com os jornalistas muito diferente dos anteriores. O Presidente tornou-se uma fonte e antigamente os Presidentes eram fonte através dos assessores. Os jornalistas apreciam o facto de ter uma fonte direta, mas não me parece que os jornalistas sejam acríticos, de todo. Pareceu-me que todos os jornalistas que acompanham a Presidência têm consciência do grau de atuação, da proatividade que o Presidente tem. Não me parece que ignorem a intervenção do Presidente.
Mas não corre Marcelo o risco de com esta exposição constante e a proximidade que tem com as pessoas estar a saturar a sua imagem e a banalizar as suas posições?
Sim, corre. Daí a necessidade do reajustamento do modelo.
Sabemos que Felisbela é uma profissional exigente e chegou mesmo a afirmar que costuma dizer aos seus “alunos que eles não têm de ser bons nem muitos bons, mas sim excelentes”. Assim sendo, que análise faz à atuação de Marcelo? Tem sido excelente?
Não vamos exagerar. Foi o Presidente certo para o tempo muito crispado, muito pessimista, mas nesta altura Marcelo precisa repensar-se como Presidente da República. Há meio ano isto não era assim, mas agora, já se passaram três anos, que foram bons, mas que necessitam de ser reajustados
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