Com a chegada dos Santos Populares, chega também a época dos arraiais, das sardinhas, dos petiscos e, claro, dos excessos alimentares.
Esta é uma altura crítica para o agravamento de um problema de saúde que afeta 50% até 85% da população mundial - a Doença Hemorroidária.
Este assunto ainda é considerado tabu, porém, pode ser falado de forma descomplicada, prática e bem informada.
Neste sentido, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Vanessa Bettencourt, Assistente Hospitalar de Cirurgia Geral da Unidade Local de Saúde de Castelo Branco. A médica falou-nos sobre este tema e esclareceu o que são, afinal, as hemorroidas, quais os principais fatores de risco nesta altura do ano, e deixou ainda alguns conselhos práticos para quem quer aproveitar os Santos Populares sem sofrer mais tarde.
© Vanessa Bettencourt
O que é a Doença Hemorroidária?
As hemorroidas são estruturas vasculares normais localizadas na região anal, que ajudam no controlo da continência e da defecação.
No entanto, quando essas estruturas inflamam ou dilatam, dizemos que evoluíram para doença hemorroidária. A sensação de desconforto, dor e prurido no ânus, e a presença de sangue nas fezes são as manifestações mais comuns. Quando não tratada atempadamente pode evoluir para situações de exteriorização da mucosa retal. É classificada em doença hemorroidária interna quando ocorre dentro da mucosa retal; doença hemorroidária externa, quando se apresenta na pele ao redor do ânus; e doença hemorroidária mista quando caracterizada pela presença de doença interna e externa.
A sua ocorrência pode ser influenciada por fatores como obstipação crónica, esforço durante a evacuação, obesidade, gravidez, sedentarismo e excessos alimentares.
Quais os principais sintomas?
Como já referi, a dor, o desconforto anal, o prurido anal e o sangramento são geralmente os sintomas mais comuns. Há situações em que as perdas de sangue podem ser importantes, podendo evoluir para anemia.
Fatores como o sedentarismo, uma dieta pobre em fibras, obstipação crónica, gravidez e esforço excessivo ao evacuar podem contribuir para o seu aparecimento em qualquer fase da vida
Pode afetar qualquer pessoa, em qualquer idade?
Sim, embora seja mais comum na idade adulta e rara na infância. A sua prevalência, embora elevada, é de difícil avaliação. Vários estudos epidemiológicos apresentam valores dispares que vão desde 4,4% a 86%, conforme o tipo de populações estudadas. Não existe diferença entre sexo, surgindo habitualmente na 3.ª década de vida, atingindo um pico entre os 45 e os 65 anos.
No entanto, fatores como o sedentarismo, uma dieta pobre em fibras, obstipação crónica, gravidez e esforço excessivo ao evacuar podem contribuir para o seu aparecimento em qualquer fase da vida.
O que está na origem da Doença Hemorroidária?
Como já foi referido, a obstipação crónica, o sedentarismo, a obesidade, a dieta pobre em fibras e a não ingestão de líquidos, a gravidez, o esforço excessivo ao evacuar, atividade física que envolve pressão sobre o pavimento pélvico, são situações que desencadeiam dilatação e aumento da pressão dos vasos sanguíneos anorretais, logo risco de desenvolver doença hemorroidária.
Alteram-se as rotinas alimentares mais saudáveis, privilegiamos os petiscos tradicionais, muitas vezes picantes e muito condimentados e a ingestão de bebidas alcoólicas
Por que razão os Santos Populares podem ser uma época de risco para quem sofre com esta condição?
Esta é uma época em que tendencialmente podemos cair em exageros, ficamos muitas horas em pé ou sentados em locais pouco confortáveis, como acontece nos arraiais. Alteram-se as rotinas alimentares mais saudáveis, privilegiamos os petiscos tradicionais, muitas vezes picantes e muito condimentados e a ingestão de bebidas alcoólicas.
Tudo isto pode irritar o trato gastrointestinal e a mucosa anorretal, aumentar a pressão sobre a região anal e, claro, o risco em desenvolver doença hemorroidária ou agravar quem já a tem. É, por isso, natural que haja um agravamento dos sintomas nesta altura do ano. Mas não quero com isto dizer que as pessoas não podem festejar. Não devem é esquecer os cuidados com a alimentação e manter uma boa hidratação.
Como sabemos, a ingestão adequada de líquidos desempenha um papel essencial na prevenção da obstipação e na manutenção de hábitos intestinais saudáveis
Para as pessoas que vão celebrar os Santos Populares, que cuidados devem ter antes, durante e depois?
Recomendo reforçar a hidratação com uma boa ingestão diária de líquidos e evitar alimentos obstipantes ou irritantes da mucosa anorretal.
Como sabemos, a ingestão adequada de líquidos desempenha um papel essencial na prevenção da obstipação e na manutenção de hábitos intestinais saudáveis. Há estudos que confirmam a importância da ingestão diária de aproximadamente 2,5 litros de líquidos, assegurando que pode contribuir para a regularidade intestinal, favorecendo a hidratação das fezes e facilitando a sua passagem pelo trato digestivo. Além da água, outras bebidas como chás, sumos diluídos e soluções ricas em eletrólitos são também benéficas, pois contêm sais minerais que ajudam a retenção de água pelas fezes, promovendo um trânsito intestinal mais eficiente.
Em relação aos alimentos obstipantes e irritantes da mucosa, saliento os alimentos processados, muito condimentados, ricos em gorduras e açúcares refinados.
Há alguma forma de prevenir as hemorroidas?
Uma forma que pode prevenir a doença hemorroidária é a manutenção de hábitos de vida saudáveis. Além de uma alimentação rica em fibras e da ingestão adequada de líquidos, juntar a prática regular de atividade física e evitar o sedentarismo, que associado a bons hábitos alimentares vai melhorar o nosso trânsito intestinal.
É obrigatório, perante a suspeita clínica de doença hemorroidária, a realização de uma inspeção perianal, do toque retal e de uma anuscopia
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico geralmente envolve uma combinação de uma história clínica e exame objetivo clínico orientado pelos sintomas descritos.
É obrigatório, perante a suspeita clínica de doença hemorroidária, a realização de uma inspeção perianal, do toque retal e de uma anuscopia. Estes exames vão permitir uma avaliação completa da região retal, anal e perianal. Além disso, permitem também identificar a presença de outras doenças proctológicas como fissura anal, fístulas anais, doença inflamatória intestinal ou até mesmo a presença de neoplasia do reto ou do canal anal.
E, claro, ponderar a realização de uma colonoscopia se durante a entrevista clínica houver indícios da necessidade da realização do exame completo do colón e reto.
E como se trata uma hemorroida?
O tratamento da doença hemorroidária depende do tipo e do grau da doença. Começamos sempre pelas medidas higieno-dietéticas em que se incluem hábitos alimentares saudáveis, dieta rica em fibras, ingestão de pelo menos 2,5 litros de líquidos por dia, evitar a obstipação e o sedentarismo, combater a obesidade e contrariar os maus hábitos defecatórios como é o caso do esforço excessivo ao evacuar e os fatores que aumentam a pressão sobre o pavimento pélvico.
Seguem-se os banhos de assento depois de evacuar, os fármacos amaciantes das fezes e os fármacos venoativos que melhoram a saúde vascular, como é o caso dos bioflavonoides. Em alguns casos, a aplicação local de pomadas e cremes pode ajudar a aliviar os sintomas.
No caso da doença se apresentar muito sintomática e com indicação clínica, pode ser necessário recorrer aos tratamentos invasivos que podem ser realizados na consulta como é o caso da escleroterapia, laqueação elástica ou coagulação infravermelha e, por último, os procedimentos cirúrgicos realizados no bloco operatório.
É essencial identificar o grau da doença, baseado nos sintomas, e tentar evitar a evolução para graus mais avançados
Se a doença não for detectada a tempo ou não for bem tratada, quais os potenciais riscos para a pessoa?
Existem quatro graus de doença hemorroidária. Nos graus 1 e 2, que são caracterizados por sintomas como o prurido, corrimento anal e hemorragia, conseguimos controlá-los com o tratamento conservador.
Se não for feito tratamento e não houver abordagem nesta patologia, a doença pode evoluir para graus mais avançados, como o grau 3 e 4, em que o doente tem um prolapso da mucosa anorretal, o que provoca alteração na qualidade de vida do indivíduo.
É essencial identificar o grau da doença, baseado nos sintomas, e tentar evitar a evolução para graus mais avançados.
Em Portugal, qual a percentagem de pessoas que sofre com esta patologia?
Em Portugal, a estimativa é que 1 em cada 3 pessoas pode desenvolver doença hemorroidária. Mas não existem estatísticas oficiais.
É necessário dar importância a um exame objetivo perianal e procurar normalizar a necessidade de o fazer. Só assim iremos conseguir desmistificar a doença hemorroidária
Esta doença ainda é um tabu. Por que motivo?
A patologia proctológica ainda é um assunto tabu. Primeiro, porque é pouco falada, pelo que acho que a devemos abordar mais como uma condição frequente que atinge uma grande faixa da população; e devido à sua localização.
É necessário dar importância a um exame objetivo perianal e procurar normalizar a necessidade de o fazer. Só assim iremos conseguir desmistificar, fazer um diagnóstico e perceber quais são os sintomas que estão relacionados, ou não, com a doença hemorroidária.
Por outro lado, com o diagnóstico realizado, conseguimos mudar hábitos, e a partir do momento em que mudamos os hábitos, evitamos a evolução da doença e a necessidade de ter uma abordagem cirúrgica ou mais invasiva.
Leia Também: Hemorroidas? Usar telefone na sanita pode aumentar drasticamente o risco