Espetáculo sobre bailarino perseguido pela ditadura regressa a Lisboa

O espetáculo "Mário", um monólogo de Fernando Heitor, que conta, em forma de ficção, a vida de Valentim de Barros, bailarino homossexual perseguido pela ditadura, vai regressar ao Cinema São Jorge, em Lisboa, a partir de quarta-feira.

Debaixo do seu teto, bailarinos também mostram o que valem

© David Perkins

Lusa
20/07/2020 18:16 ‧ 20/07/2020 por Lusa

Cultura

Mário

De acordo com a produção, o monólogo, interpretado por Flávio Gil, e estreado em agosto de 2019, que regressou em janeiro deste ano ao palco, sempre com sessões esgotadas, vai ser apresentado entre quarta-feira e o dia 01 de agosto.

A mesma fonte disse à Lusa que a produção está a preparar uma digressão, depois de vários teatros espalhados pelo país terem manifestado vontade de receber o espetáculo, mas "a pandemia está a deixar o teatro em suspenso", pelo que ainda não houve respostas para datas e lugares, em definitivo.

A peça "Mário - História de um Bailarino no Estado Novo", que Fernando Heitor também encena, resulta da investigação à época e aos testemunhos sobre Valentim de Barros, o bailarino que viveu internado no Hospital Miguel Bombarda, durante mais de 40 anos, por um único motivo, a homossexualidade assumida.

Valentim teve aulas de dança clássica no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, estudou com a professora alemã Ruth Aswin, foi bailarino em Barcelona, Berlim e na ópera de Estugarda, na década de 1930, e viveu a ascensão nazi na Alemanha, de onde foi expulso pouco antes da eclosão da II Guerra Mundial, em 1939.

No regresso a Portugal, foi preso pela polícia política da ditadura, sujeito a uma lobotomia, a eletrochoques e internado no Hospital Miguel Bombarda, onde permaneceu, diagnosticado com "psicopatia homossexual e pederastia passiva", desde 1940 até à morte, aos 69 anos, em 1986 (Valentim não chegou a abandonar o hospital, mesmo após a conquista da ter liberdade de movimentos, após a Revolução de Abril, de 1974, e a descriminalização da homossexualidade em Portugal, apenas verificada em 1982).

A sua história foi recuperada pelo investigador António Fernando Cascais, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que a analisa, através de diferentes fontes, em "Onde eu não dance, a solidão fá-lo por mim: Valentim de Barros", um dos ensaios do livro "Hospital Miguel Bombarda 1968", com fotografias do médico José Fontes, publicado pela Documenta/Sistema Solar, em 2016.

António Fernando Cascais, que reconhece a necessidade de uma "abordagem de fundo" da biografia de Valentim de Barros, pensa aqui o percurso do bailarino, assim como o contexto em que se desenrola e a perceção que dele é assumida, com base em documentos disponíveis, que vão do processo da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), antecessora da PIDE, polícia política da ditadura, a entrevistas realizadas em momentos distintos da vida do bailarino.

"Toda a vida de Valentim foi devassada até ao mais ínfimo pormenor para explicar essa homossexualidade que passou a ser ele próprio, para preencher com a matéria-prima da sua biografia, o sentido e a substância de uma palavra de outro modo vazia de conteúdo e de gente", escreve Cascais no seu trabalho.

E, no entanto, "do punhado de internados famosos no Hospital Miguel Bombarda, Valentim de Barros é aquele de quem mais há ainda por saber, porque menos segredos teriam as biografias dos outros (...) e muito se deixa [apenas] adivinhar sob as descrições, relatos e entrevistas que restituem a sua história", escreve ainda Fernando Cascais.

Colocando Valentim de Barros "na posição inicial a partir da qual se desencadeia o movimento que leva da vergonha ao orgulho" e à construção da identidade, Cascais fala por fim da importância do seu caso e da "sabedoria feroz" que este impõe e "nos impede de esquecer".

Em 2013, o Pavilhão 31 do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa montou a exposição evocativa "O Bailado de Valentim de Barros".

Quatro anos mais tarde, em 2017, a gala Abraço homenageou-o e, em 2018, o duo Fado Bicha, de Lila Fadista e João Caçador, dedicou-lhe um fado.

Os espetáculos no Cinema São Jorge, em Lisboa, estão previstos para as 19:00, de quarta-feira a sábado.

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