"O voto extremista pode estar associado a emoções em estado bruto"

Quais os efeitos psicológicos da instabilidade política e do crescimento da extrema-direita em Portugal? O Lifestyle ao Minuto entrevistou Patrícia Câmara, psicóloga, psicanalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática para responder a estas questões e conseguir lidar com esta nova realidade.

Incerteza política

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Mariana Moniz
05/06/2025 08:37 ‧ ontem por Mariana Moniz

Lifestyle

Política

No dia 18 de maio, Portugal foi novamente a eleições legislativas depois de o Governo ter caído em março. Foi a terceira vez, em três anos, que os eleitores se dirigiram às urnas. 

 

Portugal estava acostumado a governos estáveis, mas agora atravessa um período mais conturbado com uma sucessão de executivos que não conseguem levar o seu mandato até ao fim.

Apesar das polémicas em torno do primeiro-ministro, Luís Montenegro, a Aliança Democrática voltou ao poder no mês passado. Porém, há algo que assusta os portugueses menos conservadores: a ascensão da extrema-direita, em Portugal dirigida por André Ventura, do partido Chega.

Posto isto, questiona-se se os efeitos psicológicos da instabilidade política e do crescimento da extrema-direita em Portugal são uma realidade. Para entender melhor este fenómeno, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Patrícia Câmara, psicóloga, psicanalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática.

Como é que os portugueses reagem à incerteza do país? De que forma a instabilidade política afeta a ansiedade? Estas foram algumas das questões a que a especialista se propôs a responder.

Notícias ao Minuto © Patrícia Câmara  

A ansiedade potenciada ou agravada por fatores políticos é uma realidade?

Com certeza que sim! A antecipação de algo que imaginamos possa acontecer e que tem impacto na nossa vida causa ansiedade. Os fatores políticos têm uma ação direta naquilo que é a atmosfera psicossocial e o seu impacto é inequívoco. Mais conscientes dele ou menos, a verdade é que a onda de agitação em torno daquilo que nos vai aparecendo como uma possibilidade das políticas a que vamos estar sujeitos não deixa ninguém indiferente. A uns a ansiedade da espera por ver cumprida qualquer coisa que se imagina trazer condições da vida a que se sente ter direito, a outros a ansiedade antecipatória do receio de se ver expropriados da qualidade de vida que sente ter ou ainda a ansiedade de temer perder aquilo que garante condições de se ser.

A ansiedade pode ser potenciada e acentuar-se de forma mais radical se as políticas que se aproximam trouxerem consigo diminuição de direitos conquistados ou acarretarem posicionamentos que implicam transformações acentuadas naquilo que são alicerces estruturais da forma de vida de cada um. Sempre que um fator político põe em causa a perda de uma determinada forma de vida que sustenta a organização dessa própria vida a ansiedade pode ser mais significativa e mais difícil de suportar e de se pensar.

Se eu sentir que a minha vida está nas mãos de pessoas que mudam o racional do seu pensamento e ação de forma pouco inteligível e arbitrária, é natural que a minha saúde mental fique ameaçada

A incerteza política pode ter consequências diretas na saúde mental e bem-estar? De que forma?

Mais do que a incerteza política, a insegurança cheia de imprevisibilidades nas políticas e nos políticos. Isto é, a sensação de que o terreno que se está a pisar não transmite a confiança necessária a que se vejam garantidas, por ausência de consistência ou pela presença de incoerências estruturais, a previsibilidade necessária à tranquilidade da vida quotidiana, tem impacto direto e indireto na saúde mental em particular, mas na saúde em geral. Somos mente e corpo em simultâneo e aquilo que nos acontece, acontece nesta unidade psicossomática a que não podemos fugir e que depende, também, da relação com os outros. 

Se eu sentir que a minha vida num sentido mais lato e, simultaneamente, mais singular, está nas mãos de pessoas que mudam o racional do seu pensamento e ação de forma pouco inteligível e arbitrária, é natural que a minha saúde mental fique ameaçada. Não saber em que confiar e em quem confiar para aquilo que é a gestão do espaço onde a vida acontece, aumenta a insegurança que diminui a capacidade de lidar até com a própria incerteza. A arbitrariedade é, em si mesma, enlouquecedora. Por isso pode ampliar as nossas angústias e sensações de desamparo, aumentando movimentos e tentativas de regulação psicofisiológica (emocional e física) mais excessivos e, nessa medida, mais adoecidos. 

A insegurança causada pela arbitrariedade ou pela possibilidade de políticas que ameacem ou potenciem a sensação de perigo é fonte de múltiplos adoeceres psicossociais

Se as políticas e fatores políticos que se apresentam tiverem imbuídos de uma ameaça àquilo que sentimos que é a nossa integridade psíquica e social, o risco de adoecer, de que se dilatem pequenos sintomas que já trazíamos ou que se reativem memórias explícitas e implícitas de situações traumáticas, é maior. A insegurança causada pela arbitrariedade ou pela possibilidade de políticas que ameacem ou potenciem a sensação de perigo é fonte de múltiplos adoeceres psicossociais. 

Assim, creio, que os períodos de grande incerteza são tanto mais suportáveis quanto menos dependem de arbitrariedades difíceis de ser enquadradas num referencial lógico e quanto menos pressupõe alterações significativas naquilo que é o nosso modo de vida. Mesmo quando se almeja mudança.

Se a instabilidade governamental é acentuada e a suspeita de perda de direitos fundamentais ou de mudanças abruptas nas políticas paira no ar, a ansiedade será, com certeza, maior

Como é que uma crise política pode potenciar os sinais e sintomas de ansiedade?

Durante uma crise política o futuro torna-se mais incerto do que a incerteza que a vida em si mesma já traz. O desconhecido reapresenta-se e o medo do que possa acontecer, normalmente gera ansiedade. A vida, nas suas múltiplas facetas, estabilidade social, segurança individual, emprego, economia, cultura, fica refém de um lugar ainda por definir. Se a instabilidade governamental é acentuada e a suspeita de perda de direitos fundamentais ou de mudanças abruptas nas políticas paira no ar, a ansiedade será, com certeza, maior.

É natural que sintomas como: alterações do sono, pesadelos, taquicardia, agitação, pensamentos mais catastróficos, surjam. Os sintomas começam por ser adaptativos, porque buscam preparar-nos para lidar com a ameaça que sentimos, contudo, podem tornar-se incapacitantes. Quer seja pelo confronto permanente com a ameaça, quer seja por que aquilo que tememos ver acontecer nos abre feridas antigas mal suturadas ou de significativa cicatriz. 

Durante as crises políticas, a polarização e divisão de pensamentos leva à polarização social e familiar, geradoras de um ambiente relacional desagradável, hostil e tenso

A própria exposição permanente a informação e desinformação sobre a crise acarreta níveis de ansiedade e de hiper vigilância tremendos que ampliam o circuito de esgotamento do processamento habitual do medo e convocam o cortisol a níveis psicossomaticamente preocupantes.

Sabemos ainda que, durante as crises políticas, a polarização e divisão de pensamentos leva à polarização social e familiar, geradoras de um ambiente relacional desagradável, hostil e tenso. A antecipação de momentos familiares ou entre amigos onde vão estar pessoas com perspectivas diametralmente opostas acarreta o medo do que possa acontecer nesses encontros.

A ansiedade é assim uma problemática que se instala percorrendo as diferentes complexidades e áreas da nossa vida. Mas a ausência de níveis mínimos de ansiedade também seria de estranhar ou pelo menos de inquietar dada a dimensão que os fatores políticos têm na nossa vida individual e coletiva.

Quando a desconfiança se instala, a probabilidade de aparecerem movimentos individuais e coletivos mais primários, mais enraivecidos, isto é, menos refletidos é significativa

Tendo em conta que o Governo já caiu mais do que uma vez no espaço de três anos, como é que as pessoas reagem à incerteza do país?

É provável que possam reagir com níveis de descrença cada vez maiores no que à vida política e à política diz respeito. Esta descrença pode conduzir à descredibilização de todo o sistema político. A transmissão de uma instabilidade política ou a dificuldade de compreender o que subjaz essa instabilidade pela desinformação muitas vezes veiculada, torna a confiança na previsibilidade e consistência um lugar de difícil acesso. E quando a desconfiança se instala, a probabilidade de aparecerem movimentos individuais e coletivos mais primários, mais enraivecidos, isto é, menos refletidos é significativa. 

Claro que a reação de cada um de nós é singular e em cada um de nós esta incerteza pode causar movimentos diferentes. A agitação política, tal como a agitação individual, também é sinal de movimento e pode despertar internamente a esperança ou o pânico. A questão que a torna com maior potencial de gerar adoeceres é a de que a solução futura possa estar associada a mudanças abruptas com perdas psicossociais acentuadas. 

Alegadas faltas de transparência democrática podem afetar a ansiedade e o medo?

Claro que sim, a falta de transparência é, em si mesma, uma atitude antidemocrática, porque não vai ao encontro daquilo que é conceptualmente a democracia. Esta irregularidade naquilo que era suposto encontrarmos gera desconfiança. Se as suspeitas de falta de transparência se tornam recorrentes é natural que o sistema de alerta se ative em nós. Uma vez mais, esta ativação do sistema de alerta será diferente em cada pessoa pela singularidade da bagagem que transportamos. 

Contudo, é natural que a percepção de que os processos políticos não são confiáveis ou justos possa acentuar a sensação de vulnerabilidade, insegurança e traição. A falta de clareza e compromisso é geradora de ansiedade e medo, e pode conduzir à desesperança. 

É natural que possam existir picos de ansiedade no momento da queda do governo, uma vez que remete para um momento de rutura e de dúvidas fortes quanto ao futuro

Consegue identificar em que momentos as pessoas sentem mais ansiedade? Será logo após a queda do Governo, durante a noite eleitoral, ou é algo que vai mudando ao longo do tempo com os discursos dos políticos e as informações transmitidas pelos órgãos de comunicação social?

É difícil identificar quais os momentos que geram maior ansiedade e, provavelmente, serão momentos que podem gerar tipos de ansiedades diferentes. Contudo, é natural que possam existir picos no momento da queda do governo, uma vez que remete para um momento de rutura e de dúvidas fortes quanto ao futuro. Bem como, durante o dia e noite eleitorais pela expectativa dos resultados, entre o medo e a esperança de encontrar o resultado político que se sente dar a tranquilidade necessária àquilo que cada um de nós considera qualidade de vida. Porém, nos dias seguintes às eleições, a ansiedade pode aumentar ou diminuir de acordo com os discursos políticos e a cobertura mediática. Será, claramente potenciada, quando se agudizam os discursos políticos polarizados ou os discursos políticos com coberturas alarmistas. A confiança institucional e a linguagem dos órgãos de comunicação social influenciam profundamente a intensidade emocional. 

O posicionamento dos órgãos de comunicação social na não possibilitação de uma linguagem de violência é urgente e necessário

No incremento da ansiedade não podemos deixar de fora o que se passa nas caixas de comentários às notícias de informação, uma vez que são espaços onde a polarização de perspectivas é muitas vezes posta em cena sob a forma de agressões e ataques ao caráter. O posicionamento dos órgãos de comunicação social na não possibilitação de uma linguagem de violência é urgente e necessário para a não validação de uma linguagem destrutiva que conduz ao ressentimento e reforço de incompatibilidades sem um terreno mínimo de possibilidade de discussão saudável de temáticas. A palavra dita tem impacto e a reparação desse impacto pode demorar muito tempo a ser conseguida. Era importante que não confundíssemos liberdade de expressão com agressão gratuita. Os estados mais primários da nossa mente precisam de ser contidos e elaborados, agidos tornam-se fontes de muitos e perigosos adoeceres.

As crises constantes e a falta de alternativas claras podem contribuir para a sensação de que é indiferente votar

A incerteza política pode aumentar a taxa de abstenção nestas pessoas em particular?

Os efeitos da incerteza política na taxa de abstenção variam de acordo com o contexto e com o perfil do eleitorado. A crise política pode ter potencial para aumentar a taxa de abstenção, se gerar desconfiança nas instituições. As crises constantes e a falta de alternativas claras podem contribuir para a sensação de que é indiferente votar. Contudo, pode também mobilizar eleitores em busca de mudança ou eleitores que normalmente não votariam, mas que vão votar porque sentem que é um momento crucial da vida política do país. Assim, o impacto vai depender do grau de envolvimento político e da percepção de que o voto pode fazer a diferença. 

Informar-se sobre os programas e desmontar narrativas extremistas é essencial para resistir e não sucumbir ao medo

A extrema-direita está a ascender, não só em Portugal, mas na Europa. Como se lida com o medo de um partido que visa cortar determinados direitos que já foram adquiridos, nomeadamente para as mulheres?

O medo é uma resposta saudável e deve ser reconhecido como uma reação natural à ameaça de discursos e políticas que visam limitar liberdades fundamentais. Informar-se sobre os programas e desmontar narrativas extremistas é essencial para resistir e não sucumbir ao medo. Lembrando que a cooperação e a necessidade da relação empática e afetiva com o outro é, desde os confins da nossa existência psicossomática, sítio de saúde e de reforço de formas de estar na vida em que o "poder de amar é maior do que o amor ao poder", como dizia o psicanalista António Coimbra de Matos. Esta consciência é importante para despertar face ao adormecimento que a violência das tentativas de aniquilação do lugar de identidade acarretam e para mobilizar a ação num sentido construtivo.

Sabemos que o lugar da mulher continua a ser fonte de ataque permanente com narrativas de silenciamento e de violência consentida

A participação ativa na vida cívica e na sociedade civil fortalece a saúde mental de todas as pessoas, porque nos torna agentes ativos daquilo que queremos ver acontecer. Criar redes de apoio e solidariedade ajuda a transformar o medo em ação coletiva e facilita o encontro interno com a confiança necessária a fazer da vulnerabilidade força. O envolvimento com a sensação de se estar envolvido numa causa comum, amplia a capacidade de partilhar de forma equitativa a vida e diminui a sensação de impotência, ampliando a capacidade de permanecer de forma ética na relação com as outras pessoas e com o mundo.

Contudo, sabemos que o lugar da mulher continua a ser fonte de ataque permanente com narrativas de silenciamento e de violência consentida. Fica a pergunta: 'Porque temem tantos homens o contacto com a sua própria vulnerabilidade? Que adoeceres coletivos não nos cansamos de perpetuar?'

Reagir com ansiedade à possibilidade da existência de um movimento político que ameaça restringir as liberdades individuais e repor lugares de segregação, é uma reação saudável

O crescimento da extrema-direita pode estar associado ao aumento de perturbações como a ansiedade e a depressão? Se sim, de que forma?

O crescimento da extrema-direita, pelo discurso e políticas que veicula, aumenta a ansiedade, em primeira instância, nas pessoas que mais diretamente se sentem visadas por ele. Contudo, uma vez que o discurso assenta em ideias de subalternidade e ataque às relações empáticas e éticas entre as pessoas, a atmosfera que se gera é, em si mesma, uma atmosfera adoecida, que adoece afetando qualquer pessoa que nela respire. 

Reagir com ansiedade à possibilidade da existência de um movimento político que ameaça restringir as liberdades individuais e repor lugares de segregação, é uma reação saudável, uma vez mais. Só se torna adoecida se, ao invés de mobilizar a ação, a paralise e adormeça. 

A ascensão da extrema-direita estará mais relacionada com a impossibilidade de viver a tristeza do que com a tristeza propriamente dita

A violência dos discursos e a segregação implícita e explícita é uma ataque ao vínculo, à humanidade. É a desumanização pela lei do pseudo mais forte que se sente detentor de um qualquer poder que vinga sem consciência da impossível separação total das outras pessoas. É, como dizia Freud, "um ódio a si mesmo agido no outro". Nessa medida, tem potencial depressígeno, isto é, pode ampliar a tristeza existencial e a decepção com aquilo que se esperava encontrar no mundo. A desumanização é depressígena, por isso é essencial resgatar a humanidade em nós na relação com as pessoas à nossa volta. A verdadeira força da humanidade vem da verdade do encontro que sabe que será sempre maior do que as pessoas que nele se encontram. 

Assim, se as pessoas estiverem mais deprimidas são alvos fáceis para serem invadidas por estes discursos e aumentar a sua depressão. A ascensão da extrema-direita estará mais relacionada com a impossibilidade de viver a tristeza do que com a tristeza propriamente dita. Com a impossibilidade de pensar em profundidade o que nos acontece do que com a ansiedade. 

Todas e quaisquer pessoas são alvo da extrema-direita. Uma comunidade que segrega uma parte de si é sempre uma comunidade adoecida

Existe algum grupo de pessoas (ex: jovens, idosos, mulheres, homens, comunidade LGBTQIA+) que se sinta mais vulnerável perante esta instabilidade política?

Todas e quaisquer pessoas são alvo da extrema-direita. Uma comunidade que segrega uma parte de si é sempre uma comunidade adoecida. Assim, apesar de numa primeira instância todos os grupos sociais que tenham a vulnerabilidade mais à flor da pele serem aqueles a quem a dor chega mais depressa, ela terá repercussões em todas as pessoas. A ferida coletiva da desumanização mantém-se ativa durante muito tempo e tem consequências tremendas na nossa saúde coletiva. 

Contudo, claro, sabemos que os mais fracos atacam os mais fortes, utilizando a lei do mais forte. Não me enganei. O que se esconde por debaixo do ataque à vulnerabilidade é, muitas vezes, um medo imenso de a viver. Assim, os aparentemente mais fortes atacam os mais fracos pela imposição de uma força coletiva de esmagamento da vulnerabilidade e o consentimento para ações violentas, de silenciar no outro o que não posso aceitar em mim, ou de silenciar no outro a possibilidade de ser ou não por ele escolhido, encontra nestes movimentos respaldo para se ver vingar. 

O voto extremista pode estar associado a medos não elaborados, emoções em estado bruto, frustrações ou percepções de insegurança, ausência de sentido com impulsividade destrutiva, e não apenas a convicções ideológicas profundas

O posicionamento extremo de alguns eleitores da extrema-direita vs. o posicionamento do eleitorado tradicional português pode ser potenciador de conflitos sociais e familiares? Se sim, como lidar com os mesmos?

O crescimento da extrema-direita em Portugal tem criado tensões entre eleitores com posições mais radicais e o eleitorado tradicional, historicamente moderado. Essas diferenças ideológicas, quando entram no espaço íntimo das famílias, podem gerar conflitos muito difíceis de gerir e digerir. E sabemos que, muitas vezes, o voto extremista pode estar associado a medos não elaborados, emoções em estado bruto, frustrações ou percepções de insegurança, na sua maioria induzidas, zanga assim consentida, ausência de sentido com impulsividade destrutiva e não apenas a convicções ideológicas profundas.

O respeito mútuo não implica ceder em princípios fundamentais e manter limites claros é essencial para proteger a dignidade e os direitos humanos

Lidar com essas divergências exige grande capacidade de reconhecer o outro sem nunca validar discursos discriminatórios ou permitir agressões ao caráter. É importante evitar confrontos diretos em momentos de maior tensão e procurar pontos de contacto baseados em valores comuns. O respeito mútuo não implica ceder em princípios fundamentais e manter limites claros é essencial para proteger a dignidade e os direitos humanos. Os exemplos práticos, mais do que os discursos 'moralistas', podem ter um impacto real. Contudo, o mais importante é não ceder ao ódio, à zanga e às vísceras, nem ao silêncio total, qualquer uma destas respostas alimenta a polarização. 

Enquanto psicóloga, já teve de tratar casos de ansiedade política? Quais os principais sintomas que os utentes apresentam e de que forma procura ajudá-los?

Sim, claro. A maior parte das pessoas tem experimentado essa ansiedade em graus muito diferentes de acordo com a sua personalidade, história de vida e o potencial impacto direto que possam ter estas políticas na própria vida. Os sintomas são os mesmos, agitação, perturbações do sono, pensamentos mais catastróficos, medo, e por aí fora. Esta ansiedade não é um sintoma isolado da própria história de vida, pelo que a compreensão dessa ligação é essencial à procura da tranquilidade necessária e possível ao que for acontecendo. 

O ataque ao prazer e à liberdade não é uma novidade na história da humanidade. E pensar sobre as dificuldades e desigualdades, querer mudança, não é o mesmo que partir a casa toda

Cada pessoa experimenta a ansiedade de forma diferente, pelo que a minha resposta psicoterapêutica é adaptada. Em todo o caso, é importante validar o medo que sustenta essa ansiedade, tornando evidente a possibilidade de viver com ele e para além dele, devolvendo o entusiasmo pela vida e pela relação que coopera e partilha dentro das suas diferenças.

O ataque ao prazer e à liberdade não é uma novidade na história da humanidade. E pensar sobre as dificuldades e desigualdades, querer mudança, não é o mesmo que partir a casa toda. Não se parte a casa toda, muito menos, sem se saber como é que se vai reconstruí-la e sem se saber se há materiais para a reconstruir. O ataque ao diferente é, uma vez mais, um ódio a si mesmo e um profundo terror do desconhecido.

Para garantir que o medo não se instala de forma permanente e insidiosa, comprometendo a nossa capacidade de pensar, é necessário diminuir a exposição aos conteúdos que nos causam esse medo

Mesmo no meio da incerteza, é possível controlar a ansiedade? Como?

Em primeiro lugar, e acima de tudo, reforçando os laços afetivos que nos fazem e tornam humanos. Sem lugares de aconchego a ansiedade só se controla plasticamente. A incerteza é, na sua essência, o apanágio da saúde mental. Aprender a viver, sabendo que a incerteza é a certeza mais constante da vida, é essencial para conversar com a própria ansiedade. A angústia, esse lugar mais fundo, necessita de companhia interna, e essa companhia é dada pela presença dos outros na nossa vida. Mas, claro, é esse amor ao outro que também nos amplia a própria ansiedade do medo da perda. A solução saudável não está na aniquilação da ansiedade que a ligação nos traz, mas na presença do outro com a ansiedade normal da vida. Só a presença do outro transforma angústia em pensamento e nos salva de reações mais primárias, agressivas, de domínio sobre a vulnerabilidade. 

Para garantir que o medo não se instala de forma permanente e insidiosa, comprometendo a nossa capacidade de pensar e de pensar antes de agir, é necessário diminuir a exposição aos conteúdos que nos causam esse medo. O confronto permanente com aquilo que nos inquieta e assusta pode adormecer-nos ou fazer-nos afastar de nós. 

Mesmo em momentos terríveis, o amor acontece e é ele que nos ajuda a não perder o pé da humanidade que nos mantém mais saudáveis, no sentido mais amplo da palavra

Assim, limitar o consumo de notícias, verificar a veracidade das informações que vamos encontrando, focarmo-nos em ações exequíveis, não desistir do entusiasmo pelas coisas importantes da vida, manter atividades habituais, são algumas das hipóteses que temos para gerir a ansiedade que estes momentos provocam. E, claro, se sentirmos que a ansiedade ou a angústia se estão a tornar insuportáveis é importantíssimo recorrer a apoio psicológico, psicoterapia ou psicanálise. E nunca esquecer, que mesmo em momentos terríveis, o amor acontece e é ele que nos ajuda a não perder o pé da humanidade que nos mantém mais saudáveis, no sentido mais amplo da palavra. 

Leia Também: Propaganda de extrema-direita dirigida a menores detetada na Europa

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