"There's only one Jorge Cadete [há apenas um Jorge Cadete],
he puts the ball in the netty [ele põe a bola na baliza],
He's Portuguese and he scores with ease [Ele é português e marca com facilidade],
walking in Cadete wonderland [caminhando pelo 'mundo de Cadete']"
Esta música foi cantada pelos adeptos do Celtic durante a época 1996/97. Por essa altura, Jorge Cadete passeava classe e 'fome de golo' pelos relvados da Escócia. Os adeptos pareciam apreciar verdadeiramente o talento daquele que foi o primeiro português a sagrar-se melhor marcador de um campeonato estrangeiro (34 golos em 44 partidas).
Mas tudo começou no Académico de Santarém, teve estadia determinante em Alvalade e uma passagem fugaz pelo Benfica. Aos 47 anos, Jorge Cadete recorda-nos a sua carreira na primeira pessoa.
Saltou do Académico de Santarém para o Sporting depois de marcar 43 golos numa só época. Recorda-se dessa altura? Como aconteceu a mudança para o Sporting?
Era iniciado da Académica de Santarém, em 18 jogos, marquei 43 golos. A Académica já não tinha iniciados há alguns anos e nós representávamos uma equipa que se chamava Incógnitos, em Santarém, e toda a equipa passou a representar a Académica na época de 83/84. Depois, o director, o sr. Coimbra, contactou vários clubes: Casa Pia, Belenenses, Sporting, Benfica. Entretanto agendou com um deles e foi comigo a Lisboa, em fevereiro. Eu treinei com os juvenis do Sporting, treinados pelo Aurélio Pereira. E, no fim, o Aurélio Pereira disse para eu passar no departamento [de prospeção] para assinar. Não foi o Sporting que me descobriu, mas sim, um senhor [sr. Coimbra], que me conhecia bem e que fez todo o esforço para me levar a Lisboa. Depois o Sporting veio observar-me, já após de ter assinado. Representei o Sporting em torneios internacionais e, em 84/85, mudei-me Alvalade.
Jogou ao lado de Virgílio, Damas, Figo, Fernando Gomes, Balakov, Paulo Sousa... Com tanto talento junto, como acha que foi possível falhar o título na altura?
Eu tive o privilégio de jogar com grandes jogadores, casos do Virgílio, do Rui Jordão, Manuel Fernandes, Vítor Damas, entre outros que na altura eram o máximo do futebol português. Para mim, foi um privilégio ter alguém com quem pude aprender a mística do Sporting. Naquela altura havia mais respeito e mais consideração pelos seniores. Recordo-me de chegar à cabine e cumprimentá-los um a um. Era um pouco a ambição de um júnior, de um dia poder ajudar [a equipa] junto dos nossos ídolos. E eu concretizei-o.
Sente que uma equipa com tanta qualidade conquistou poucos títulos?
O Sporting teve uma equipa com o Bobby Robson, que foi uma das melhores equipas da história do clube. Sete ou oito campeões do mundo em sub-20, internacionais pela seleção búlgara, como o Iordanov e o Balakov, jogadores a despontar como o Figo...
A ida para o Celtic teve muito impacto em Portugal. Sentiu que tinha de representar bem os portugueses, já que ia para um país que não tem a tradição de importar futebolistas do nosso país?
A minha preocupação foi sempre dar o meu máximo em prol dos adeptos fantásticos, que sempre me acarinharam desde o primeiro minuto. É claro que é gratificante para um país ter um jogador que era tratado assim e que, passados 20 anos, ainda é relembrado. E só lá estive uma época inteira! Acho que é gratificante para um país ter um jogador marcante noutro país. Na altura, o meu agente e o Celtic estavam em contacto e foi um pouco o historial. O Sporting tinha jogado contra o Celtic (93/94) e eliminamos o Celtic, com dois golos meus. Isto depois de termos perdido por 1-0 em Glasgow. E depois, no 5-0 [de Portugal] à Escócia, eu fiz dois golos. Além disso, compliquei a vida ao defesa que me marcou, que era do Rangers, rival do Celtic. Por último, o Bobby Robson aconselhou o Celtic a contratar-me quando soube que estavam à procura de um ponta-de-lança.
Quando o Jorge fez o seu último jogo pelo Celtic, beijou o relvado antes de sair. Foi a sua forma de dizer que se ia embora?
Fiz isso porque foi um ano de grande satisfação minha em termos desportivos e individuais. O carinho do público... Foi um ano de muita pressão psicológica, com um presidente que faltou com a palavra dele. Deu-me a palavra dele que, caso fizesse uma boa época, era recompensado. Entretanto, foi o último jogo em casa e eu sabia perfeitamente que não ia regressar, então fiz isso. Não foi um ato premeditado, mas foi um ato sentido.
Foi o primeiro melhor marcador de um campeonato europeu, segundo consegui perceber, que importância tem isso para si?
Eu sempre acreditei que tinha qualidade. Já o tinha demonstrado na época 91/92, quando fui melhor marcador do campeonato português, e na época seguinte, quando fui melhor marcador da Liga, sem penáltis. Não sei se na história do futebol português há alguém que tenha ganho o prémio de melhor marcador sem penáltis. E, também, por ter sido o primeiro português a ser melhor marcador de uma liga estrangeira, também sem penáltis. É um marco que fica.
Seguiu-se o Celta de Vigo. Como foi jogar com o Mazinho, Mostovoi, Karpin, referências do futebol, naquela que é tida como uma das melhores equipas de sempre pelos adeptos?
Mazinho, Mostovoi, Karpin, Dutruel, Cáceres, Revivo, Michel Salgado e tive um treinador, o Javier Irureta, que me passou muito conhecimento. Já há 27 anos que o Celta tinha ido a uma competição europeia e foi nesse ano que conseguimos o apuramento para as competições europeias. Foi uma das belíssimas equipas do Celta [n.d.r.: conhecida como a geração 'EuroCelta'. O sucesso da equipa marcaria a década de 90 do futebol espanhol].
Depois deu-se o regresso a Portugal, para jogar pelo Benfica. Não teve convite do Sporting para voltar a Alvalade? As coisas não correram da melhor maneira na Luz. O que falhou?
Não tive convite do Sporting, o Benfica foi o único clube que mostrou interesse no meu regresso. Foi uma forma que eu tive para compensar o Celta de Vigo. Eles tinham-me comprado ao Celtic e havia a possibilidade de ganharem dinheiro com uma revenda.
Não correu bem porque um avançado precisa de jogar para fazer golos. Num clube grande e novo [para o jogador], em 14 jogos faz cinco deles a titular e marca cinco golos. É complicado poder mostrar mais. No início, na altura da minha contratação, o treinador [n.d.r.: Graeme Souness, escocês] dizia que não me conhecia...
Veja a segunda parte da entrevista aqui, onde Cadete centra a sua atenção na atualidade do Sporting, Benfica e FC Porto.