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"Nunca digo que vou para ensinar, mas sim para partilhar e aprender"

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o treinador Luís Gonçalves falou sobre as experiências na China e Arábia Saudita, assim como a passagem fugaz pela formação do FC Porto, apontando Romário Baró como o jogador que mais o surpreendeu nos dragões. Não rejeita um regresso à Arábia Saudita e destaca a importância de Cristiano Ronaldo para o patamar em que os sauditas chegaram.

"Nunca digo que vou para ensinar, mas sim para partilhar e aprender"
Notícias ao Minuto

07:29 - 01/04/24 por Rodrigo Querido

Desporto Exclusivo

Depois de 12 anos no Sporting, Luís Gonçalves deixou o conjunto de Alvalade. Em 2011 houve eleições para a presidência dos leões, ganhas por Godinho Lopes, e mudaram os protagonistas. Luís Gonçalves foi dispensado e seguiu o seu caminho, entrando pela primeira vez no futebol sénior. Esteve no Graciosa e no Pinhalnovense, antes da primeira de quatro aventuras no estrangeiro.

Na época 2012/13, Luís Gonçalves assumiu o cago de responsável pela equipa de sub-13 do Al Ahly da Arábia Saudita, onde estavam mais sete treinadores portugueses. Uma experiência que, de acordo com o próprio, foi um "choque cultural" e que deu para entender que existem "grandes diferenças a nível futebolístico por esse mundo".

O regresso a Portugal aconteceu na época seguinte. A experiência no Atlético CP na II Liga deu lugar a um saltos à I Liga para a 'missão' urgente de salvar o Belenenses da descida de divisão. Conseguido esse intento, houve o regresso à formação.

Luís Gonçalves foi de Lisboa à cidade Invicta para a equipa sub-15 do FC Porto. A passagem pelos portistas foi interrompida por vontade própria, e seguiu-se uma ida até Tondela. Mas o chamamento da terra natal falou mais forte e em 2016 regressou a Moçambique para ser adjunto de Abel Xavier na seleção. Três anos passaram e houve lugar a uma viagem rumo à China para "uma situação inesperada, mas muito aliciante".

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o técnico detalha o que foi a sua passagem pelos escalões de formação do FC Porto, onde se cruzou com Fábio Vieira, Vitinha ou Romário Baró, e destaca a importância de Cristiano Ronaldo para o projeto futebolístico que a Arábia Saudita lançou nos últimos anos.

Tenho sempre o cuidado de me preparar minimamente para que depois a adaptação seja mais naturalDepois de uma ida aos Açores e uma estadia no Pinhal Novo, surge a Arábia Saudita. Como foi esse desafio?

O projeto da Arábia Saudita até estava ligado ao Sporting, embora já não fizesse parte dos quadros do clube. Fui convidado pelo diretor técnico da altura, o professor Paulo Leitão, e aceitei. Foi uma experiência fantástica. É verdade que hoje a Arábia Saudita é diferente, acredito que muito mais aberta. E depois há esta questão do choque cultural. Mas como éramos um grupo de treinadores que se ajudavam mutuamente, a adaptação foi fácil. Claro que temos de saber as regras, perceber a cultura do país. Tenho sempre o cuidado de me preparar minimamente para que depois a adaptação seja mais natural. É importante percebermos que há grandes diferenças a nível futebolístico por esse mundo fora e, ao mesmo tempo, dá para ver que estamos um pouco à frente. Acredito que tenhamos contribuído para que as pessoas que nos convidaram para o projeto tenham bebido um pouco do nosso conhecimento e experiência. Aprendemos sempre com as nossas experiências. Nunca digo que estou num local para ensinar, mas para partilhar e aprender.

Após Alcochete, e com uma viagem ao estrangeiro pelo meio, rumou ao FC Porto em 2014/15. Que diferenças encontrou em relação ao que se fazia na formação do Sporting?

Encontrei poucas diferenças. Acima de tudo questões relacionadas com a identidade cultural de um clube que representa uma região. Na essência, tudo muito semelhante. Estamos a falar de futebol, de Portugal e da ambição de vencer. Nessa altura, no FC Porto encontrei uma excelente organização, vários profissionais jovens e muito competentes. E uma geração de 2000, com Vitinha, Fábio Vieira, Afonso Sousa, Romário Baró e Vasco Paciência, que tinha um grupo muito macio. Eram sub-15, com 14 e 15 anos. Das primeiras tarefas que tive foi a de abanar consciências. Não era aquela ideia do FC Porto que come a relva. Fiz um amigo para a vida que é o António Frasco e foi meu conselheiro técnico. É um grande conhecedor do futebol e uma grande pessoa. Foi um ano excecional, mas que não teve continuidade porque não queria continuar a trabalhar naquele escalão. Queria ir para o futebol profissional.

Vitinha, João Mário, Romário Baró, Fábio Vieira e Afonso Sousa foram alguns dos jogadores que orientou no FC Porto. Naquela altura, qual foi o que mais o surpreendeu?

O Romário Baró e por uma razão simples. Há uma frase que ele uma vez me disse e que me marcou: ‘Eu estou aqui para trabalhar para a minha família’. Nessa altura, todos os outros miúdos estavam numa fase cuja preocupação era apenas jogar futebol. Desde muito cedo que o Baró foi obrigado a emancipar-se e assumir-se como responsável perante a sua família. Mas também tive outras situações engraçadas. O Vitinha, que nem sempre foi titular no seu projeto de crescimento no FC Porto, foi aquele que desde o princípio sempre mostrou mais interesse. Chegava a questionar-me onde tinha de melhorar porque achava que as coisas não estavam a correr muito bem. O Fábio Vieira sempre foi mais irreverente. Desde muito cedo vaticinei que ele podia chegar longe, apesar de na altura ser muito franzino. A minha experiência dizia-me que ele devia ter o seu tempo e ganhar outros atributos porque o talento estava lá.

Deste grupo acima referido, talvez o Romário Baró seja aquele que ainda não atingiu o nível que o próprio esperava?

Efetivamente ele está a tardar em afirmar-se, mas tem qualidade. Mas há muitos fatores em jogo. Mas está no FC Porto, que é um grande clube em Portugal e na Europa. O Afonso Sousa desde muito cedo demonstrou essa qualidade, é muito ambicioso. Está a fazer o seu caminho. O Fábio Vieira e o Vitinha estão noutro nível. Por isso é importante, para quem trabalha na formação, ter a perspetiva de que os jogadores não são produtos acabados. Mesmo com 30 anos há margem para evolução.

Notícias ao Minuto Luís Gonçalves como adjunto de Abel Xavier© Instagram Luís Filipe Gonçalves

Seguiu-se nova viagem ao estrangeiro. Foi adjunto de Abel Xavier em Moçambique por três anos, antes de seguir para a China. Mas esteve na seleção sub-16 chinesa por pouco tempo. O que aconteceu?

Ainda antes do FC Porto, passei pelo Belenenses na I Liga. Entrei a meio da época com o Marco Paulo. Ele saiu e disse-me para continuar. Entretanto veio e Lito Vidigal e fizemos até final da época, conseguindo que o Belenenses não descesse de divisão. Foi depois do Belenenses que dou um salto para o FC Porto.

Em relação a Moçambique, fui convidado pelo Abel Xavier para ir para a seleção do país que me viu nascer. Só voltei lá cerca de 40 anos depois. Nos dois primeiros anos, em 2016 e 2017, estivemos os dois juntos e fizemos, na minha opinião, um muito bom trabalho. Em maio de 2018 pedi para sair e tenho esse projeto da China. Foi uma situação inesperada, mas muito aliciante. O desafio era formar uma seleção sub-16 e prepará-la para uma competição que ia ter lugar quatro anos depois. Foi fantástico. E apareceu outra vez a questão de ser um país novo e uma cultura nova. Tivemos de correr muitas cidades, ver muitos jogos para selecionar os jogadores. Os responsáveis chineses tinham sempre de validar as nossas observações, porque tinham existido situações passadas em que os jogadores eram escolhidos com outros critérios que não os da observação. Foi breve porque recebi um telefonema do presidente Alberto Simango Júnior, na altura líder da Federação Moçambicana de Futebol, a convidar-me para regressar e assumir a seleção nacional.

O Luís foi para a China num momento em que o Governo local investia fortemente no futebol. Mas a 'bolha' acabou por rebentar pouco depois. O que acha que levou a isso?

Por aquilo que sei, há um grave problema de corrupção. Recentemente foram presas pessoas que estiveram ligadas à Federação por causa da combinação de resultados. Em algumas reuniões técnicas cheguei a dizer que tinha de existir um caminho que tinha de ser escolhido. Claro que é preciso saber tirar sumo do que vem de fora, mas o caminho tem de ser o do futebol chinês. E é isso que falta. Há clubes que são formados e pouco depois acabam porque os proprietários assim o decidem. A instabilidade no futebol tem algum reflexo. E depois há a questão cultural. Desde muito novos são educados para obedecer e pouco mais. Isso tem reflexos no jogo porque o futebol é a tomada de decisão. Essa questão influencia a expressão dos jogadores no jogo. O nosso maior desafio foi mesmo esse, o de criar situações para que os atletas começassem a pensar. Apesar de tudo, a China está a começar a recuperar em termos de investimento. Acredito que vi haver uma evolução.

A Arábia Saudita entrou por um caminho semelhante ao chinês nos últimos anos e o Cristiano Ronaldo é a cara desse projeto. Acredita que poderá terminar da mesma forma que a ideia da China?

A organização do futebol é um pouco diferente. Há a questão do fundo governamental, há clubes com história e estabilidade. Não vejo com maus olhos a chegada de jogadores e treinadores estrangeiros. Vêm trazer conhecimento e experiência, dando outra visibilidade. Mas se os sauditas não atingirem os objetivos que pretendem a curto/médio prazo, se calhar desinteressam-se e pode haver um desinvestimento. Mas isso não significa que os clubes acabem ou que a Liga saudita fique sem interesse. São realidades diferentes.

Notícias ao Minuto Luís Gonçalves durante a experiência na China© Instagram Luís Filipe Gonçalves  

A ida do Cristiano Ronaldo para a Arábia Saudita foi fundamental para o sucesso deste projeto?

Não tenho dúvidas. Quando foi para lá, ele próprio disse para esperarem pelo que vinha no futuro e foi muito criticado. Ele já sabia que ia haver esse grande investimento e a chegada de grandes jogadores como o Benzema e outros. Nunca imaginei ver jogadores tão jovens, como o nosso Rúben Neves, a estarem nessa Liga. Mas o futebol é global. No meu caso de treinador, temos de ter sempre a mala pronta. O futebol é uma indústria e um negócio. Que traz qualidade e dá visibilidade não tenho dúvidas. É diferente estarmos a ver um jogo onde participa o Cristiano Ronaldo ou o Mahrez de outros jogadores sauditas que não conhecemos. Honestamente, não concordo quando se diz que a liga saudita já está ao nível de outras ligas na Europa. Ainda assim, tem o seu interesse.

Agora com outras condições, ponderava voltar à Arábia Saudita?

Tenho de olhar sempre para as condições. Não sei se há um avião amanhã [risos]. Quando há uma proposta ou abordagem, é importante perceber para que contexto é que vamos, quais as condições e os objetivos do clube. Isso é tudo importante. Estou pronto para analisar possibilidade e claro que se houvesse uma proposta boa da Arábia Saudita eu iria para lá.

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