Meteorologia

  • 19 ABRIL 2024
Tempo
19º
MIN 14º MÁX 21º

"Levo muitas coisas de Jorge Jesus. Ele e Conceição foram os melhores"

Figura histórica do Belenenses, Dady foi o segundo melhor marcador do campeonato num ano de muitos sucessos no Restelo. Foi lá que foi orientado por Jorge Jesus e teve como colegas de equipa Rúben Amorim e Silas. E Sérgio Conceição também o treinou.

"Levo muitas coisas de Jorge Jesus. Ele e Conceição foram os melhores"
Notícias ao Minuto

07:55 - 26/08/21 por Rodrigo Querido

Desporto Exclusivo

Depois de um início de carreira atribulado, Dady rumou ao Belenenses, onde escreveu, para muitos, a sua mais dourada história da longa carreira de jogador de futebol profissional.

É no Restelo que o antigo avançado se torna no segundo melhor marcador do campeonato português, sob a tutela de Jorge Jesus, e onde tem como colegas de equipa antigos atletas como Silas, Rúben Amorim ou ainda Eliseu.

Mas Dady não concorda que o seu ponto alto na carreira tenha sido no clube lisboeta, preferindo destacar a experiência no futebol espanhol, ao serviço do Osasuna.

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o antigo futebolista fala sobre o ano e meio de sucesso no Belenenses, mas também sobre a aventura agridoce que teve em Espanha, antes de regressar a Portugal pela porta do Olhanense, onde foi treinado por Daúto Faquirá e Sérgio Conceição.

Jesus deu-me uma 'dura' por estar um passo ao lado do sítio onde ele queriaEsta mudança para o Restelo aumentou a exposição pública. Conseguiu lidar bem com isso?

Não, nos primeiros seis meses isso fazia-me confusão. Muitas vezes, estava na rua ou ia a algum bar com um amigo e as pessoas ficavam a olhar para mim. Como não estava mentalmente preparado para isso, achava que eu conhecia a pessoa e não a estava a reconhecer. No início, não foi fácil, e talvez isso tudo tenha sido importante para eu não jogar logo no primeiro ano. Era muita adaptação a colegas que estava a ver na televisão, a uma equipa consagrada e com jogadores do mesmo nível. Tudo isso foi novidade para mim. Hoje sou grato a esses meus colegas porque acabaram por me ajudar na integração. O segundo ano foi diferente, já me preparei muito melhor para mostrar o meu melhor e as coisas acabaram por acontecer.

No Belenenses, foi colega de equipa de jogadores como o Rúben Amorim e do Silas. Foi bom ser colega de equipa deles?

Grandes jogadores. Nessa equipa do Belenenses, de onze jogadores titulares, apenas o Zé Pedro e o Silas não deram o salto porque já tinham um bom contrato com o clube. De resto, todos deram o salto. O Zé Pedro, que para mim era um dos nossos melhores jogadores, não quis sair para Itália porque o contrato não lhe oferecia condições financeiras muito melhores do que aquelas que tinha no Belenenses. Tínhamos nomes como eu, o Rolando, o Amorim, o Brandão, o Eliseu, o Alvim, o Cândido Costa. Todos estes jogadores saíram e fizeram carreira. Tínhamos o Silas, que já tinha um bom contrato no Belenenses e não tinha necessidade de sair. Só aí podemos ver o nível da equipa que era treinada pelo mister Jesus, que tinha muita qualidade.

E como tem visto este sucesso de Rúben Amorim ao serviço do Sporting? Acha que ele tem capacidade para um ida orientar um grande europeu?

Esse é o próximo passo. Agora, vai continuar a mostrar o seu grande trabalho, mas é óbvio que, futuramente, o Amorim vai estar numa das grandes equipas do futebol mundial. Não tenho dúvidas nenhumas nisso. Sinceramente, acreditava neste sucesso porque já sei como a cabeça dele é. Não estou surpreendido de maneira nenhuma, porque o Amorim é um espetáculo. É um observador nato desde que foi jogador, foi um grande companheiro.

Notícias ao Minuto Dady esteve uma época e meia no Restelo© Getty Images  

Falou-se à pouco do Silas, um dos mais experientes desse plantel do Belenenses. Era uma espécie de líder da equipa dentro de campo?

Se hoje estou a seguir esta linha de treinador, é muito graças a ele. Foi a primeira pessoa que acreditou em mim e me levou para os sub-19 da Belenenses SAD. Depois de ter terminado a carreira, estava a orientar a equipa de 2005 do Fofó pelo gosto de passar aos mais jovens o que me ensinaram, mas sem a projeção de querer treinar equipa senior. Senti que não tinha aptidão para treinar. O Silas, como colega, considerava-o chato [risos] num bom sentido porque via qualidade em nós e exigia que melhorássemos nos treinos. Ele foi um dos grandes colegas que tive, e hoje em dia se ganhei o gosto pelo treino o Silas tem muito a ver com isso. Era o nosso treinador do balneário.

O Jorge Jesus era o treinador nessa época. Como foi ser treinado por ele?

Na altura, foi numa situação complicada. Tínhamos decido de divisão por causa do caso Mateus e não sabíamos se ficávamos ou não. Acabámos por ficar na primeira divisão. O mister Jesus tinha feito a equipa para disputar a II Liga, mas acabámos por ficar no quinto lugar do campeonato, fomos à final da Taça, fui o segundo melhor marcador do campeonato e fizemos a temporada que fizemos. Trabalhar com o mister Jesus foi uma aprendizagem. Hoje, como treinador, levo muitas coisas que ele me ensinou. Ele e o Sérgio Conceição, para mim, foram os melhores treinadores que tive.

E Jorge Jesus já era a mesma pessoa que conhecemos nos dias de hoje?

Acho que ele era mais exigente na altura do que é atualmente. Agora já viu que muitas coisas não eram precisas nem necessárias. Hoje também é muito bem auxiliado, e evoluiu muito nesse aspeto. Hoje é mais tranquilo do que quando trabalhou connosco. Era muito exigente, quase ao milímetro. Lembro-me de um treino em que levo uma ‘dura’ por causa de um passo no que toca ao posicionamento. Apitou, veio a correr da bancada e gritou comigo porque estava um passo ao lado do sítio em que ele achava que eu devia estar. Só aí define logo a forma que o mister tem de ser perfecionista.

Cheguei a ser chamado pelo mister Scolari à seleção de Portugal. Mas já era internacionalNo teu segundo ano no Belenenses é o segundo melhor marcador da I Liga. É um dos pontos altos da carreira?

Muita gente me diz isso porque se calhar foi o ano em termos de números, fiz 18 golos entre campeonato e Taça de Portugal. Mas, para mim, o ponto mais alto da carreira foram os dois primeiros anos em Espanha. Foi onde joguei contra os melhores do mundo, onde todas as semanas tinha o melhor defesa-central de qualquer seleção e contra quem eu tinha de demonstrar a minha qualidade. Nesses anos, fui testado ao mais alto nível. Foi aí que me senti mais jogador.

Chegou a ser chamado por Luiz Felipe Scolari para a seleção de Portugal, mas já tinha jogado pela seleção de Cabo Verde. Sente-se arrependido por ter feito essa escolha?

Não. Eu nasci em Portugal, na Amadora e num contexto de comunidade 100% cabo-verdiana, e as raízes sempre estiveram comigo. Quando chegou a oportunidade de representar Cabo Verde, tinha 24 anos e estava na II Liga. Quando estava no Estoril, não imaginava que dentro de seis meses ia rumar ao Belenenses nem que um ano e meio depois estava na Liga espanhola. Entretanto, o mister Scolari estava a ver os meus jogos à procura do ponta de lança que ele precisava para a seleção. Nem nos meus maiores sonhos eu imaginava isso. Quando fui chamado à seleção de Cabo Verde, não podia imaginar que em um ano e meio tinha tudo isto. Na altura, foi a melhor decisão que tomei.

Depois do Belenenses, ruma ao Osasuna, em Espanha, onde joga muito no primeiro ano, mas depois é pouco utilizado por causa de lesões. Como correu essa experiência?

Para mim, é o melhor campeonato do mundo. É o único campeonato em que, se tu não tens qualidade, não consegues jogar. Ali, provei que tinha de ser melhor. Só a minha frente de ataque era Portillo, da escola do Real Madrid e tinha ganho a Champions, o Pandiani, que ganhou no Deportivo e fez carreira em Espanha, eu que chego do Belenenses, que a maioria em Espanha não conhecia, e um jovem da formação, o Kike Sola, que também fez carreira. No meu primeiro ano, consegui engolir Pandiani e Portillo, e a equipa jogava em 4-4-2, foi difícil. Depois, a equipa adaptou-se a jogar em 4-3-3 e aí eu jogava numa das alas. No segundo ano, as coisas correram bem, e a meio do segundo ano começaram a aparecer-se lesões musculares que até então nunca tinha tido.

Notícias ao Minuto Dady esteve três temporadas ao serviço do Osasuna© Getty Images  

Recordemos a  experiência falhada na Turquia…

Na minha cabeça, era um passo seguro para a minha carreira. Quando cheguei, tive uma receção apoteótica. Na pré-época, tive uma tendinite que nunca tinha tido e demorou quase um mês para curar. Cumpri depois o estágio de pré-temporada na Holanda e as coisas correram bem. Faço sete golos na pré-temporada. As coisas estavam a correr bem dentro do que eu imaginava, mas eu é que não esperava, depois de ter jogado sempre e feito jogos, na primeira jornada começar no banco. O primeiro jogo foi com o Besiktas e comecei, como disse, no banco. Tenho o Quaresma a jogar na linha de fundo, chega perto do nosso banco e pergunta-me como é que não não jogava na equipa. Eu fiquei meio à toa. Só passados dois ou três meses é que me apercebi que não ia ter chances.

Após a aventura na Turquia, o regresso a Portugal torna-se uma realidade e pela porta do Olhanense, onde é treinado pelo Sérgio Conceição. Era um treinador exigente já na altura?

Ele rebentou-me muitas folgas por causa disso [risos]. Íamos para o jogo com folgas feitas, os jogadores do norte com passagens compradas, mas era consoante o jogo e nós não sabíamos disso no início. Vencêssemos ou perdêssemos, se as coisas corressem como ele queria, tínhamos a folga. Mas muitas das vezes no autocarro, depois do jogo, e já com coisas combinadas, íamos diretos para o Algarve. Tinha aquela azia. Mas pior do que tudo não era perder a folga, era no dia seguinte ir para o treino fazer duas corridas e estava feito. É o mau perder que ele já tinha. O mister Conceição, no Olhanense, estava mais na bancada do que no banco. Ele era exatamente o que é hoje. No Olhanense, era pior porque o clube não tem a dimensão que tem o FC Porto. Para ele foi bom, porque foi a primeira experiência enquanto treinador principal, as coisas correram muito bem porque foi a melhor classificação de sempre do clube. A mim também me correu bem, porque foi uma oportunidade para relançar a carreira e ir para fora para um país que tinha como objetivo, que era a China. Ele é o que vocês veem. Mas é muito exigente, os treinos são de uma intensidade tremenda. Temos de dar o nosso 100% para poder jogar. Com ele, as coisas correram muito bem.

Notícias ao Minuto Dady com a camisola do Olhanense© Glboal Imagens  

Após o regresso a Portugal, segue-se uma clube ao Chipre antes de rumar ao Shanghai Shenhua. Da China. Foi à procura de um contrato mais vantajoso para assegurar o futuro?

Exatamente, tanto que nos últimos jogos no Olhanense fiquei chateado com o mister Conceição. Como eu dizia que me estava a preparar para ir para a China, ele como treinador, com todo o seu direito, estava a preparar-se para a próxima época e claro que iria fazer de tudo para não me perder. Lembro-me de um jogo contra o Beira-Mar em que marquei e alcancei os nove golos. Pensei: ‘Falta-me um golo para chegar aos 10 no campeonato e 15 em todas as competições’. Fiz as contas e pensei ‘vou ganhar x pelos golos, mas com 15 golos posso ganhar ainda mais se marcar’. O mister, com toda a sua experiência, tira-me do campo. Eu disse-lhe: ‘Fogo, mister. Faltava um’, Ele responde-me: ‘Não, para o ano temos mais golos para fazer’. Mas foi uma pessoa que fez de tudo para que continuasse no Olhanense. Com os números que já tinha conseguido no clube em termos de golos, sabia que podia ganhar mais a nível financeiro para onde quer que fosse. Na altura, não tinham condições para pagar o que eu queria.

E essa experiência na China, como correu?

Muito bem, fui o melhor marcador da equipa. No início até não jogava muito porque havia a regra dos estrangeiros e era o jogador do estrangeiro que jogava menos. Acabei por jogar mais porque entrava e fazia golos, e então houve uma altura em que jogar. Em termos de condições foi o clube onde estive em que tinha as melhores, superiores às do Osasuna e a nível das equipas de topo mundial.

Sou treinador de futebol para passar aos jovens aquilo que me ensinaramTermina a carreira no Futebol Benfica, onde tinha começado a jogar, e é lá que se lança na carreira de treinador. Como tem sido essa experiência fora dos relvados?

Como já disse, no início enveredei por esta carreira mais para ensinar aquilo que me ensinaram nestes anos todos no futebol, desde treinadores a colegas de equipa. Queria passar conhecimento. Por exemplo, se vejo que um miúdo não consegue chutar uma bola a uma distância de dois ou três metros, focamo-nos nisso e, daqui a dois ou três meses, já será cabaz de fazer um passe de 30/50 metros. Depois, as coisas começaram a dar-se, desenvolvemo-nos taticamente e defensivamente, ganhando uma padronização. Uma equipa que, no mínimo, perdia por 13/15 golos passou a perder por menos golos. Mas fazia-me confusão porque os miúdos saiam de campo felizes com a derrota. Eu pensava para mim: ‘nós perdemos e vocês ficam assim?’. Até que um dia perguntei a um dos jogadores sobre isso. Ele diz-me: ‘Mister, no ano passado, perdíamos por 15 ou 20 golos e agora perdemos por dois ou três e até marcamos golos’. Eu aprendi com a derrota. Fui preparando os miúdos para o segundo ano. Se antes estávamos pelos últimos lugares, os mesmos miúdos ficaram na segunda época me sétimo a um ponto do quarto lugar. Comecei a preparar a equipa para o futebol 11 e apareceu a proposta do Silas.

Seguem-se os juniores da Belenenses SAD...

Estávamos a preparar um projeto de subida porque a SAD tinha-se separado do clube e tinham de ter uma equipa de formação para que no caso da equipa A, a do Silas, chegasse às competições europeias ter a inscrição aceite. Foi por isso que essa equipa foi criada meio à pressa. Tivemos o mês de setembro para começar. A proposta era que tínhamos de subir. Mas, em setembro, todos os bons jogadores dos juniores já estão colocados, já ninguém quer, e fizemos uma semana de testes em que construímos a equipa. Começámos com três jogadores e depois fomos construindo a equipa. Fez para cima de 170 golos, tivemos uma de derrota e um empate e subimos de divisão. Não conseguimos ser campeões porque, no último jogo para sermos campeões, o presidente da SAD retirou-me 11 jogadores que queria que descansassem para fazer a pré-época com a equipa sub-23. Acatámos a decisão porque o objetivo sempre foi potencializar jogadores para os sub-23. Fizemos o último jogo com uma equipa improvisada e terminámos empatados. Não fomos campeões, mas subimos de divisão que era o mais importante.

Após a Belenenses SAD, regressa a Cabo Verde para ser adjunto na seleção e tem a tua primeira experiência como treinador principal no Oásis Atlântico….

Eu assumo o cargo de adjunto da seleção quando ainda estava na primeira época ao serviço da Belenenses SAD. Mas podia exercer dois cargos. Era adjunto da seleção com o mister Rui Águas e treinador dos juniores. Faço o segundo ano e saímos com dez vitórias em dez jogos. Após isso é que me aparece a oportunidade de treinar o Oásis, uma equipa muito organizada para a realidade de Cabo Verde, só com campeonatos regionais e amadores. Tive a sorte de apanhar uma equipa de hotelaria, com pessoas ligadas no passado ao futebol. O meu presidente, Agostinho Abade, tinha sido vice-presidente do Sporting no tempo do João Rocha, o presidente da SAD era dirigente no Estrela da Amadora, o sr. Armando, e o diretor desportivo era o Dário, que olheiro pelo Sporting. Foi mais fácil para mim. Tinham uma boa organização com pessoas ligadas ao futebol em Portugal, e em Cabo Verde tive apenas de passar o que eles me disseram. Precisavam de uma pessoa consagrada no país e respeitável para ensinar tudo o que aprendeu no futebol profissional num contexto amador. As coisas correram bem, e só não correram melhor porque veio a pandemia e tiveram de cancelar o campeonato.

E agora, qual é o próximo passo na carreira?

Estou muito próximo de regressar. Vamos regressar dentro da mesma linha, que é a de potencializar jovens para que tenham sucesso no futuro. Esse é o meu lema e a minha forma de trabalhar. Depois, dentro disso, vou-me preparando e estudando para chegar ao nível 4 para que mais tarde faça disso uma nova profissão.

Leia Também: "Sou privilegiado por ter crescido num bairro degradado e com problemas"

Recomendados para si

;

Acompanhe as transmissões ao vivo da Primeira Liga, Liga Europa e Liga dos Campeões!

Obrigado por ter ativado as notificações do Desporto ao Minuto.

É um serviço gratuito, que pode sempre desativar.

Notícias ao Minuto Saber mais sobre notificações do browser

Campo obrigatório