Em Cabul "todos tínhamos um sentido agudo" de que a queda era previsível

Dois dias antes da capital afegã cair nas mãos dos talibãs, Bruno Maçães saiu de Cabul após uma estada de uma semana marcada, segundo recorda à Lusa, pelas certezas de muitos que a tomada da cidade estava por dias.

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© Omar Sobhani/Reuters

Lusa
18/08/2021 21:31 ‧ 18/08/2021 por Lusa

Mundo

Afeganistão

 

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"Todos nós em Cabul discutíamos quando é que a cidade iria cair e tínhamos um sentido muito agudo de que seria nos próximos dias. Por isso é muito estranho, bizarro, que os serviços de inteligência americanos aparentemente não tenham percebido o que se passava e estamos a ver agora as consequências, porque a situação em Cabul é de completo caos e amigos meus já não conseguiram sair", afirmou à Lusa o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus (2013-2015) que atualmente escreve sobre geopolítica e viagens.

Nos últimos dias, Bruno Maçães tem conseguido manter o contacto com vários amigos, ocidentais e afegãos, que ainda permanecem em Cabul, que relatam uma rotina marcada por algum pânico, por constrangimentos e caos - em particular nos acessos ao aeroporto da capital afegã -, e por alguns episódios registados nas ruas controladas pelas forças talibãs, que desde domingo controlam o Afeganistão.

"Conheço jornalistas em Cabul, jornalistas afegãos, que tentaram sair hoje de manhã e foram apanhados por uma patrulha talibã. São disciplinados com chicote e umas pancadas, e são mandados de volta e não podem entrar no aeroporto", afirmou, dando conta igualmente da ocorrência de "disparos descontrolados" na cidade.

Até hoje, segundo Bruno Maçães, "as comunicações estão normais" e "a Internet continua a funcionar", uma vez que os atuais talibãs, que aparentemente surgem com uma postura mais moderada e atual, decidiram não interromper os canais de comunicações.

Bruno Maçães não esconde, porém, que está "muito pessimista" em relação ao que vai acontecer nos próximos dias, alertando que "há vários jornalistas, mulheres, jovens, que vão precisar de sair do Afeganistão na próxima semana" porque, segundo frisou, rapidamente a situação pode tornar-se "insustentável para uma larga camada da população afegã".

"Pessoas que trabalharam com a imprensa ocidental estão em imenso risco de serem punidos pelos talibãs, talvez não na primeira semana (...), mas depois as coisas ficam muito feias rapidamente", exemplificou o ex-secretário de Estado, destacando, neste campo, a disponibilidade manifestada por Portugal para receber cerca de 50 refugiados afegãos que colaboraram com os países ocidentais.

E prosseguiu: "Há muita gente que embora preferisse não viver num regime talibã não terá outra possibilidade. Se o regime se tornar violento ou se houver uma guerra civil então teremos milhões de refugiados".

Para Bruno Maçães, uma futura e potencial vaga de refugiados, "de um, dois milhões de pessoas" que terão como "destino óbvio" a Europa, será um dos grandes impactos decorrentes dos recentes acontecimentos no Afeganistão.

Mas existem outros como, por exemplo, económicos.

"Também a parte económica é importante, porque há um todo tecido económico em Cabul que se desenvolveu nos últimos 20 anos e que não existia com os talibãs e que talvez não possa existir com os talibãs", apontou Bruno Maçães, mencionando as opiniões muito radicais que os designados "estudantes de teologia" têm em relação ao lucro, mas também os problemas impostos por um previsível isolamento internacional.

Já no tabuleiro da geopolítica mundial, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus chama a atenção para as reações e para os impactos que a situação afegã terá no bloco europeu e em países como a China, Índia, Irão e, em particular, nos Estados Unidos da América (EUA).

"Incompetência, colapso e abandono, acho que são as palavras para descrever o que está a acontecer ao poder americano no Afeganistão e isso tem o seu impacto ao nível do prestígio americano no mundo", finalizou.

Após uma ofensiva relâmpago, os talibãs tomaram Cabul no domingo, o que assinalou o seu regresso ao poder no Afeganistão, 20 anos depois de terem sido expulsos pelas forças militares estrangeiras (Estados Unidos da América e NATO).

Foi o culminar de uma ofensiva que ganhou intensidade a partir de maio, quando começou a retirada das forças militares norte-americanas e da NATO.

As forças internacionais estavam no país desde 2001, no âmbito da ofensiva liderada pelos Estados Unidos contra o regime extremista, que acolhia no seu território o líder da Al-Qaida, Osama bin Laden, principal responsável pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Depois de terem governado o país de 1996 a 2001, impondo uma interpretação radical da 'sharia' (lei islâmica), teme-se agora que os radicais voltem a impor um regime de terror, nomeadamente ao nível dos diretos fundamentais das mulheres e das raparigas.

Leia Também: Ghani diz apoiar negociações entre talibãs e o seu predecessor Karzai

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