"Não sei quais são as suas verdadeiras intenções, mas acredito que uma das razões pelas quais o Presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo está a antecipar ilegalmente as eleições presidenciais é a contínua deterioração da situação de crise económica e social no país, causada pela sua má gestão, e que tem consequências imprevisíveis e incertas", afirmou à Lusa Andrés Esono Ondo, líder da Convergência para a Democracia Social na Guiné Equatorial (CPDS, o único partido da oposição, legalizado no país).
"Obiang pode ter decidido antecipar as eleições presidenciais para prevenir as consequências terríveis da crise, que podem levar a convulsões sociais", acrescentou Esono Ondo.
Gabriel Nse Obiang, líder do Ciudadanos por la Innovatión (CI), ilegalizado em 2018, também desconhece as razões da antecipação das presidenciais e, desde logo, se o chefe de Estado, atualmente com 80 anos, "quer ir a eleições para cumprir mais um mandato ou se quer entregar o poder ao filho", Teodoro Nguema Obiang Mangue, ou "Teodorín", como é conhecido.
"Ele quer eleições antecipadas, e se as ganhar como costuma, com 100% dos votos, em menos de um ano dirá que se demite, entregando o poder a Teodorín para governar os restantes seis anos. Talvez seja este é o plano dele, não sabemos exatamente", acrescentou Nse Obiang.
Andrés Esono Ondo não acredita que Obiang tenha a intenção de entregar o poder ao filho, mas aventa outra razão possível: "não dar tempo à oposição para se organizar".
Obiang recebeu os líderes dos partidos legalizados no Palácio do Povo no passado dia 8, a quem comunicou o "sucesso" da comissão encarregada do recenseamento eleitoral, nomeadamente pelo aumento de 29% do número de eleitores inscritos em relação ao último recenseamento eleitoral.
O Presidente confirmou igualmente que irá aceitar a "declaração institucional" das duas câmaras do parlamento equato-guineense, que solicitaram na semana passada a antecipação das presidenciais, fazendo-as coincidir com as legislativas e locais previstas para novembro.
"Ele [o Presidente] disse ter aceitado a sugestão, devido aos terríveis efeitos económicos da pandemia, às explosões no quartel militar em Nkoantoma [em março de 2021], e à inflação ligada à guerra na Ucrânia, que poderá levar a uma fome global. Afirmou que tal situação exige eleições antecipadas, razão pela qual decidiu sacrificar um ano do seu mandato presidencial", disse Esono Ondo.
O líder da CPDS terá, segundo o próprio, apontado ao chefe de Estado "numerosas irregularidades" no processo de recenseamento por ação direta do Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE, no poder há 43 anos), acusando-o de "inflacionar as listas dos cadernos eleitorais através do registo de menores e ausentes".
Quanto às presidenciais, a CPDS manifestou o seu "total desacordo" com a sua antecipação, que "viola" vários artigos da constituição do país.
Os representantes de 14 partidos coligados ao PDGE presentes no Palácio do Povo terão, segundo o partido de Esono Ondo, "felicitado" o Presidente Obiang "pela coragem" e "determinação em liderar o destino do país", e "apoiaram a realização antecipada das eleições presidenciais".
Os dois líderes da oposição acreditam que Teodoro Obiang será o candidato à sua sucessão, até porque, como afirma Gabriel Nse Obiang, o chefe de Estado "sabe que, se não participar nas eleições e entregar essa responsabilidade ao filho, Teodorín não vai ganhar. Teodorín nunca conseguirá ganhar eleições aqui", reforçou o líder da CI.
"Por isso, Obiang quer fazer isto: ganhar as eleições, e, ao fim de um ano, dizer que está cansado e entregar o poder a Teodorín. Acreditamos que esse é o plano dele", acrescentou.
"De acordo com a Constituição da Guiné Equatorial, o vice-presidente sucede ao Presidente em caso da sua demissão, incapacidade ou morte; mas enquanto Obiang estiver vivo e tiver força para se manter como Presidente da República, acredito que nunca entregará o poder ao seu filho", contrapôs Andrés Esono Ondo.
"Contudo, colocou-o na 'pole position' na corrida para a sucessão do chefe de Estado", acrescentou.
Quanto ao que podem fazer para contrariar a estratégia de poder de Teodoro Obiang, os dois líderes da oposição concordam na resposta: "nada".
"Não podemos fazer nada. Não estamos de acordo com a decisão, mas também não temos meios para invertê-la", disse Esono Ondo. "Obiang é um ditador e o ditador impõe o seu critério e faz o que quer, inclusivamente violando a Constituição", acrescentou.
"Mas o que é que podemos fazer? Neste momento, não temos como convocar qualquer manifestação porque o povo está completamente assustado, está completamente intimidado. Portanto, se apelarmos à população para que se manifeste, para além da ditadura não admitir manifestações, ninguém sairá à rua, porque toda a gente tem medo", afirmou ainda.
"Estamos de mão atadas, porque Obiang controla o Tribunal Constitucional, controla o Parlamento, controla o Governo, controla a Procuradoria-Geral da República, controla tudo e não temos como contrariar nenhuma das suas decisões", acrescentou Gabriel Nse Obiang.
"Só a comunidade internacional é que pode fazer alguma coisa e dizer-lhe que o que está a fazer é ilegal. Estamos a apelar à comunidade internacional, à CPLP e aos governos democráticos para que não permitam que Obiang volte a operar outro golpe de Estado na Guiné Equatorial, como em 1979. Porque estas eleições são um golpe contra a democracia. Ele quer voltar a assaltar o poder na Guiné Equatorial, quando o nosso povo já não o quer para nada", sublinhou o líder da CI.
"É preciso que a comunidade internacional, a CPLP e os governos da União Europeia exijam o cumprimento dos parâmetros democráticos e jurídicos, com a inclusão de todos os partidos políticos, incluindo o CI, em quaisquer futuras eleições", acrescentou Nse Obiang.
Andrés Ondo não acredita na comunidade internacional. "A experiência mostra-nos que a comunidade internacional não se orienta pelos interesses gerais da humanidade, mas sim pelos interesses dos Estados e poderes individuais. É por isso que há muito que perdemos a esperança de que a comunidade internacional possa desempenhar um papel na democratização dos países", afirmou.
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