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Turquia. Voto de curdos será "decisivo" para derrota eleitoral de Erdogan

O académico turco Ilhan Uzgel considerou em entrevista à Lusa que o voto da população curda será crucial para uma eventual derrota do Presidente Recep Tayyip Erdogan nas presidenciais e legislativas de maio na Turquia.

Turquia. Voto de curdos será "decisivo" para derrota eleitoral de Erdogan
Notícias ao Minuto

11:06 - 11/03/23 por Lusa

Mundo Eleições na Turquia

"O processo de unificação da oposição é importante e Erdogan pode agora perder estas eleições porque a oposição inclui seis partidos, todos estão mais fortes e a grande vantagem de Kemal Kiliçdaroglu, o líder do CHP, é conseguir atrair os votos curdos", indicou.

Na passada segunda-feira, uma aliança de seis partidos da oposição turca designou Kemal Kiliçdaroglu, 74 anos, líder do Partido Republicano do Povo (CHP, centro-esquerda e a principal formação), para enfrentar nas presidenciais de 14 de maio o chefe de Estado Recep Tayyip Erdogan, 69 anos, no poder desde 2003.

"O voto curdo será decisivo no resultado final. Provavelmente os curdos votarão por Kiliçdaroglu e isso fará uma grande diferença", indicou, apesar de a principal formação pró-curda e de esquerda, o Partido Democráticos dos Povos (HDP, terceira força no parlamento de Ancara) não estar incluída no conclave oposicionista.

Atualmente, as sondagens indicam que Erdogan e a sua coligação nacionalista estão lado a lado nas sondagens face à oposição, prevendo-se uma renhida disputa eleitoral e quando a lei impõe uma barreira mínima de 7% de votos para a eleição de deputados ao parlamento nacional, com 600 lugares.

Líder do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, islamita conservador), Erdogan foi primeiro-ministro entre 2003 e 2014, ano em que foi eleito Presidente da República.

Pela primeira vez desde 2002, o AKP perdeu a maioria absoluta no parlamento nas legislativas de 2018, mas manteve-se no poder devido a uma aliança com o Partido Movimento Nacionalista (MHP), do ultranacionalista Devlet Bahçeli, que mantém.

Na perspetiva do académico turco, e caso o HDP não apresente o seu candidato, é possível uma vitória do candidato da oposição unida logo na primeira volta das presidenciais.

"Nas últimas eleições Erdogan venceu por estreita margem, agora com os votos curdos, a crise económica, a resposta ao recente sismo, todos estes fatores vão funcionar desta vez contra Erdogan. Assim, desta vez a oposição tem hipóteses de derrotar Erdogan", admitiu o académico, professor de relações internacionais na Universidade de Ancara e ex-responsável pelo Departamento de Relações internacionais na faculdade de Ciência política, demitido das suas funções em 2017 por decreto presidencial.

A particularidade das decisivas eleições turcas de 14 de maio também é sublinhada por José Pedro Teixeira Fernandes, académico e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), autor de diversos livros sobre geopolítica e a Turquia contemporânea.

"A atual frente da oposição é situação inédita na história recente da Turquia. Há um motivo, a eleição direta do Presidente da República só é feita desde a alteração constitucional de 2017, promovida pelo próprio Erdogan", referiu em declarações à Lusa.

Anteriormente, o sistema da Turquia assentava numa República parlamentar, onde o Presidente era eleito pela Grande Assembleia Nacional (TBMM, o parlamento) em votação indireta. As emendas à Constituição em 2017, aprovadas em referendo, impuseram um regime de cariz fortemente presidencialista.

Nas últimas semanas, o poder judicial turco, controlado pelo poder político, desencadeou diversos processos numa tentativa de ilegalizar o HDP, e quando o seu antigo líder, Selahattin Demirtas, permanece na prisão desde finais de 2016.

"Nas eleições legislativas, que decorrem em simultâneo com as presidenciais, haverá outras formas de membros do HDP serem eleitos para o parlamento, podem surgir nas listas da oposição, o que tornaria a oposição mais unida", assinala Ilhan Uzgel, e no caso partido pró-curdo ser impedido de participar no escrutínio.

"Há uma situação irónica a favor dos curdos, porque nunca ocorreram estas circunstâncias políticas na história recente da Turquia. (...) O facto de nestes últimos anos terem a possibilidade de valorizar a sua posição, porque numa eleição muito renhida o voto curdo pode ser decisivo. Desde 2003 a oposição tem indiscutivelmente a melhor hipótese de vitória", acrescenta Teixeira Fernandes.

Apesar destas vantagens, o investigador do IPRI sustenta existir uma área que une o partido no poder e o principal partido da oposição.

"Esse ponto é o cimento nacionalista turco, e que é transversal na política interna. Aqui convergem muito mais, têm muitos mais pontos de contacto que divisões, se isolarmos a questão. No passado, o CHP também não foi particularmente condescendente com os curdos, nem é de antecipar que tenha muita vontade de sê-lo agora, a não ser por contingências de chegar ao poder", adianta.

Ainda numa referência à prolongada "questão curda" na Turquia, Ilhan Uzgel opta por frisar que o movimento curdo turco abandonou as suas reivindicações maximalistas de independência, e atualmente apenas reage de forma defensiva às incursões militares turcas, em particular nas suas bases recuadas nas montanhas do norte do Iraque.

"O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, a guerrilha curda) tem sido enfraquecido nos últimos anos e as forças de segurança e as Forças Armadas turcas são muito fortes", sublinhou.

No entanto, o académico turco vaticina uma campanha eleitoral dura.

"Erdogan não quer perder e vai fazer tudo o que puder, seja de forma legal, ilegal, ou em 'zonas cinzentas', para vencer. E tem de o fazer (...) a campanha será dura".

Para além do voto da população curda (entre 15 a 20 milhões dos 85 milhões de habitantes), o voto dos Alevis, outra minoria que segue uma tradição islâmica local diversa do predominante sunismo, também poderá revelar-se fulcral para o resultado final.

O devastador sismo de 06 de fevereiro passado que atingiu o sul e centro da Turquia (cerca de 48.000 mortos) e o norte e oeste da Síria (mais de 7.000 mortos) será outro fator a influir no desfecho eleitoral.

"Nos primeiros dias, a situação foi muito crítica porque as operações de busca e salvamento deveriam ter-se iniciado de imediato, e em algumas zonas houve atrasos de dois, três dias", recorda Ilhan Uzgel.

"As pessoas afetadas ficaram muito desapontadas com a resposta do Governo, não creio que seja absolutamente decisivo nas eleições, mas terá decerto um algum impacto negativo para Erdogan", adianta. ´

Leia Também: Vitória da oposição a Erdogan "não mudará radicalmente" diplomacia turca

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