"Certo dia, estava em casa, em Lisboa, e li um artigo num jornal onde era noticiado que o príncipe da Pontinha autorizava o Presidente da República a passar no seu território marítimo", contou à agência Lusa Gonçalo Guerra, explicando que foi assim que nasceu a ideia de rodar um filme sobre o professor de Educação Visual Renato Barros, proprietário do Forte de São José, localizado num pequeno ilhéu junto ao porto do Funchal.
A história remonta a agosto de 1903, quando o rei de Portugal, D. Carlos I, procede, mediante Carta Régia, à venda em hasta pública daquele forte. Quase cem anos depois, em outubro de 2000, o imóvel é adquirido por Renato Barros, sem este saber que a Carta Régia documentava não só a venda da propriedade, como também o domínio do ilhéu.
E foi assim que o professor decidiu autodenominar-se príncipe do ilhéu da Pontinha.
Gonçalo Guerra, que tem 25 anos e está a concluir o curso de Cinema, Vídeo e Multimédia na Universidade Lusófona, ficou, entretanto, impressionado ao ver Renato Barros ser "completamente gozado" num programa televisivo e decidiu avançar com o filme também com o objetivo de lhe dar oportunidade para explicar a sua história.
"Compreendo que a situação crie dúvidas, que possam não acreditar no que ele diz, ou achar que uma Carta Régia hoje em dia já não tem valor, mas eu quis captar o dia-a-dia do príncipe, deixando as conclusões para os espectadores", disse, sublinhando que o filme não foi feito para responder, mas sim para deixar no público questões e até mesmo estimulá-lo a investigar mais a história.
O realizador lembrou que um dos lemas do príncipe é "as palavras voam, mas a escrita permanece", o que, a seu ver, constitui um bom recado às pessoas que pensam que, por ter acabado a monarquia, um documento assinado pelo rei deixa de ter valor.
"Um sonho soberano" é uma produção de baixo custo e demorou quase dois anos a concluir. Atrás das câmaras, estão apenas quatro elementos.
Gonçalo Guerra deslocou-se quatro vezes à Madeira para captar imagens e o projeto, inicialmente concebido como curta-metragem, transformou-se numa longa de 76 minutos.
"Com o tempo, percebi que o Renato Barros é apenas um dos vários elementos dentro deste sonho: há o príncipe, a família, a rainha, sua mãe, há o ilhéu, há o forte de São José, há as pessoas que lá trabalham, que recebem turistas, tratam dos jardins, fazem obras", explicou, realçando que o documentário inclui também entrevistas com arqueólogos e historiadores, para contextualizar a situação.
A película procura, por outro lado, tocar o espectador com a "magia dos contos de fadas", numa época em que a atualidade noticiosa está bastante marcada pela tragédia.
"Essa magia foi uma das coisas que também me atraíram muito e motivaram a fazer o filme. É uma história diferente e isso torna o projeto mais apelativo", disse Gonçalo Guerra, afirmando que "o que faz falta em projetos de audiovisual em Portugal é fazer histórias diferentes".
O jovem realizador vincou que a história de um príncipe e de um Principado na Madeira, por mais surreal que pareça, tinha de acabar no cinema e é precisamente numa das salas mais emblemáticas do Funchal - o Teatro Municipal Baltazar Dias - que vai estrear, hoje, às 18:30.
"Foi um grupo de quatro rapazinhos a tentar fazer fogo com pauzinhos. Eu só vi a chama aparecer quando o Madeira Film Festival me disse que o filme tinha sido selecionado", contou Gonçalo Guerra, sublinhando que o projeto é um sonho para o príncipe e um sonho para ele próprio.