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Conheça Saulo Laucas, o tenor cego e autista que as pautas "salvaram"

Saulo Laucas cantou o hino do Brasil no encerramento dos jogos paralímpicos e antes já tinha também atuado para milhões num concerto do Rock in Rio, mesmo sendo cego e autista, porque a música é a sua vida.

Conheça Saulo Laucas, o tenor cego e autista que as pautas "salvaram"
Notícias ao Minuto

09:00 - 30/09/16 por Lusa

Cultura Música

Quando se assinala o Dia Mundial da Música, no sábado, o tenor brasileiro, 32 anos, tem razões para comemorar. Hoje um artista conhecido e respeitado no Brasil foi através da música que venceu o autismo e é ela que hoje o move e o motiva.

Há um mês foi dele também a abertura de um concerto único do Rock in Rio na Amazónia de sensibilização para a defesa ambiental, transmitido para todo o mundo pela televisão e pela internet.

Nada que preocupe Saulo, tímido e impaciente, gestos por vezes desconexos e movimentos repetitivos. Até subir para um palco e se tornar um tenor de voz potente e seguro de si.

No palco da Amazónia interpretou "Canto della terra", do italiano Andrea Boccelli, também ele cego. "Estive a preparar-me uma semana porque eu estudo mesmo", afiançou em entrevista à Lusa.

"Em casa decorei a letra, é fácil e esta é mais ainda porque fala da terra, do sol... toda a gente pode entender a letra", diz Saulo, explicando que tirou a música da internet e decorou. Saulo na verdade decora tudo, além de identificar cada nota musical que ouve.

Saulo não costuma dar entrevistas e nem é muito falador. Mas à Lusa diz que nasceu com um pouco de visão, apenas 50 por cento de um dos olhos, e que estudou quatro anos de música, esteve na universidade, participou numa ópera, lançou CD.

"Gosto muito de música. Quando não estou estudando escuto muita música. Gosto muito de Bach, é o compositor que mais gosto, mas também gosto de música popular brasileira", diz Saulo, afirmando que começou a cantar aos 18 anos, com o professor de piano, primeiro como barítono.

Vanessa Bianca Pereira, a mãe de Saulo, sentada ao lado, intervém: "ele não chegou a ser barítono, o professor percebeu que a extensão vocal dele seria a de tenor".

E é ela depois quem conta o percurso de Saulo, desde a criança que só não chorava e gritava enquanto dormia, "e ele dormia muito pouco", ao momento em que ela percebeu que a música o influenciava.

"Comecei a perceber que quando ele ouvia sons melodiosos ele dava uma parada. Comecei a fazer testes com ele, no meio de uma crise eu metia uma música e ele parava. Percebi que algo mexia dentro dele com a música e comecei a aumentar o tempo de música, a oferecer sons diferentes, sempre música mais erudita, mais orquestral, mais calma".

Vanessa ainda se emociona quando recorda esses anos "terríveis", quando colecionou músicas para o manter calmo, quando Saulo "aterrorizava e destruía quem estivesse perto", as agressões, os irmãos terem de andar sempre com camisas de manga comprida para não serem arranhados e mordidos. "Foi muito doloroso, para ele e para a família. Ele começou a falar aos cinco anos, antes urrava de forma grotesca, pensei que nunca nos íamos comunicar".

"Agarrei-me à música como uma pessoa que se está a afogar e tem uma tábua de salvação. A música para o meu relacionamento com ele foi essa tábua", acrescenta.

Saulo começou a estudar teclado e depois piano no início da adolescência, mas pouco falava e o professor tentou que ele se expressasse pelo canto. Diz a mãe que o professor se "assustou" com as capacidades de Saulo, que o apelidou de "fenomenal" e que dois meses depois se confessou sem capacidade para ensinar mais, pela rapidez de aprendizagem.

Seguiram-se provas e a entrada para a Universidade Federal do Rio de Janeiro e os estudos. No ano passado participou numa ópera, ainda que para isso o cenário tivesse de ser adaptado.

É certo que nem tudo ainda é fácil. Vanessa admite que ainda há pessoas que têm medo de o contratar, de que algo corra mal. "Não sabem que como músico ele é autossuficiente, adulto e responsável. A vida pessoal dele tem de ser sempre reorganizada mas a vida musical não precisa, é de uma pessoa sem nenhum entrave nem obstáculo".

"A escrita dele é mental, ele tem as pautas de música mentais, a pessoa canta e ele descreve a pauta oralmente, perfeita", e depois é disciplinado e atento, "acho que dentro dele só tem notas musicais", conta Vanessa Bianca, filha de italianos, outros oito filhos irmãos de Saulo.

Saulo está impaciente, protesta porque a televisão foi apagada. Garante à Lusa que pretende continuar a estudar, que quer fazer mais coisas e que não se importava de interpretar mais uma ópera. Porque não precisa de partituras e guarda tudo na memória e aprende em horas o que os outros aprendem em meses.

Saulo levanta-se e já não ouve a mãe dizer que se surpreende em cada evento, que ainda se pergunta se o que vê e ouve é verdade. E Vanessa corrige o filho noutra questão: ele não tem 50 por cento de visão, não vê nada do olho direito e quando muito 05 por cento do esquerdo.

"Não sei o que e que ele tem de visão, porque para a ciência ele não tem nada. Mas a ciência diz uma coisa e a vida diz outra". A ela disse por exemplo que foi a música que lhe trouxe um filho ausente.

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