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"Olho para a Bulgária como Portugal. Só me custa treinar com -14ºC"

Lateral português encontra-se a cumprir a segunda temporada no Lokomotiv Sofia e abre a porta de saída, afirmando querer um novo desafio na próxima época. Em entrevista ao Desporto ao Minuto, Celso Raposo recorda os tempos mais complicados que atravessou na carreira e deixou garantias para o futuro.

"Olho para a Bulgária como Portugal. Só me custa treinar com -14ºC"
Notícias ao Minuto

08:02 - 28/03/23 por Francisco Amaral Santos

Desporto Exclusivo

Celso Raposo vive um momento de grande fulgor na carreira. A cumprir a segunda temporada ao serviço do Lokomotiv Sofia, o lateral português de 26 anos tem assumido algum protagonismo no futebol búlgaro, mas nem sempre as coisas correram bem na carreira pelo mundo do futebol. 

Antes de chegar à Bulgária, o jogador português também assinou uma curta passagem pela Islândia, ao serviço do IF Vestri, equipa pela qual assinou depois de ter terminado contrato com... o Pinhalnovense. 

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Celso Raposo admite que a aventura em solo islandês não correu como esperado e abriu a porta de saída no Lokomotiv, uma vez que pretende abraçar um novo desafio, na próxima temporada. 

O jogador natural do Barreiro recorda, ainda, os tempos de formação, nos quais chegou a passar pelo Sporting, e deixa críticas à forma como os jovens futebolistas têm de lidar com a pressão de vingar numa idade tão prematura. Pelo meio, recordou a "infância incrível" ao lado do amigo João Cancelo. 

Os búlgaros vibram muito com o futebol. No inverno, com temperaturas negativas, eles não deixam de ir aos estádios

Que balanço faz desta experiência no Lokomotiv Sofia? 

Em termos coletivos, estamos bem. Esta época, ganhámos ao Ludogorets, ao Levski e empatámos os dois jogos com o CSKA Sofia, que são os melhores clubes aqui. Foi um balanço bastante positivo no início e, depois, atravessámos uma fase mais negativa, com oito jogos sem ganhar, mas, agora, temos duas vitórias consecutivas e o próximo jogo é contra o Slavia, o nosso maior rival, para os quartos de final da Taça. Em termos individuais, comecei bem e tenho jogado praticamente os jogos todos. Está a correr-me bem esta época. 

Sente que atingiu o seu melhor nível? 

Sinto que ainda posso dar mais, porque aqui, na Bulgária, o campeonato para um mês e quebra um bocadinho o ritmo. Se fosse uma paragem menos longa, como em Espanha ou Portugal, acho que não quebrava tanto o ritmo. Seria mais estável. 

E como foi o processo de adaptação à Bulgária? 

Tive uma adaptação fácil. Olho para a Bulgária como Portugal. A alimentação é praticamente a mesma e o verão é igualmente quente. A única coisa que custa mais, aqui, é o inverno, porque temos de treinar com 14 graus negativos. Isso custa. De resto, foi muito fácil a adaptação. 

Já fala búlgaro?

Já sei algumas palavras, que consigo usar dentro de campo. Consigo comunicar o básico dentro do futebol. Fora dele, é o inglês. Graças ao futebol, consigo comunicar bem em inglês e entendo tudo.  

A presença de brasileiros no plantel também ajudou a adaptação? 

Esta época vieram mais jogadores brasileiros, sim. E, claro, que temos o nosso grupo no balneário, o que é normal. Somos todos colegas, mas há sempre com quem tenhas mais confiança. É assim em todos os clubes. 

Como é que foi recebido pelo povo búlgaro? 

Foi a primeira vez que joguei num primeiro escalão e comecei a receber mais mensagens, antes e depois dos jogos. Posso dizer que não tenho razões de queixa. É um povo que gosta muito de futebol. Vibra muito. No inverno, com temperaturas negativas, os adeptos não deixam de ir aos estádios. Não tenho nada a apontar.

A Bulgária também é conhecida pelos ambientes quentes nos estádios...

É complicado, porque aquilo, às vezes, passa os limites. O ano passado, contra o Slavia, o jogo esteve interrompido durante 20 minutos porque os adeptos estiveram em confrontos. Este ano, para a Taça, contra o Spartak Pleven, o jogo ficou parado durante bastante tempo, porque os adeptos invadiram e atravessaram o relvado para confrontar os adeptos adversários. Aqui, não é como em Portugal. Aqui, contratam uma equipa de segurança e estão lá meia dúzia deles. Quando começa a aquecer, os seguranças não conseguem controlar a situação. Mas, por outro lado, o último jogo com o Slavia era considerado de alto risco e, aí, já veio a polícia, mas, ainda assim, houve 14 minutos de descontos, porque estavam sempre a lançar potes de fumo. O jogo parava de dez em dez minutos. 

Em algum momento sentiu-se em perigo? 

Não... Só contra o Pleven é que nunca tinha visto tal coisa. Parecia mesmo distrital. Saltaram da bancada e atravessaram o relvado. Eu estava no relvado e eles ao meu lado, mas nunca me senti em perigo. Queriam apenas entrar em confronto com os nossos adeptos. Não agrediram nenhum jogador.

Islândia? Tive de ficar fechado cinco dias num hotel e perdi o passaporte no dia em que cheguei

Antes de chegar à Bulgária esteve na Islândia. Como é que se passa do Pinhalnovense para o norte da Europa? 

Três dias depois de acabar a época, no Pinhalnovense, telefonou-me um jogador português, o Diogo Coelho, que jogou comigo lá. Disse-me que estavam interessados em mim e perguntou-me se poderia dar o meu número ao diretor desportivo. Depois, ligou-me um empresário também a perguntar se queria ir para a Islândia, mas que não podia dizer o nome do clube. Eu disse-lhe que, se me apresentasse um contrato, eu aceitava. No entanto, o diretor desportivo antecipou-se e depois até houve problemas com esse tal empresário, que disse que eu não quis dar a parte dele, mas não foi nada disso. Sou muito correto nessas coisas. Quem falou primeiro comigo foi o Diogo. Chegámos a um acordo e fui para lá. 

E como correu essa aventura? 

Foi complicado, porque estávamos naquela fase da Covid-19, tive de ficar fechado cinco dias num hotel e perdi o passaporte no dia em que cheguei. Levavam-me comida ao quarto todos equipados de branco. Naquela fase, quem tinha Covid-19 era um bicho. Tinha apenas meia hora para sair, que aproveitava para correr junto ao hotel. Depois, viajei da capital para a cidade onde era o clube, que acho que se chama Ísafjörður. Era quase uma aldeia. Uma cidade muito pequena e não tinha nada. Foi uma adaptação muito difícil. 

Na Islândia, percebi que as coisas não eram fáceis. Percebi que nada caía do céu

E a nível desportivo também não correspondeu? 

Não era o que eu estava à espera. Era uma Liga pouco abaixo do nível normal. Aquilo era abaixo do nosso Campeonato de Portugal. Não me identificava com o clima e com a comida. Eles só gostam de borrego e peixe. Eu não gosto nem de uma coisa nem de outra (risos). Foi um pouco complicado. A única coisa que compensava era o dinheiro. 

Mesmo correndo mal, sente que cresceu após essa passagem pela Islândia? 

Já tinha estado fora, em Espanha, quando era mais novo, mas, na Islândia, percebi que as coisas não eram fáceis. Percebi que nada caía do céu. Percebi que, se queria vingar no futebol, tinha de sair dali. Ali, era para estagnar. Ali, era para juntar dinheiro e voltar a Portugal passados cinco anos para estar tranquilo. Mas não estava feliz a nível desportivo. 

E de Espanha, guarda boas memórias? 

Foi a melhor coisa que me aconteceu. Não fiquei nos seniores do Barreirense e um senhor que vive em Valência disse-me que me arranjava casa e um clube lá. Fui à experiência e fiquei. Foi o melhor que me aconteceu. Cheguei lá como trinco e tornei-me lateral direito. O treinador viu-me e disse-me: 'Tu não és um 6 nem um 8. Tu és lateral'. Correu-me bem e, depois, um clube da terceira divisão contratou-me. Foi uma boa experiência. O meu primeiro ordenado foi de 150 euros e dava 100 ao senhor Filipe, que era dono da casa onde eu estava. Tinha casa e roupa lavada, por isso, 100 euros não eram nada. Ficava com 50 para mim. Depois, no segundo ano já recebia mais e fiquei perto de Madrid. Aí comecei a ter a noção do que era o futebol. 

Em 2017, regressa a Portugal e começa pelo distrital. 

O meu mister dos juniores estava no Fabril e eu liguei-lhe a pedir uma oportunidade. Quando fico no Fabril, começo no banco e o mister passa de adjunto para principal. No primeiro jogo dele como treinador principal, nem fui convocado (risos)... Fui ao balneário dele e disse-lhe que não estava feliz e que queria sair para poder jogar, mas ele convenceu-me a ficar. Entretanto, o Carlos André foi expulso, eu agarrei a titularidade e ganhámos 10 jogos seguidos. Depois, houve uma grande confusão com o presidente, que queria despedir metade do plantel. 

Seguiu-se a aventura no Campeonato Nacional de Seniores...

Sim, entrando jovem no CNS é uma montra e vais subindo degraus. Hoje em dia, é ainda mais evidente.

Essa coisa de miúdos com 11 anos já terem empresário... Sou totalmente contra

Na formação chegou a passar pelo Sporting, mas não ficou lá muito tempo. O que aconteceu? 

Foi uma experiência boa. Eu era um jogador banal em futebol de 11. Era pequeno e não tinha força. Mas, no futebol de 7, eu conseguia destacar-me. Fui a uma captação na Academia do Sporting com 400 miúdos. Fui o único que assinei, com o Aurélio Pereira. Lembro-me de me dizerem: 'Contigo é para assinar'. Fui a correr à procura do meu irmão e disse-lhe que era para assinar, mas estava no Fabril e não era livre. O Sporting lá chegou a acordo com o Fabril, dando umas bolas e uns coletes. Quando lá cheguei, aquilo era outra realidade. Meteram-me sempre no futebol de 11 e eu estava muito abaixo dos outros que estavam lá. Mas poucos, daquela geração, vingaram. Há dois ou três: o Rafael Barbosa, o Joca, o Lisandro Semedo, o Tiago Alves, o Bruno Wilson... Os que eram apontados a vingar, e que estavam muito acima de mim, acabaram por ficar pelo caminho. 

Para um miúdo de 11 anos não era demasiada pressão?

No Sporting, estão 24 horas em scouting. Estão sempre à procura dos melhores. Se houver alguém fora do Sporting que é melhor que tu, então, tu estás fora. Funciona assim e por isso é que Portugal trabalha tão bem nas camadas jovens. Eles vão buscar os melhores e eu voltei para o Fabril. Funcionava assim. Com aquela idade, já tinha a pressão de jogar bem, porque, caso contrário, iria ser dispensado. Agora, que sou pai, quero incutir ao meu filho que até uma certa idade ele tem de se divertir a jogar futebol. Isto, se ele quiser jogar. Se não quiser, tudo bem na mesma. Quando for o último ano de júnior, aí a conversa será outra. O meu irmão mais velho sempre me deu esses conselhos. Quero transmitir ao meu filho que tem de se divertir em campo. Eu, com 11 anos, já tinha a pressão de que tinha de jogar bem para não ser dispensado. Não quero que ele passe por isso. O futebol é para fazer amigos e divertir-se. Não é aos 11 anos que se vai ser jogador de futebol. Essa coisa de miúdos com 11 anos já terem empresário... Sou totalmente contra. Naquela altura, eu queria era ir para o intervalo da escola jogar à bola e marcar golos. O meu irmão mais velho sempre nos deu conselhos, a mim e ao meu irmão gémeo. Foi bastante importante no meu percurso. O que ele nos passou, eu quero passar ao meu filho. 

Ainda nos tempos de miúdo, nasceu uma amizade com o João Cancelo. O que guarda na memória? 

Nós somos da Baixa da Banheira, perto do Barreiro. Crescemos juntos no parque. As férias de verão eram passadas lá e o João morava ao lado do parque. O nosso grupo de amigos é de lá, do parque. Havia dois campos e estavam lá jogadores de muita qualidade, mesmo. E os mais velhos só deixavam jogar o João no campo deles. Só ele é que podia. Estava acima da média naquela altura. Íamos para o parque de manhã e ele era o primeiro a chegar. Ficávamos lá até depois de almoço e depois íamos brincar e mergulhar para junto dos barcos dos pescadores. Foi uma infância incrível. Foi assim que nos conhecemos. Não só o João, como o resto do meu grupo de amigos. Claro que o João é agora uma referência nacional e mundial. Até hoje mantemos contacto e temos um grupo de WhatsApp, no qual estamos todos. 

Cancelo não sabe defender? Desafio as pessoas a pegarem na bola e fazerem um contra um com ele 

Mas esperava que ele chegasse a este patamar? 

Eu vou ser sincero e não é por ser amigo dele. Ele não é só o melhor lateral do mundo, como, para mim, faz parte do lote de melhores jogadores do mundo. Eu vou dar um exemplo: No verão fazemos jogos contra profissionais, contra jogadores de topo. Jogamos contra eles e pensamos que são mesmo bons, mas o João tem algo mais. Tem cabeceamento, tem pé esquerdo, tem pé direito, tem resistência, tem capacidade física... Tem tudo o que um jogador precisa de ter. Tudo. E muita gente o critica e diz que ele defende mal. Desafio essas pessoas a pegarem na bola e fazerem um contra um com ele e contarem quantas vezes passam. É ridículo tentarem criticá-lo. Os portugueses querem mandar cada vez mais abaixo os jogadores. É um dos melhores jogadores do mundo. Não é por ser meu amigo. Além disso, o João faz uma coisa sempre. Se estiver dois dias em Portugal, ele vai jogar futebol para a rua. Sempre. Onde quer que esteja. Se sabe que vai ter folga, então liga para nós a dizer para irmos jogar. É um fora de série. Não tem explicação. 

Também é um exemplo de que não vingando no Benfica, tem feito uma carreira de topo. 

Ele não vingou no Benfica porque o Jorge Mendes já se mexia muito bem naquela altura. E também teve azar com o treinador, porque o Jorge Jesus não apostava muito em jovens. Se fosse outro treinador, como o Lage, o João teria vingado no Benfica. Há muitos jovens que não vingaram no Benfica. O Bernardo Silva é outro caso. O Ivan Cavaleiro, sendo que ele teve mais oportunidades, o Hélder Costa... Não foi só o João. Se o João não fosse tão bom, tinha ficado no Benfica e tinha vingado. Com outro treinador tinha vingado logo. Foi para o Valencia e acompanhei bem de perto essa fase, porque também estava em Espanha e passei bastante tempo na casa dele. Tornou-se mais homem. Percebeu que o futebol não era um mar de rosas. O ponto-chave da carreira dele foi no Valencia. 

Voltando ao presente. Termina contrato com o Lokomotiv no final da época. Qual é o ponto de situação nesta altura? 

Estou em final de contrato e faltam dois meses. Realizei 54 jogos, aqui, na Bulgária, e a grande maioria foram a titular... Espero ter algumas propostas, seja de Portugal ou de outro país. Fui pai recentemente e procuro alguma estabilidade. Para já, não estou a pensar muito nisso, porque estou focado em terminar bem a época no Lokomotiv. Os meus empresários já me falaram em algumas coisas, mas nada de concreto. No final da época, quero sentar-me com eles e escolher o melhor para a minha vida. Em Portugal é complicado, porque continua-se a apostar mais nos estrangeiros, embora as coisas estejam a mudar ultimamente.

Já se olha para o jogador português de outra forma?

Há maior visibilidade nas divisões inferiores. Mas, por exemplo, eu tenho um ano de II Liga e os clubes vão olhar para mim e torcer o nariz. Olham bastante para a experiência. Aqui, na Bulgária, estou a jogar contra equipas que jogam nas competições europeias. Ainda há pouco tempo, o Ludogorets derrotou a AS Roma.

Mas tem alguma meta?

Seja onde for, vou agarrar a oportunidade com unhas e dentes. Eu tenho um lema: quando a qualidade não chega, o trabalho resolve. Não admito que ninguém corra mais do que eu campo. Podem ser melhores jogadores, mas eu dou tudo em campo. Vamos ver o que o futuro dirá. O foco, agora, é não me magoar e tentar jogar o máximo possível. A permanência [no campeonato] está praticamente garantida e vamos tentar chegar ao playoff da Liga Conferência. Já se falou na renovação, mas eu quero mudar um pouco. Não tenciono ficar aqui. Vamos ver o que acontece. 

Notícias ao Minuto Celso Raposo ultrapassou recentemente a barreira dos 50 jogos com a camisola do Lokomotiv.
© Reprodução Facebook ФК Локомотив София 1929
  

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