Após três meses de audiências que abalaram o chefe do Governo francês, os relatores Paul Vannier da França Insubmissa (LFI, esquerda radical) e Violette Spillebout, do Renascimento (partido do Presidente Emmanuel Macron), listaram um arsenal de propostas para enfrentar o que a presidente da comissão, Fatiha Keloua Hachi, qualificou de "monstruosidades" às quais "crianças em toda a França" foram expostas.
Este caso afeta muito pessoalmente o primeiro-ministro centrista, cuja mulher ensinou catecismo e vários dos seus filhos foram alunos da Notre-Dame-de-Bétharram, uma instituição católica localizada perto da sua cidade de Pau (sul de França), da qual François Bayrou ainda é presidente da câmara.
O liceu de Bétharram é alvo de mais de 200 queixas de ex-alunos por violência física e sexual desde os anos 1960.
Segundo os autores do relatório parlamentar de inquérito, que resultou em 80 denúncias à justiça, estas violências "perduraram durante anos" por "falta de ação" de François Bayrou, que tinha "meios para agir", ao estar "informado" por ser ministro da Educação Nacional (entre 1993 e 1997) e eleito local.
O primeiro-ministro francês foi ouvido durante mais de cinco horas no dia 14 de maio por esta comissão de inquérito da Assembleia Nacional, rejeitando veementemente as acusações de mentir ou por ter interferido na justiça na década de 1990.
Desde fevereiro, Bayrou é acusado de ter tido conhecimento das violências cometidas ao longo de décadas pelos antigos clérigos e funcionários do liceu católico e de ter eventualmente falado com um juiz, quando ocupava a pasta da Educação.
"Mantenho a minha afirmação. Não tenho qualquer outra informação enquanto ministro da Educação e não beneficiei de qualquer informação privilegiada", disse François Bayrou.
Para além do caso de Bayrou, a comissão de inquérito formulou hoje 50 recomendações, incluindo a criação de um fundo de indemnização das vítimas e o reforço dos controlos nas instituições, atualmente "quase inexistentes".
Para proteger os alunos, o relatório propõe também inscrever no código da Educação a proibição de qualquer castigo corporal ou tratamento humilhante e "levantar sistematicamente o sigilo" da confissão se "diz respeito a atos de violência cometidos contra um menor de 15 anos".
Os relatores traçaram ainda um panorama sombrio, de violência "amplamente ocultada", "institucionalizada sob o pretexto da excelência pedagógica" e persistente "em todos os tipos de estabelecimentos escolares", e de um "Estado que falhou" para controlá-la, preveni-la e tratá-la.
Segundo os relatores, esses mecanismos eram "acentuados no ensino católico", devido a um "modelo educativo explicitamente mais rigoroso, baseado em numerosos internatos" e a uma "lei do silêncio particularmente forte".
A deputada centrista Violette Spillebout também alertou que o liceu de Notre-Dame-de-Bétharram era "um caso longe de ser único", com frequentemente a mesma "lógica em ação" em centenas de estabelecimentos de ensino, com estas violências "sistémicas" a fazerem "milhares de vítimas ao longo dos anos" por toda a França.
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