Para o analista canadiano, parceiro do Eurasia Centre do Atlantic Council, e comentador de geopolítica na CNN e outras estações internacionais, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, está "numa situação muito difícil, porque estudos de opinião recentes indicam que os ucranianos têm zero desejo de concessões territoriais" e esperam que a Crimeia seja devolvida ao seu país, nunca cedida ao invasores russos.
"Foram criadas expectativas muito altas", disse, em entrevista à Lusa o comentador e ex-jornalista, que se recorda de altos oficiais militares ucranianos terem vaticinado há muitos meses a retoma da Crimeia, ocupada pela Rússia desde 2014, apesar de dúvidas levantadas por analistas se teriam capacidade para o fazer.
Agora surgem notícias de que os russos estão a montar defesas e trincheiras nas linhas da frente, incluindo na própria Crimeia, face à expectativa de uma contraofensiva ucraniana na primavera, persistindo interrogações se Kyiv terá já os meios suficientes, sobretudo após a fuga de documentos secretos norte-americanos que o colocam em causa.
O curso da guerra, mais de um ano após a invasão russa da Ucrânia, "parece estar a desafiar uma solução imediata e ela vai demorar muito", advertiu.
Qualquer desfecho negociado deste conflito vai exigir "criatividade, inovação e coragem em nome dos líderes ocidentais" e talvez a única maneira de isso acontecer seja através de um maior isolamento da Rússia, o que inclui, "por exemplo, abordar os países do Golfo para dizer basta": "Não há mais investimento russo, não há mais turistas russos".
"Isto apesar de, no início da guerra, muitos pensarem que as sanções impostas iriam impedir que [o Presidente russo, Vladimir] Putin e o seu círculo próximo viajassem, investissem e enviassem os seus filhos para escolas de elite e houvesse algum tipo de agitação", afirma Michael Bociurkiw.
"Mas os russos têm sido muito hábeis, reinventando-se, e à sua economia, e, para isso, eles têm chamado os seus pequenos amigos, as 'Coreias do Norte' ou os 'Irãos' do mundo para ajudar a fornecer-lhes certas coisas", referiu, mencionando também o que chama de chantagem sobre a Iniciativa dos Cereais do Mar Negro, ao ameaçarem frequentemente que se vão retirar do acordo.
Por outro lado, "se o laço fosse apertado ainda mais ao redor do pescoço de Putin e seu círculo íntimo", isso criaria alguma agitação, talvez houvesse competição entre as elites, ou talvez a oposição russa, que tem sido principalmente aprisionada ou silenciada ou ainda enviada para o exílio, se reuniria e criaria algum tipo de perturbação.
"Mas acho que estamos muito longe de isso acontecer", defende.
Recentemente a China apresentou uma proposta de 12 pontos para a paz na Ucrânia, antecedendo uma visita do seu Presidente, Xi Jinping, a Moscovo, mas Bociurkiw não recomenda que Kyiv a rejeite.
"Não é um parceiro de paz confiável. Definitivamente, não subscreve os mesmos valores que todos nós temos", alertou, apontando que aquela a visita de Xi fez com que a Rússia não fosse apenas um "cliente declarado, que já era, mas um fantoche para a China", que conseguiu o que queria e sempre opera dessa maneira.
Para Bociurkiw, a China não deixa de ser "o parceiro sénior neste jogo", mas o plano de paz "é mais um documento de posição" de Pequim, que nem sequer sugere a retirada das tropas russas da Ucrânia, tal como, apesar de não apoiar publicamente a invasão, as suas votações no Conselho de Segurança da ONU não acompanham a generalidade dos países na condenação a Moscovo.
O analista recordou que a guerra começou em 2014, com a anexação da Crimeia e os levantamentos pró-russos no Dombass (leste), onde aliás o analista estava nessa altura ao serviço da Organização para a Cooperação em Segurança na Europa, tendo sido um dos últimos a abandonar Donetsk, tal como integrou as primeiras equipas a chegar à região onde, no mesmo ano, foi abatido um avião comercial da Malaysia Airlines.
Desde então, observou, a tática de Putin tem sido "controlar a narrativa" o máximo de tempo possível e, nesta fase, "pode ser que tente atrasar qualquer tipo de conversações de paz até à próxima eleição presidencial nos Estados Unidos.
"Não acredito que será [o ex-Presidente Donald] Trump, mas haverá uma mentalidade diferente na Casa Branca se os Republicanos assumirem o poder", alertou.
Mas, mesmo que os russos sejam levados antes para a mesa das negociações, o que só acontecerá com uma pressão muito forte da China ou da Turquia, "eles não ouvem acordos" e quebram-nos muito rapidamente, diz o analista baseado na sua experiência desde 2014.
"Vimos que durante esta fase da guerra eles quebraram a garantia de segurança para corredores de ajuda humanitária e evacuações", exemplificou.
Entretanto, Bociurkiw frisou que as tropas russas prosseguem a sua política de "terra queimada" na Ucrânia, como é o caso de Bakhmut, e igualmente resistem a qualquer tipo de vontade fazer concessões territoriais, observando Putin como um homem que está a ficar cada vez mais velho, que não se vê de 'fato laranja' no Tribunal Penal Internacional e permanece na "sua fantasia de uma Rússia maior se tornar realidade".
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