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Leonardo da Vinci, personagem luminosa feita de fracassos

A historiadora Maria Paula Diogo considera que Leonardo da Vinci, cujo V centenário da morte se assinala na quinta-feira, foi "uma das personagens mais luminosas", que revelou que "a história da tecnologia não é uma sucessão de sucessos".

Leonardo da Vinci, personagem luminosa feita de fracassos
Notícias ao Minuto

12:08 - 28/04/19 por Lusa

Cultura Historiadora

Para a coordenadora do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, o inventor, artista, engenheiro mecânico e cientista renascentista, tendo sido "um homem de imenso sucesso", não se deixou abater pelos "muitos fracassos".

Segundo a investigadora, o génio italiano, que nasceu em 1452 na pequena cidade toscana de Vinci, continuou a sua investigação, a querer saber como as coisas funcionavam, apesar do "grave problema" da falta de materiais adequados na época para concretizar as soluções que propunha.

"Percebia muitas vezes que estava a fazer uma coisa correta do ponto de vista teórico, e até do ponto de vista do desenho, mas que não podia fazer funcionar devido a problemas com os materiais", disse à Lusa a especialista em história da tecnologia, sublinhando que Leonardo da Vinci foi inovador ao desenhar com detalhe as suas invenções, mesmo sabendo que não estava em condições de as construir, muito embora "o princípio" para as pôr a funcionar estivesse correto.

Isso ficou demonstrado com os protótipos de aviões, sustenta Maria Paula Diogo. Leonardo da Vinci "percebe perfeitamente que aquilo poderá funcionar", mas "não tem uma fonte de movimento além do músculo humano".

O protótipo do helicóptero, o 'parafuso aéreo', foi desenhado tendo por base que era necessário um movimento rotativo para subir no ar, mas faltava-lhe o motor para impulsionar esse movimento e levantar voo.

Partindo da sua experiência como organizador de banquetes para os mecenas para os quais trabalhava, Leonardo tentou criar os primeiros elevadores de cozinha, mas foram "um fracasso" porque eram de madeira e ardiam.

Não foi o único a inventar um paraquedas, fez "muitas experiências" à custa disso, mas teve um entrave. Na sua época só havia lona engomada, que "era pesadíssima", lembra Maria Paula Diogo, e o paraquedas, para funcionar, precisava de material resistente e leve.

Para a investigadora, a minudência e a beleza dos desenhos de Leonardo da Vinci refletem o seu "espírito científico, de missão, de encontrar soluções", mas também "o prazer, a fruição". "Pensava o desenho e tinha o prazer da investigação", advoga Maria Paula Diogo.

A sua obra é marcada por centenas de anotações e desenhos, que estão na génese da ilustração científica moderna, instrumento de trabalho para anatomistas e biólogos.

Não sendo médico, Leonardo da Vinci obteve autorização especial para dissecar corpos humanos nos hospitais de Florença e Roma. Nos seus desenhos de anatomia, um braço aparece com músculos e tendões, o que pressupunha que teve de observar vários cadáveres em decomposição.

A observação era, aliás, para o cientista multifacetado "o elemento fundamental do conhecimento", adianta Maria Paula Diogo.

Leonardo da Vinci parte da observação para fazer desenhos do interior do corpo humano, uma vez que não dispunha de conhecimentos de medicina, mas também para arquitetar projetos de engenharia.

A máquina voadora, ou ornitóptero, um par de asas acoplado aos braços, é inspirada nas asas dos pássaros e foi desenhada depois da constatação de que as aves voavam porque tinham um "esqueleto mais leve", refere a coordenadora do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia.

Nesse sentido, a máquina voadora, precursora da asa-delta ou do planador, foi a forma que o inventor encontrou para tentar dominar a natureza e pô-la a funcionar a favor do homem, dadas as suas limitações.

Tirando proveito dos seus conhecimentos de engenharia, que o levaram a ser assistente de arquitetos, Leonardo da Vinci escreve cartas de apresentação a mecenas "extremamente poderosos" - os 'senhores da guerra' - para que o contratem.

Na carta dirigida em 1482 ao duque de Milão, Ludovico Sforza, o seu primeiro mecenas, Leonardo garante que tem planos para pontes "seguras e indestrutíveis" e com as quais "o senhor poderá perseguir o inimigo e, às vezes, fugir dele", planos para morteiros "muito convenientes e fáceis de carregar" e afiança que sabe "fazer canhões e artilharia leve".

De acordo com Maria Paula Diogo, Leonardo da Vinci tinha "a ambição de ter uma carreira e um apoio financeiro sólidos", pelo que trabalha com os "melhores arquitetos" e "escolhe mecenas de elevado calibre". Ajuda os arquitetos na construção de catedrais, como a de Florença, e oferece aos mecenas autómatos - bonecos mecânicos - para animar as suas festas e "provar a sua superioridade" em relação aos opositores quando não estavam em cenário de guerra.

"É um dos primeiros grandes construtores de autómatos do período renascentista", realça a historiadora.

Um dos autómatos, o cavaleiro, foi inventado para animar as festas na corte do duque de Milão. O boneco movia braços, levantava o visor do elmo, ficava em pé e sentava-se graças a um sistema de engrenagens, cabos e pesos.

Outro boneco mecânico, ao qual se dava corda na barriga, era um leão, concebido para homenagear a visita do rei francês Francisco I a Florença.

Foi precisamente ao serviço de Francisco I que Leonardo da Vinci morreu, em 02 de maio de 1519, em Amboise, França, aos 67 anos.

Em 1998, o "Códex de Leicester", uma coleção de anotações científicas do renascentista, esteve exposto em Portugal, numa mostra no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.

O manuscrito, propriedade do magnata, filantropo e fundador da Microsoft Bill Gates, contém observações e teorias sobre astronomia, as propriedades das rochas e dos fósseis e o movimento da água - este último permitiu a Leonardo fazer recomendações sobre a construção de pontes e a erosão.

"É um homem da prática, mas que vai refletir também sobre uma série de fenómenos", sintetiza a historiadora das ciências Ana Isabel Simões, vice-coordenadora do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, destacando os domínios da ótica e da perspetiva, essenciais para o seu trabalho como artista.

Leonardo da Vinci era ambidestro. Para evitar ser copiado, escrevia ao revés. As páginas que escreveu "são quase todas invertidas" e para serem lidas é preciso normalmente um espelho, conta a historiadora Maria Paula Diogo.

"Um artifício", diz, usado pelo inventor para contornar a falta de registo de propriedade intelectual, mas que atesta a sua singularidade.

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