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Vitória da oposição a Erdogan "não mudará radicalmente" diplomacia turca

O académico turco Ilhan Uzgel considerou em entrevista à Lusa que uma eventual vitória da oposição ao Presidente Recep Tayyip Erdogan nas eleições de maio na Turquia não irá alterar radicalmente a posição turca face à guerra na Ucrânia.

Vitória da oposição a Erdogan "não mudará radicalmente" diplomacia turca
Notícias ao Minuto

10:10 - 11/03/23 por Lusa

Mundo Turquia

"Em caso de vitória da oposição nas eleições, não haverá uma mudança radical em relação à guerra na Ucrânia. Ao contrário de outras crises durante os governos de Erdogan, a posição da Turquia face à crise ucraniana é equilibrada. Nenhum novo Governo irá alterá-la", indicou o professor de relações internacionais na Universidade de Ancara.

"Já sobre as relações com a Rússia, existem problemas mais sérios. As relações entre a Turquia e a Rússia assumem uma característica mais personalizada, tornou-se numa relação entre Erdogan e o Presidente russo, Vladimir Putin", prosseguiu Uzgel, cujo último livro é "A Política externa turca após o presidencialismo", editado em 2022, e que colabora com diversos 'media' não institucionais.

"Não sabemos o que se passa entre os dois líderes [russo e turco], as conversas não são gravadas, não há registos dos seus encontros, que negociações paralelas prosseguem entre as duas partes", disse à Lusa o académico, ex-responsável pelo Departamento de Relações internacionais na faculdade de Ciência política da Universidade de Ancara, demitido das suas funções em 2017 por decreto presidencial.

O investigador prevê, contudo, uma alteração da relação entre Ancara e Moscovo no caso de vitória do bloco da oposição nas eleições presidenciais e legislativas de 14 de maio próximo e num confronto direto com Erdogan, Presidente islamita conservador no poder desde 2003.

"A oposição prometeu que as relações com a Rússia serão institucionalizadas. Não será uma diplomacia entre os líderes ou por telefone. Caso vençam, as relações com a Rússia não serão as mesmas após as eleições", adiantou.

Ilhan Uzgel assinala, contudo, que esta nova abordagem não significará necessariamente uma alteração da política de Ancara face à guerra na Ucrânia.

"A posição da Turquia é equilibrada, não impôs sanções à Rússia, mas fechou os estreitos turcos aos navios de guerra russos... A Turquia ajuda a Ucrânia, mas não pretende confrontar a Rússia, mesmo que condene a invasão russa nas Nações Unidas. É uma política equilibrada que vai prosseguir após as eleições".

Uma abordagem partilhada por José Pedro Teixeira Fernandes, académico e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), autor de diversos livros sobre geopolítica e a Turquia contemporânea, mesmo que em entrevista à Lusa admita algumas alterações na diplomacia de Ancara em caso de vitória da oposição.

"A vitória da oposição podem ser boas notícias para a grande coligação que apoia a Ucrânia e os seus aliados políticos, mas o facto de a Rússia estar sob enormes sanções e usar a Turquia, e a China, como canal de acesso a produtos do mercado internacional tem sido muito benéfico" para Ancara, assinalou.

"Paradoxalmente, a economia turca, também um fator chave de decisão dos eleitores turcos, ganhou muito com o enorme aumento do comércio com a Rússia, como o facto de se ter tornado num entreposto de saída da Rússia para o mundo exterior e permitir que torneasse as sanções", um fator que considera muito negativo para o ocidente, adianta.

"Percebe-se que há uma triangulação de comércio de produtos que vêm da China, eventualmente o gás do Azerbaijão... E isso tem trazido um afluxo enorme de dinheiro à Turquia e duvido que a oposição, mesmo chegando ao poder, o queira quebrar. Esta possibilidade de mudança tem de ser vista de forma mais temperada", precisou.

O investigador do IPRI admite contudo que poderá ocorrer "uma tarefa mais simples" no caso de vitória da coligação anti-Erdogan, com o fim dos bloqueios impostos até o momento por Ancara no processo de adesão da Finlândia, e particularmente da Suécia, à NATO.

Um cenário que deverá ser excluído caso Erdogan vença o escrutínio presidencial e o seu Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, no poder) as legislativas.

"Será a continuidade, a mesma linha em política externa, a mesma navegação no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, onde nunca se percebe bem de que lado está a Turquia, e ainda antecipar que a adesão da Suécia e Finlândia, em particular da Suécia, vai continuar a ser um assunto muito delicado para a Suécia", disse o académico.

A vitória das formações da oposição poderá supor "uma orientação mais claramente pró-ocidental e pró-União Europeia", admite Teixeira Fernandes, mesmo que não se evitem situações problemáticas.

"Pode admitir-se que novo Presidente e Governo vão querer relançar seriamente as negociações com a UE, desbloquear os 'dossiers' que estão parados, fazer alterações em termos de direitos humanos, estado de Direito, serão opções positivas... Mas se pensarmos numa UE a tratar em simultâneo de uma adesão da Ucrânia e da Turquia, é um problema interminável. Podemos ter aqui uma ironia...", frisou.

A crise económica na Turquia, com uma inflação e um desemprego ainda descontrolados, serão outro aspeto determinante para o desfecho do embate eleitoral de 14 de maio, e quando as classes média e baixa têm sido as mais penalizadas, acrescenta Ilhan Uzgel, um dos alvos da deriva repressiva do regime, em particular após o golpe de Estado falhado de junho de 2016.

"Na Turquia existe uma situação especial, Erdogan garante um eleitorado próprio que o apoia e que não se altera em qualquer circunstância, ao contrário do que sucederia em outros países da Europa. Votam por Erdogan em qualquer caso, são cerca de 30% do eleitorado, um número importante. Mas insuficiente para garantir uma nova vitória", afirma Uzgel.

Um setor do eleitorado que permanece imune à "enorme pressão sobre a sociedade civil turca, que enfraqueceu", sustentou.

"O Governo controla quase todas as universidades na Turquia. Era costume elegermos os nossos presidentes e reitores. O Governo cancelou essa prática e todos os presidentes das universidades são designados por Erdogan. Em particular fora das grandes cidades, as universidades são controladas diretamente pelo Governo, que tenta controlar a autonomia do trabalho científico".

Uma "politização" das universidades por parte do Governo que implicou uma "opressão" quase generalizada, considera.

"Quem for crítico do Governo pode por vezes acabar na prisão, detido pela polícia, interrogado... Uma pressão sobre a sociedade civil, os 'media', a vida intelectual", concluiu.

Leia Também: Presidente da Turquia marca eleições para 14 de maio

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