Com 45 anos de carreira, o cantor brasileiro Guilherme Arantes diz-se pronto e empenhado em levar a sua música aos portugueses.
No final de 2020 esteve em Portugal depois de ter lançado um novo disco e conversou com o Notícias ao Minuto, sem nunca deixar de lado o carinho que tem pelo nosso país.
A carreira foi o foco da entrevista, mas nos seus desejos para este 2022 não fica esquecido o país natal. "Que volte a ser a nossa nação alegre e inspirada".
Tem estado em Ávila, Espanha, onde até passou o confinamento durante a pandemia. Tem alguma ligação especial com este lugar?
Ávila é uma cidade adorável e acolhedora, histórica, serrana, no interior, muito peculiar ao turismo religioso, com um património de monumentos, especialmente a muralha restaurada. É uma capital gastronómica, literária, que nos encantou, a mim e à minha esposa Márcia. Temos moradia em Ávila, e agora um estudiozinho também. Deixou de ser simplesmente uma temporada, porque somos residentes. Ela é espanhola, de família galega, e eu também tenho nacionalidade italiana.
O facto é que pode ter sido negligencia estratégica mesmo, de não ter perseverado nessa ideia de vir a Portugal trabalhar. Mas para esse sonho se realizar tenho uma trajetória consistente
Li numa entrevista a um portal de música do Brasil que a sua ideia é divulgar o trabalho pela Península Ibérica. Este é um desejo antigo?
Claro que é! Estive em Portugal em 1992 e fiquei apaixonado não só por Lisboa e Porto, mas por Coimbra, Sintra, Cascais, Fátima, Braga, e muito peculiarmente, Aveiro… Os Arantes são de Braga, com remotas raízes na Galiza, Arantei fica à beira do Minho.
Aos 45 anos de carreira, nunca surgiu a oportunidade da sua carreira chegar à Europa?
Sempre tive uma ocupação do tempo no Brasil muito intensa, com tournées todos os anos, então fui deixando o tempo passar, anos e décadas a fio, trançando estradas e voos pelo Brasil, que é tão imenso… Um continente… O facto é que pode ter sido negligencia estratégica mesmo, de não ter perseverado nessa ideia de vir a Portugal trabalhar. Mas para esse sonho se realizar tenho uma trajetória consistente, e até uma caixa comemorativa dos 40 anos reunindo todos os 30 discos que gravei.
Numerosas trilhas de novelas na Globo e importantes interpretações de Elis, Bethania, Caetano, Roberto Carlos, Fafá de Belém, Joanna, Leila Pinheiro, Vanessa da Mata, Ana Carolina, Gal Costa, e muitas dezenas de outros grandes nomes, fazem de mim uma possível surpresa para Portugal apreciar um dia, ainda que tardiamente na carreira…. É um sonho real meu, mas totalmente viável! Vontade não falta.
Uma parte mais difícil para mim e para a minha geração (anos 70/80) foi a década de 90 com a migração dos discos para o formato digital
O que recorda do início desta caminhada no mundo da música?
São muitas décadas de sobrevivência, em todos os sentidos da palavra, especialmente a sobrevivência estilística. Como sempre mantive minha música ancorada no piano, venho de uma linhagem muito definida do piano brasileiro que passa por Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Villa Lobos, Tom Jobim, Johnny Alf, João Donato, Marcos Valle, Antonio Adolfo , Taiguara, Ivan Lins, Wagner Tiso, Flavio Venturini, Leila Pinheiro, Delia Fischer, e passa por mim também, desembocando nas novas gerações, como Ed Motta, Marcelo Jeneci, Silva, Amaro Freitas, Zé Manuel e por aí…
Sou de uma família muito musical, por parte de meu pai, inclusive tenho um primo, Solano Ribeiro, que é um marco na música popular do Brasil tendo sido o diretor geral dos grandes festivais, que consagraram Chico Buarque, Gil, Caetano. Eu mesmo participei de um festival mais temporão, na década de 80 com a música 'Planeta Água', que se tornou legendária na minha carreira. Fui criado nesse ambiente, fui um adolescente que estava naqueles auditórios do Fino da Bossa, Jovem Guarda e Tropicalismo.
Acredito que já viveu muitos momentos bons e maus ao longo destes 45 anos na música… Consegue destacar um bom e um mau?
Um bom momento foi 'Amanhã', tema da Sónia Braga em 'Dancin Days', em 1978… Uma parte mais difícil para mim e para a minha geração (anos 70/80) foi a década de 90 com a migração dos discos para o formato digital, o que favoreceu terrivelmente o entretenimento de massa, o surgimento das “baladas coletivas” e a ascensão dos géneros mais radicalmente marqueteiros, que passaram a dominar a cena brasileira com um rompimento drástico no comportamento dos públicos jovens. Tudo se tornou mais pulverizado e pragmático, sem os elementos de reflexão mais sentimental que formavam o eixo da musica do Brasil. Isso perdura até hoje.
Lançou recentemente o álbum 'A Desordem dos Templários'. O que mais destaca neste trabalho e o que difere este de outros?
Ele traz elementos do progressivo dos anos 70, que são a marca da minha safra de compositores. Traz um reatamento com as estéticas do Cordel, do Armorial, que são movimentos ibéricos muito ligados às sagas portuguesas. Traz também uma clara inclusão de temas e elementos medievais, renascentistas e barrocos. É uma viagem minha, muito peculiar. Mas as canções são doces, são de reflexão amorosa, mantém uma unidade forte com o meu estilo especial de compor.
Quem é a sua maior inspiração?
Milton Nascimento e o Clube da Esquina.
E como é o seu processo de criação?
Eu componho invariavelmente a música em primeiro lugar. As letras precisam do caderno espiral e de muito lápis e borracha. É um jeito 100% antigo e analógico de ir burilando os versos… É preciso muita leitura de livros, de poetas e contos, de biografias, simultaneamente às escritas para estimular… É uma temporada de imersão nesse estafo criativo…
Agora sinto-me ainda mais e definitivamente "fisgado" pela ideia de estar sempre presente em Portugal
Esteve em Portugal... Não foi a primeira vez no nosso país...? Como foi a primeira vez em que esteve em Portugal e como é que vê o povo português?
Estivemos uns dias agora em Lisboa, que já havia me encantado profundamente em 1992. Pude confirmar a informação corrente que se tem hoje em dia, da verdadeira explosão transformadora, muito positiva, do país. Sou uma testemunha disso e achei simplesmente sensacional a mistura da tradição com a modernidade, resultando num lugar extremamente atraente e vencedor numa competitividade internacional… É percetível isso. O trato adorável, a qualidade nos serviços e o atendimento afetuoso, generalizado em Portugal, se tornaram atrativos irresistíveis para os visitantes e investidores. Um trabalho meticuloso e perseverante que se nota em cada lugar, em cada contato que o visitante tiver com os portugueses.
Alguma vez pensou mudar-se ou passar alguma temporada em Portugal?
Com certeza! Agora sinto-me ainda mais e definitivamente "fisgado" pela ideia de estar sempre presente em Portugal… Na verdade, agora a morar em Castilla y León, com a casa e o estúdio em Avila, estarei sempre a um passinho do meu adorado Portugal.
Que o Brasil saia da sua "sinuca-de-bico" e volte a ser a nossa nação alegre e inspirada
Já fez vários duetos, como o tema 'Cheia de Charme' com Anavitória. Há algum artista com que gostava de colaborar e ainda não teve essa oportunidade? Quem e porquê?
No Brasil, Marisa Monte e Adriana Calcanhoto. Acho incríveis a Marisa e a Adriana! Em Portugal, António Zambujo, Carminho, Dulce Pontes… Sonhar não custa nada… Aqui em Espanha, Jorge Drexler…
Que desejo gostava de concretizar em 2022?
Que o Brasil saia da sua "sinuca de bico" e volte a ser a nossa nação alegre e inspirada, como sempre fomos queridos pelo mundo.
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