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"Sou privilegiado por ter crescido num bairro degradado e com problemas"

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o antigo futebolista passa em revista a carreira desportiva que começou no seio do problemático bairro das Fontainhas, na Amadora, condição que não deixou que o impedisse de fazer uma carreira de sucesso ao nível profissional.

"Sou privilegiado por ter crescido num bairro degradado e com problemas"
Notícias ao Minuto

07:54 - 26/08/21 por Rodrigo Querido

Desporto Exclusivo

Eduardo Fernandes Pereira Gomes, conhecido no mundo do futebol Dady, é um nome que não deve estar esquecido dos mais antigos adeptos do Belenenses, clube onde brilhou ao mais alto nível no futebol profissional.

Mas aquele que foi um homem-golo para Jorge Jesus no Restelo, onde teve Silas e Rúben Amorim como companheiros de equipa, esteve a um passo de desistir para sempre do sonho de ser jogador de futebol profissional.

Uma lesão no Sporting, mas também uma 'nega' do Futebol Benfica e uma mudança para o Sporting de Braga, levaram Dady a pensar desistir do futebol na adolescência. O agora ex-jogador largou a bola e foi para as obras, não querendo sequer ouvir falar em futebol.

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o agora treinador de futebol abre o livro sobre esse período negativo e sobre as origens no problemático bairro das Fontainhas, na Amadora, condição que não deixou que o impedisse de fazer uma carreira de sucesso ao nível profissional.A educação do bairro era diferente, e nós achávamos isso bem, o que está errado

Como surgiu a oportunidade de ser jogador de futebol? O Dady nasceu em Portugal, mas tem raízes de Cabo Verde…

A aptidão para jogar futebol foi reconhecida por um primo meu, na altura tinha seis ou sete anos. Ele viu que tinha jeito, e levou-me a treinar com a equipa dele, o Futebol Benfica. Fiz uns treinos, as coisas correram bem, o treinador gostou de mim. Mas tive de esperar pelos sete anos para ser inscrito, porque o ‘Fofó’ só tinha infantis. Fiz quatro anos de infantis, uma equipa com jogadores mais velhos do que eu, com 11 e 12 anos. Depois no meu primeiro ano no escalão dos infantis, joguei nos iniciados, e acabei por ir para o Sporting, onde fiquei até aos 16 anos. Nesse período, tive uma lesão, parei e recebi uma proposta para ir treinar a Braga. As coisas correram bem lá, mas o Futebol Benfica recusou a dar-me a carta de rescisão para rumar a Braga, e depois, quando volto, recusam-me também no clube. Fiquei dois anos sem jogar, e tive de ir trabalhar.

A infância certamente não foi fácil. Morava numa zona complicada do país, na Amadora, altura em que alguns amigos tiveram comportamentos desviantes. Conseguiu desviar-se desses caminhos?

Eu considero-me um privilegiado por ter crescido num bairro degradado e com muitos problemas de álcool e drogas. Desde muito cedo, chamei a atenção dentro do bairro das Fontainhas e tive todas as pessoas a cuidarem de mim. As condições não eram as melhores, mas tive sempre um vizinho a amparar-me, um primo atento se me faltava alguma coisa. Desde pequeno sempre me viram como a solução para o nosso bairro, a tal pessoa que iria elevar o nome para algo positivo que era o futebol. Tive essa sorte de ter essas pessoas que, mesmo tendo essa vida de delinquência, sempre me protegeram.

E contornava isso com um jogo de futebol nas ruas com os amigos? Já tinha em mente esse objetivo de ser futebolista?

Quando os miúdos da minha idade iam jogar à bola, os mais velhos assistiam e ficavam fascinados com o que fazíamos em campo. Eu destacava-me mais, mas havia outros colegas com capacidade e talento até mais elevados do que o meu. Percebi desde cedo o que queria ser e lutei sempre por isso. Com a ajuda dos mais velhos, que sempre me aconselharam, disseram-me que eu tinha de seguir a linha que segui, apesar de eles terem ido por outros caminhos. Sempre fui focado só no futebol, e, se calhar, foi por isso que, felizmente para mim, e infelizmente para outros que tinham condições superiores às minhas, consegui chegar a um patamar diferente.

Sente-se então um exemplo para os seus amigos por não ter enveredado por esse caminho das drogas e do álcool?

Exemplo não, mas sou o espelho deles, talvez até o sonho. Ainda sou amigo de muitos deles. Esses meus amigos reconhecem o porquê de não terem chegado onde cheguei, ao contrário de outras comunidades em que dizem que uma pessoa chegou mais longe por sorte. Eles trocavam o treino pelo cinema e até namoricos, mas eu não. Treinava às 19h30 e saia da escola às 19h. Se fosse acompanhar alguma rapariga da nossa idade a casa, não conseguia ir ao treino. Sempre fui focado naquilo que queria, e talvez isso tenha sido o maior desafio que me propus e daí as coisas aconteceram.

Notícias ao Minuto Dady ingressou no Sporting no ano 2000© Getty Images  

O Dady começa a formação no Futebol Benfica e depois segue para o Sporting. Como foram esse anos por Alvalade?

A minha equipa de infantis teve nove jogadores que deram em profissionais, só para verem a qualidade que a equipa tinha. Eu não fiz a carreira de formação toda no Sporting por causa do problema no joelho, mas também por maus comportamentos que eram normais de onde eu vinha. A educação do bairro era diferente, e nós achávamos isso bem, o que está errado. Eu estava errado, mas na altura achava que estava certo. Tudo isso obrigou à minha saída do Sporting. Talvez seja depois dessa saída que as coisas vão ao eixo. Depois fui trabalhar nas obras. Estava mal habituado porque achei que a vida era uma coisa e afinal era outra.

Quando termina essa etapa no Sporting, o Dady fica parado durante algum tempo. Pensou em desistir do futebol?

Sem dúvida. Quando vou treinar a Braga, as coisas correm bem. Mas o presidente do Fofó diz que não me dá a carta de rescisão nem me aceita de volta no clube, e aí quis desistir do futebol. Estive um ano e meio parado e não queria mesmo jogar. Hoje posso dizer que tinha uma depressão, mas na altura era normal não querer jogar. Se amigos meus falassem de bola, e mesmo até em casa, eu ficava chateado porque cresci sempre a jogar futebol. No meu primeiro ano de infantis no Sporting, fiz 92 golos e era visto como uma das promessas do clube. Fui o que fui não através do Sporting. Quem me descobriu foi o melhor olheiro do Sporting, Aurélio Pereira. Ainda hoje sou um dos meninos dele. Se agora estou a trabalhar como treinador, é por causa dele, que teve uma quota de culpa nisso. Depois de encerrar a carreira, telefonou-me para entrar para o Sporting como observador e depois quem sabe treinar lá. Sou muito grato a ele.

Sair do Osasuna foi uma das piores decisões da minha carreiraE foi esse período negativo que talvez o tenha impedido de chegar mais alto na carreira?

Não. Na formação sim, mas como profissional tive decisões negativas que até hoje me arrependo.

E que decisões foram essas?

Na minha carreira profissional tive duas más decisões. Uma delas foi sair do Osasuna no terceiro ano. Tinha mais um ano de contrato e o clube queria ficar comigo, mas nesse terceiro ano tive muitas lesões musculares e achava que se fosse para um campeonato diferente as coisas poderiam dar-se. Mas foi uma má decisão desportiva, porque todos me queriam e os adeptos já me conheciam dos outros dois anos. No caso de não ter tido as lesões, teria a oportunidade de mostrar que ainda tinha potencial, até porque ainda sou a contratação mais cara do clube. Senti que, se fosse para um campeonato mais fraco, poderia potencializar-me mais em termos de carreira. A ideia era boa. As coisas começaram bem na Turquia, onde até fui o melhor marcador na pré-temporada, mas depois tenho o azar da direção que me tinha contratado ter perdido as novas eleições em setembro desse ano. O novo presidente que assumiu o cargo disse ao diretor desportivo e ao treinador que todos os jogadores contratados, e eu tinha sido o reforço mais sonante, eram para ir embora em janeiro. Acabei por jogar muito pouco.

Volta ao futebol pela porta do Aldenovense, no Alentejo, antes de ingressar no Odivelas e assinar contrato profissional no Estoril. Depois desse período menos bom, voltou a ganhar confiança para jogar futebol?

Essa história [do Aldenovense] é engraçada. Eu não queria saber de futebol. Jogava com os meus amigos, mas tudo o que era competição estava fora. O que aconteceu foi que lá onde vivíamos fizeram uma equipa da zona que ia competir na última divisão. Eu iria entrar nessa equipa porque era uma competição ali da zona. Mas o meu irmão foi peça chave nesse processo. Ele disse-me que sabia que estava desiludido por causa do futebol, mas que eu voltaria a ganhar o gosto quando voltasse a entrar em campo. O que ele fez foi inscrever-se com a documentação dele, mas quem jogava era eu para recuperar a confiança. E aconteceu como ele tinha previsto. As equipas dessa divisão queriam contratar-me, mas em janeiro um amigo apresentou-me uma situação de um clube no Alentejo por eu estar farto de jogar futebol em Lisboa. Primeiro tinha-lhe dito que não queria, mas depois fiz lá uma semana de treino. As coisas correram bem, ligaram-me, ofereciam-me o mesmo que eu ganhava no trabalho mais casa e comida. Acabei por ir. A equipa estava no último lugar com três ou quatro pontos conquistados na primeira volta. Acabámos por descer de divisão a quatro pontos de distância do último clube que se manteve, mas deixámos o último lugar. Marquei 26 golos em três meses.

Os meus primeiros seis meses no Belenenses não foram positivosApós o Odivelas, ruma ao Estoril-Praia com um contrato profissional. Esse acordo deu-lhe outra responsabilidade e já não voltou e pensar desistir da carreira?

Quando vou para o Aldenovense, as coisas voltam a acontecer, e eu volto a pensar que se calhar tenho algum jeito, já estava focado no que queria ser. Depois, tive um treinador, que infelizmente já faleceu, que apostava muito em mim e via potencial. Sabia que estava atrasado em relação aos anos e tinha de dar ao pedal. Depois, fui para o Odivelas, onde as coisas correram bem. Encontrei lá o mister Daúto Faquirá, que me contratou para o Odivelas e me levou para o Estoril. No Estoril, é tudo perfeito. Seis meses depois, estava no Belenenses e, um ano e meio depois, rumei a Espanha.

Depois do Estoril, que alinhava na II Liga, ruma ao Belenenses, que estava na I Liga. Foi um sonho realizado?

Na altura foi. O meu sonho era jogar na primeira divisão, aparecer na televisão. Mas os meus primeiros seis meses lá não foram positivos porque praticamente não joguei. Fiquei meio desiludo na primeira divisão porque era tudo diferente e não fui preparado para isso, foi tudo muito rápido. Apareceu o mister Jorge Jesus com quem eu era quarta opção, mas ele queria-me no plantel. Com trabalho, fui ganhando o meu espaço, e acabei por ser o segundo melhor marcador do campeonato com ele.

Leia Também: "Levo muitas coisas de Jorge Jesus. Ele e Conceição foram os melhores"

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