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"Um barco à vela não custa o mesmo que umas sapatilhas ou uma bola"

O velejador olímpico, Jorge Lima, concedeu uma grande entrevista ao Desporto ao Minuto, onde falou sobre o estado atual da vela e o seu percurso profissional na modalidade "mais completa" de todas... mas também elitista.

"Um barco à vela não custa o mesmo que umas sapatilhas ou uma bola"

Jorge Lima foi o primeiro português, na companhia de José Luís Costa, a qualificar-se para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020.

O velejador olímpico, na classe 49er, concedeu uma grande entrevista no Desporto ao Minuto, onde 'navegou' pela sua carreira profissional, os mares onde sofreu os períodos de maior aflição, e a história que vai contar a filhos e netos.

Jorge Lima falou sobre o estado atual da modalidade, a "geração de ouro" que se perdeu, e o que podemos sonhar do velejador que nos vai transportar até Terras de Sol Nascente, para conquistar pontos... e um sonho cheio de "raça portuguesa".

A vela é um desporto de classes. É inegávelO que o motivou a tornar-se velejador?

Eu era muito novo, tinha cerca de oito anos, mas na altura o meu pai era windsurfista, e o meu irmão Gustavo já tinha começado a fazer vela. Tudo começou em Cascais. Segui as pisadas do meu irmão, e desde o início o ‘bichinho’ ficou.

E em que patamar se coloca a nível nacional/internacional?

Essa pergunta eu preferia que fossem os outros a responder, mas eu, nesta altura, sendo o único classificado para os Jogos Olímpicos do ano que vem, em Tóquio, e dado os resultados que fizemos em 2018, na fase de qualificação, em que fomos nonos no campeonato do Mundo, não posso dizer que as coisas estejam a correr mal. Eu prefiro dizer que os resultados falam por si, e não gosto de me gabar sobre o que fiz.

Mas considera-se o melhor velejador a nível nacional?

Isso, confesso que não. Serei um dos bons velejadores portugueses, mas não o melhor. Considero que estou num top-10.

Não tem havido um investimento adequado por parte das entidades públicas e privadasNo panorama internacional em que posição se coloca?

Eu considero que estou, na minha classe 49er, no top-10/12 a nível mundial, assumindo que qualquer um deles pode ficar na frente. Os neozelandeses e ingleses ocupam um patamar acima, comparativamente aos demais, sendo que as outras equipas se encontram num nível bastante similar. Até podia dizer que as medalhas para os Jogos Olímpicos de Tóquio são bastante incertas, em que tudo está bastante em aberto.

E qual é o estado atual da vela nacional?

A vela está numa situação bastante má. Nós somos os únicos portugueses qualificados para os Jogos Olímpicos, e isso podia-nos colocar num patamar muito especial, mas temos pena que noutras classes não tenhamos mais equipas, mais atletas, a conseguir a qualificação. Nós tivemos uma geração que começou agora a sair da modalidade, desde o João Rodrigues, ao meu irmão Gustavo Lima, o Álvaro Marinho ou o Miguel Nunes, que foram velejadores que honraram as nossas cores, durante muitos anos, ao mais alto nível. Nós estamos a conseguir bons resultados [Jorge Lima, na companhia de José Luís Costa, na classe 49er], mas precisamos de mais portugueses para mostrar ao mundo que Portugal tem grandes velejadores, todavia esta não é a melhor altura para o comprovar.

E isso está a acontecer porquê?

Houve uma geração de ouro, liderada por Hugo Rocha e Nuno Barreto, na década de 90, principalmente nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em que conseguiram uma medalha de bronze na classe 470, mas depois daí houve uma série de velejadores, os quais eu já nomeei, que colocaram Portugal no topo mundial, mas, ao contrário da maioria dos países de topo, não tem havido um investimento adequado por parte das entidades públicas e privadas. Apesar das condições terem melhorado, estão muito aquém das necessárias, e longe do que se oferece lá fora. Não conseguimos transportar para os atuais jovens a paixão que a geração que saiu tinha pela vela. Realmente nós investimos com o objetivo de nos tornarmos profissionais, agora uma ou outra equipa tenta conquistar boas condições, mas há pouca diversidade, e não há uma equipa que esteja a investir o suficiente para alcançar um patamar de topo. Neste momento, eu e o José Costa somos a única equipa inserida no projeto olímpico, e isso para a vela nacional é muito mau. A anterior direção da Federação de Vela foi muito negligente, em vários aspetos, e acabamos por estar a pagar um pouco dessa má gestão. Com a atual direção na Federação de Vela, liderada por António Roquete, já nos estamos a sentir mais apoiados, muito mais defendidos, e mais acarinhados, mas houve um buraco de 15/18 anos que 'rebentou' com a vela nacional.

O Jorge Lima chegou tão longe, mas maioritariamente com dinheiro saído do seu bolso?

No meu caso posso dizer que sim. Posso dizer que em 2003, quando recebi o convite do Francisco Andrade, com quem tive nos Jogos em 2008, nós agarrámos nas poupanças que tínhamos, comprámos um barco e começámos a treinar a fundo. Felizmente, o meu pai também nos deu uma enorme ajuda, comprou-nos um barco e isso fez toda a diferença, porque nos permitiu ter material para competir com os melhores. Conseguimos um ano e meio depois um resultado de projeto olímpico, e a partir daí demos um enorme salto. O financiamento do projeto olímpico foi determinante. Com os anos, fomos ganhando conhecimento, e desde essa altura conseguimos estar sempre na frente.

E considera que a vela é um desporto de classes?

Considero que sim. É inegável. Um barco à vela não custa o mesmo que umas sapatilhas de corrida, ou uma bola de futebol, ou comparado com qualquer outro material de modalidades olímpicas. A vela é um desporto elitista, a escola de vela é cara, a manutenção de material é cara, a compra de material competitivo é muito cara. Nós gastamos muito do dinheiro que temos disponível, que já não é muito, a comprar material novo. É um desporto a que nem toda a gente tem acesso, isso é inegável.

Temos todos a aprender muito com o mar

E é um desporto sem idade?

É, sem dúvida, um desporto sem idade. A vela é um dos desportos mais abrangentes ao nível de faixas etárias porque conseguimos ter crianças com menos de 10 anos já a praticar, e, na verdade, totalmente autónomas dentro de um barco à vela, assim como velejadores com 70, 80 ou 90 anos.

E como é que definiria a vela?

A vela é provavelmente o desporto mais completo que eu conheço. Tem uma parte psicológica muito difícil, de muitos nervos, de muita sensibilidade, que consegue ser super exigente, imprevisível, de difícil análise, no que diz respeito aos ventos, e com enorme competitividade. Um desporto incrível, que apaixona, mas infelizmente as pessoas não conseguem ter acesso às regatas. Mas toda a gente deveria experimentar este desporto fascinante, em que saboreiam o mar em silêncio, sem motor, ao sabor do vento.

Tem maior prazer em velejar sozinho ou acompanhado?

Na verdade depende do barco. Fazer windsurf no Guincho é das coisas que me dá mais prazer, mas praticar vela com outras pessoas é do melhor que há. Poder discutir e analisar as coisas, seja em competição ou em ócio, é realmente muito bom.

E quais são os maiores riscos associados a este desporto?

Correm-se riscos reais. A maior parte dos dias são pacíficos, mas velejar, como nós velejamos, em que as condições são extremas, nesses dias colocamos à prova os nossos próprios limites. Já apanhámos alguns sustos no mar, com frentes de vento muito fortes, ondas grandes. Existem riscos, mas, normalmente, com o uso de material adequado esse risco está bastante controlado.

Nós realmente temos histórias muito engraçadas, até porque o mar é bastante imprevisível

E o mar alguma vez o ‘traiu’?

Cheguei a assustar-me, não corri perigo de vida, mas apanhei um enorme susto. Eu estava com o José Costa, em Palma de Maiorca, tínhamos visto que ia entrar uma frente de vento muito forte pelas 9h30, fomos para o mar às 7h30, e por volta das 8h30 essa frente apareceu, e nós estávamos muito longe de terra. Perdemos o controlo, o barco virou-se ao contrário, e uma das soluções seria baixar a vela maior, mas o barco mesmo assim não se endireitou. Estávamos bastante exaustos, mas depois acabámos por resolver a situação, mas, no entretanto, deu-se uma luta de uma hora e meia que vencemos… com muito cansaço à mistura.

Quando um barco vira e estão 90 minutos a lutar contra o mar, o que passa pela cabeça de um velejador?

Na maioria das vezes, e na cabeça de um velejador experiente, é calcular o tempo em que vamos conseguir manter o controlo, ou seja, eu tenho de ganhar controlo do barco. Não vale a pena desviar o barco. Quando ele vira não representa assim tanto perigo, o importante é saber quanto tempo ainda vamos estar quentes, e quanto tempo temos para assumir o controlo da embarcação. Temos de saber antecipar estas situações, para não colocarmos as nossas vidas num risco real.

E qual é a melhor história que guarda da sua já larga experiência nos mares?

Nós realmente temos histórias muito engraçadas, até porque o mar é bastante imprevisível. A mais marcante ocorreu no campeonato do Mundo, no ano passado, em que garantimos a qualificação olímpica para Tóquio, em Arhus, na Dinamarca. Fomos para o último dia de competição no 16.º lugar da classificação geral, e já muito longe da qualificação para os Jogos Olímpicos. As condições eram muito extremas, com ventos fortes e ondas grandes, e na altura estavam previstas três regatas, só se realizaram duas. Na última delas, em que era o tudo ou nada, conseguimos fazer um quarto lugar que se veio a revelar suficiente para nos qualificarmos para os Jogos, para continuar no projeto olímpico, e nos apurarmos para a Medal Race [onde entravam os 10 primeiros]. Nos últimos 400 metros de regata, íamos entre o sexto e o oito lugar, e as condições estavam tão agressivas, que já três ou quatro barcos estavam virados na zona de meta. Nós conseguimos passar essas equipas todas, e na linha da chegada eu lembro-me que tudo se resolveu por uma questão de 50 centímetros. Conseguimos arribar o nosso barco de uma maneira incrível. Um momento marcante na minha carreira, que contarei aos meus netos e filhos.

O que Portugal pode esperar de si em Tóquio?

Ao nível de resultados nós não gostamos de avançar com um número e o que queremos ou vamos alcançar. Eu penso que, com bastante confiança, nós vamos para os Jogos com a experiência e a inteligência que nós temos. Há 10 anos que temos a felicidade de trabalhar juntos. Tivemos agora uma fase menos boa a nível físico, mas viramos-nos para Tóquio à procura de pontos. Mas, podem contar com o nosso melhor, e a raça portuguesa que nos caracteriza. Vamos sem dúvida lutar por um bom resultado, sabendo que a vela é um desporto imprevisível. Vamos tentar eliminar o nosso máximo de lacunas até lá, e conseguir um top-8. Tudo o que seja acima disso será fantástico.

O que é Portugal ainda tem a aprender com a vela?

Considerando que a vela é um desporto/atividade tão completa, qualquer pessoa que vá para o mar com um barco à vela pode agarrar-se a uma dependência total das condições meteorológicas, dependência total de si próprio e daquilo que é feito a bordo, até a maneira como se trabalha o material. Eu gostava que toda a gente tivesse a oportunidade de navegar, porque isto não é como conduzir um carro na estrada, em que nós podemos escolher o sentido. No mar é um campo aberto em que podemos fazer tudo, mas temos sempre de respeitar o mar e as condições do vento. É preciso estar sempre consciente daquilo que estamos a fazer, e diria que em Portugal é preciso ter muita atenção ao que se faz, sobretudo no que diz respeito ao mar. Temos todos a aprender muito com o mar, mas sendo bons observadores temos tudo para conseguir fazer coisas muito bonitas por lá.

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