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"O Governo faz mesmo muito mal se não entender os sinais"

No dia em que os sindicatos da Função Pública participam numa manifestação nacional, o Notícias ao Minuto falou com Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum e histórica dirigente sindical da administração pública. Entre as reivindicações estão aumentos de salários, uma resposta à proposta reivindicativa comum e o descongelamento das carreiras.

"O Governo faz mesmo muito mal se não entender os sinais"
Notícias ao Minuto

16/03/18 por Beatriz Vasconcelos

Economia Ana Avoila

Numa semana marcada por greves de vários setores da Função Pública, esta sexta-feira decorre uma manifestação nacional organizada pela Frente Comum e os restantes sindicatos da administração pública. Os sindicatos dão voz aos trabalhadores para pedir aumentos dos salários,  descongelamento de carreiras, entre outras medidas a favor dos trabalhadores do Estado. 

O Notícias ao Minuto falou com Ana Avoila, histórica dirigente sindical,  cujas informações sobre carreira e vida profissional são escassas. Nesta entrevista, Ana Avoila considerou não ser a altura certa para falar sobre o seu percurso, uma vez que há interesses que prevalecem, nomeadamente os dos trabalhadores. 

A coordenadora da Frente Comum critica o modo como o processo do descongelamento das carreiras está a decorrer, destacando que o Governo tem condições para fazer mais graças a uma maioria parlamentar que conseguiu formar com o apoio da Esquerda. 

No plano político, Ana Avoila não poupa nas descrições: caso o PS se junte ao PSD será "explosivo". Sobre Rui Rio, a dirigente sindical não se alonga, e entende que a relação com qualquer eventual primeiro-ministro depende do modo como trata os trabalhadores. Sobre a atual governação, as críticas recaem sobre o Ministério das Finanças e deixa um alerta: "o Governo faz mal se não entender os sinais".  

É muito difícil encontrar informações sobre si e a sua carreira, o que podemos dizer às pessoas sobre a Ana Avoila?

Não é a altura para eu falar em termos pessoais. Neste momento, temos um quadro muito grande de problemas na administração pública. Creio que não é a altura certa para se falar nos termos pessoais de qualquer dirigente.   O nosso patrão é o Governo, seja do PS ou PSD ou quem for (...) Este Governo tem um quadro privilegiado e podia fazer muita coisa, mas na nossa opinião não o está a fazer

Qual é a relação entre a Frente Comum e o atual Governo?

Nós temos uma postura de vida ou de trabalho na Frente Comum, nos sindicatos e na federação que tem muito a ver com isto: o nosso patrão é o Governo, seja do PS ou PSD ou quem for. Quase sempre é uma força antagónica, porque há interesses diferentes, mesmo sendo o Estado. Este é um Governo a quem foi dada a possibilidade [de governar], através de uma maioria parlamentar com partidos à Esquerda, depois de muita luta dos trabalhadores – e a administração pública teve um papel fundamental, pela luta que desenvolveu nos anos da troika. Este Governo tem um quadro privilegiado e podia fazer muita coisa, mas na nossa opinião não o está a fazer.

Por isso, a relação que nós temos com este Governo é como a que temos com outros governos. A proposta reivindicativa comum, que apresentamos todos os anos, foi apresentada em setembro, mas ainda não temos uma resposta. O Governo insiste em não fazer uma contraproposta às propostas que nós apresentamos. Essa proposta tem questões importantíssimas como o aumento de salários, a revisão das carreiras que foram destruídas no tempo de Sócrates e aprofundadas ainda pelo governo do PSD/CDS, que veio fazer ainda pior.

Este Governo não dá resposta às propostas da Frente Comum, tem todas as possibilidades para fazer várias coisas, depois das que já fez no início porque foi forçado a isso. Por exemplo, fizemos lutas intensas pelas 35 horas, pela revogação da lei das 40 horas, e depois a solução que se constituiu na Assembleia da Republica permitiu que as 35 horas fossem uma realidade. Mas a promessa de que seriam alargados aos SITES, que são mais de 70 mil, ainda hoje está por cumprir. A questão dos feriados foi bem-vinda e agora o descongelamento das carreiras, que nós até consideramos ser ilegal e inconstitucional estar congelado.

Por que razão consideram que é ilegal?

Porque a mudança de posição remuneratória não é facultativa e há duas formas de o fazer: uma por opção gestionária, desde que haja cabimento orçamental e o trabalhador tenha 'x' de avaliação, e a outra é que obrigatória, desde que se tenha 10 pontos ter-se-á de se mudar. Aqui, a questão legal é exatamente como nos salários: os cortes dos salários foram declarados como inconstitucionais e creio que se tivéssemos pedido para colocar essa questão no Tribunal Constitucional teria sido também declarada como inconstitucional. E isso leva-nos a outra questão: as pessoas depois de terem tido as suas carreiras congeladas desde 2005 - e uns bons milhares desde 2002.

Desde essa altura, e tendo sido feito esse progresso por todos os trabalhadores, o que o Governo está a fazer não é nada. Ou seja, o descongelamento da posição remuneratória – que é uma reivindicação nossa – mas partido em quatro vezes, o que para o assistente técnico dá cerca de 12 ou 13 euros, não é a reivindicação dos sindicatos.

O que esperávamos deste Governo era que se sentasse à mesa com os sindicatos e fizesse um verdadeiro descongelamento das carreirasMas o facto de esse pagamento ser feito não é uma mais-valia?

Não é uma mais-valia. Para já é um direito. [O Governo] não tem o direito de fazer o pagamento em quatro vezes, porque nós temos direito a esse dinheiro no dia 1 de janeiro. Não concordamos com isso e não concordamos com a atribuição pura e simples de um ponto por cada um sem se ver efetivamente a avaliação que os trabalhadores têm, porque isso irá prejudicar muito. E já nem falamos das carreiras não revistas, que estão agora com grandes problemas.

O que esperávamos deste Governo era que se sentasse à mesa com os sindicatos e fizesse um verdadeiro descongelamento das carreiras, uma alteração à tabela remuneratória única – que é uma vergonha, porque como não cabia toda a gente há posições virtuais que têm um valor muito inferior para os escalões que não são virtuais e agora quando passam há uma portaria que diz não podem ganhar mais do que 28 euros no impulso. Mas 28 euros não é nada, partido em quatro vezes não é nada. Portanto, aquilo [o processo de descongelamento] está de rastos, com a aplicação do salário mínimo têm vindo a criar-se novos problemas.

A totalidade dos escalões será paga em 2019, que é o ano das eleições. Podem dizer que não é eleitoralismo, mas se não é até calha bem porque as pessoas vão receber mais

Desta vez resolvemos os problemas do salário mínimo, mas aqueles que não ganhavam esse salário ficaram para trás daqueles que ganhavam o salário mínimo. Ou seja, daquilo que são quatro níveis, os trabalhadores do salário mínimo estavam em segundo e passavam para os 580 euros, como não havia 580 euros na tabela passavam para os 583 euros, mas tinham de fazer a mudança remuneratória e então passaram para os 630 euros. Já os que estavam na terceira posição, e que não ganhavam o salário mínimo, ficaram atrás deles todos. O assistente técnico fica com uma diferença de apenas três euros. Isto está tudo escangalhado.

O que se esperava era que este Governo se sentasse à mesa connosco, descongelasse as posições mas não desta forma. Porque, repare, a totalidade dos escalões será paga em 2019, que é o ano das eleições. Podem dizer que não é eleitoralismo, mas se não é até calha bem porque as pessoas vão receber mais.

Em relação ao IRS também não se fez sentir nada. Os nossos salários, neste momento, estão em valores inferiores aos de 2010, que foi quando houve a carga fiscal altíssima do [Vítor] Gaspar. O Governo tinha de adaptar a carga fiscal à realidade porque se não os salários continuavam baixos e então com a questão do duodécimo do subsídio, que faltava resolver, em janeiro toda a gente recebeu menos. Estamos a receber muito menos dinheiro. Por este motivo, a relação com o Governo é de, muitas vezes, pseudo-negociação.

Há ali uma profunda descoordenação naquele Ministério, porque o senhor secretário de Estado deveria saber o que está ou não a ser discutido A propósito das negociações com o Governo, como correu a última reunião?

A última reunião era uma reunião para empatar. Era uma reunião que tinha matérias que não faz sentido – apresentaram um cardápio enorme de coisas para discutir até ao final de março, quando elas já estão a ser discutidas nos setores, que é o grupo de carreiras. Vou dar-lhe um exemplo: as carreiras das inspeções já estão a ser revistas, a da ASAE está concluída, a da inspeção de pescas estamos agora a concluir e faltam duas ou três; a dos registos e notariados está concluída, a dos oficiais de justiça falta pouco. Há ali uma profunda descoordenação naquele Ministério, porque o senhor secretário de Estado deveria saber o que está ou não a ser discutido. O compromisso é que até ao final de março nos entregue as propostas, quando chegar ao final de março já está tudo discutido com os setores. Nesta parte há uma profunda descoordenação, não chamo ignorância porque há lá gente que sabe e é só mandarem as pessoas falar, mas incompetência é.

Relativamente aos pontos que foram polémicos, destaca-se o descongelamento das carreiras, porque não concordamos com a forma como está a ser feito. Isto nunca se viu. De cada vez que sai uma lei o Governo deve fazer um despacho, em vez de andar a perguntar quanto tempo as pessoas têm. A verdade é que fizeram uma lei muito complicada, a questão da notificação dos pontos não está a ser feita e em alguns casos estão a processar sem sequer notificar dos pontos.

Se é propositado acho que é um exagero esta forma de trabalhar das Finanças, ou se é efetivamente uma questão de descoordenação, de incompetência ou de não saber fazer António Costa diz que no final de abril serão descongeladas as carreiras a 88 mil funcionários públicos. A verificar-se, tendo em conta que Mário Centeno anunciou 400 mil…

Falta muito, falta muito. E não sei como irão trabalhar. Na iniciativa da CGTP [Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses] eu disse isto e volto a dizer: não conseguimos perceber. Se é propositado acho que é um exagero esta forma de trabalhar das Finanças, ou se é efetivamente uma questão de descoordenação, de incompetência ou de não saber fazer. A verdade é que aquele Ministério [o das Finanças] está numa situação muito complicada.

Mas é verdade também que o PREVPAP é um instrumento complicadíssimo, muito burocrático e que foi feito desta maneira, o que também nos leva a pensar que as coisas são feitas propositadamente assim para irem cativando mais algum dinheirinho, por causa das questões dos défices e essas coisas.

Como é que vê a situação dos vínculos precários na Função Pública?

Estou muito, muito preocupada. Muito preocupada porque não é nada que nós não tivéssemos dito, mas este Governo tinha um compromisso com os partidos à Esquerda de resolver a precariedade. E não só na Função Pública, também no setor privado. No privado não resolveu nada. Através da luta dos sindicatos privados têm entrado precários para os quadros, mas os números aí publicados estão muito longe e o trabalho precário tem vindo a crescer. Mesmo com o crescimento do emprego, o trabalho precário é que prevalece com baixos salários, não é trabalho efetivo.

Na administração pública é muito complicado por duas razões. A primeira é que este processo da descentralização vai levar a que possa vir a fazer-se aquela questão da antiga requalificação, que agora se chama valorização profissional, que é deslocar trabalhadores de um lado para o outro, sem qualquer tipo de condição. A outra questão é que pode mesmo começar a haver excedente de trabalhadores, caso comecem a passar funções do Estado sem levar um trabalhador atrás. Por que razão que dizemos isto? Porque o pacto de estabilidade que o Governo aprovou e mandou para a União Europeia tem uma redução de seis mil trabalhadores até ao ano de 2020. Por isso, temos de começar a juntar as pontas todas e a questão da precariedade aumentou desde que começou o PREVPAP [programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública].

Contratos à hora são uma vergonha, nas escolas é 3,79 euros por hora, em vez de abrirem os tais concursos que disseram que iam abrir para os não docentes Em que sentido é que essa precariedade aumentou?

Aumentou nas formas. Os contratos de emprego e inserção não abrandaram. Nos museus, desde essa altura entraram 78 contratos de emprego e inserção. Nos museus, trabalhadores que vêm do desemprego e que não percebem nada de museus e as pessoas devem saber o mínimo para explicar o que está no museu, não é só estar à porta a cobrar bilhetes. Mas o problema não é só nos museus, estou a dar este exemplo para vermos o problema que existe de pessoal e precariedade.

Depois, recibos verdes continuam a fazer-se. Contratos à hora são uma vergonha, nas escolas é 3,79 euros por hora, em vez de abrirem os tais concursos que disseram que iam abrir para os não docentes. É verdade que abrem, mas abrem à hora, duas de manhã e duas à tarde, não são concursos para efetivar.

Desde que acabou o processo do PREVPAP já entraram mais de três mil trabalhadores precários para a Função Pública e há um problema que para mim é o mais complicado de todos: o relatório que o Governo mandou fazer tinha 116 mil trabalhadores e, neste momento, estão a ser apreciados os requerimentos de 32 mil trabalhadores, sendo que 20/25 mil são da administração local, ainda faltam cerca de 60 mil. Já sabemos que os que sobram não meteram requerimento por ganharem mais, não o fizeram porque lhes foi dito que o vínculo era adequado. Quando o vínculo é adequado não interessa ter uma função permanente para o Governo, que diz que para te uma função permanente não é necessário um lugar no quadro. Se é adequado, não tem de ser resolvido.

Este quadro de precariedade dentro da administração pública é muito grave. O Governo definiu um conceito de precariedade que não corresponde à realidadeEntão e o que é que acontece a esses 60 mil trabalhadores?

São recibos verdes e 'outsourcings'. Foram contratados, por exemplo, para fazer um projeto de investigação na União Europeia com a duração de dois, três anos e vão-se arrastando no tempo. No setor privado, três anos dá direito a que o trabalhador seja integrado nos quadros, mas aqui não. Ou seja, os trabalhadores ficam vários anos naquele projeto, deixam passar a melhor idade para se empregarem, que hoje toda a gente sabe que é mais difícil arranjar emprego depois dos 42/43 anos, e o Governo considera aquele vínculo como adequado, tal como acontece nos 'outsourcings'.

Este quadro de precariedade dentro da administração pública é muito grave. O Governo definiu um conceito de precariedade que não corresponde à realidade. Para eles, aqueles 60 mil nada têm a ver com precariedade, são trabalhadores que terão uma vida instável, porque não sabem quando acaba o contrato. Quando acaba o projeto vão para a rua. Este Governo pode fazer mais e melhor. Os sindicatos pediram desde o início um processo igual ao do engenheiro Guterres, que não é aquilo que nós queremos mas foi do melhor que apareceu para fazer frente ao problema da precariedade. Queríamos que fossem publicadas as listas das pessoas que estão em situação de vínculo precário, era aberto um concurso e depois na altura do concurso logo se via se as pessoas tinham as condições necessárias.

E quais são essas condições?

As condições são a pessoa entrar por concurso para a carreira onde estava e há aí alguns problemas, por exemplo, se um licenciado entrou para a carreira administrativa porque era aí que tinha não é neste concurso que irá resolver, mas entra para o quadro. Aqui não. Haverá um concurso, com uma entrevista, em que o pessoal auxiliar (que são os assistentes operacionais) entra um em dois, porque trabalham à hora e fazem de forma a que um possa ter o total de horas semanais para que possa entrar.

Temos alguns trabalhadores que estão há seis sete anos neste regime de horas, ganham 200 e tal euros por mês, com duas horas de manhã e duas à tarde. Não faz sentido e não creio que este seja o caminho a seguir. Não podemos viver numa sociedade em que há uma repressão cada vez maior na estabilidade de emprego. O que se diz é que os jovens estão habituados, mas não. Não estão nada habituados. Os jovens querem é uma vida segura como quiseram os que não são jovens quando tiveram os seus vínculos. Não estão habituados, não têm é alternativa.

O que é que se diz a um jovem que ingressa agora na Função Pública? Mesmo até com o anúncio da reposição dos cursos de entrada direta na Função Pública do Instituto Nacional de Admnistração (INA)...

Estamos contra isso. Achamos que o emprego não tem de ser pago. E que esses futuros trabalhadores, ou melhor estudantes que pretendem fazer um curso de grau superior, não têm de ter privilégios relativamente a trabalhadores que estão cá fora, com licenciatura e mestrado e não conseguem entrar.

A abertura de concursos para os licenciados tem de ser para toda a gente concorrer, não é porque eu pago cinco mil euros que tenho logo ali… é emprego pago. Não temos nada contra esses jovens, aliás, houve uns de um curso que até estiveram aqui comigo e sindicalizaram-se, mas perceberam qual é a posição de fundo que nós temos contra isso.

O INA é um instituto muito antigo, esse curso era destinado aos trabalhadores da Função Pública em que os trabalhadores entravam, por exemplo, com o décimo segundo ano e saíam com licenciatura ou faziam funções de técnico superior sem terem licenciatura. O que aconteceu é que se viu ali uma oportunidade de negócio, e de cunha talvez, e começou-se a fazer assim. Estamos contra, obviamente. Não aceitamos que na Função Pública se faça uma coisa destas e também é de legalidade duvidosa.Temos preocupações porque o PSD e o CDS foram muito além daquilo que estava no memorando da troika. Muito, muito além. Quando nós estamos mais fragilizados, ter em conta apenas o pagamento da dívida ou os juros é muito perigoso para nós Como é que vê uma possível aproximação entre o PS e o PSD? Isso será benéfico ou não para a Função Pública?

Não, não é. E vejo com alguma preocupação esse quadro. Desde o 25 de Abril que temos tido vários cenários políticos e nós aqui na administração pública somos os primeiros a sentir isso, porque era como há bocado eu lhe dizia: o Estado é o nosso patrão. E depois quem vem ou começa a fazer de novo ou prossegue o que já está a ser feito e, muitas vezes, tem sido um desastre. E temos preocupações porque o PSD e o CDS foram muito além daquilo que estava no memorando da troika. Muito, muito além. Quando nós estamos mais fragilizados, ter em conta apenas o pagamento da dívida ou os juros é muito perigoso para nós.

Quando temos um Partido Socialista que tem a possibilidade de, com a maioria parlamentar que tem, fazer coisas que não quer fazer, como por exemplo, a alteração das normas mais gravosas do código e da lei do trabalho em funções públicas, a questão do princípio do tratamento do mais favorável, a questão das convenções coletivas… quando nem isso está disponível para fazer porque chumbou os projetos apresentados por exemplo pelo PCP, se se junta com o PSD junta-se a fome com a vontade de comer. No que diz respeito à questão dos trabalhadores, e mesmo em termos das questões estruturais do país, não é uma boa aliança.

É verdade que o PS continua a estar refém dos constrangimentos da UE, mas também é verdade que fica refém porque foi tudo aprovado em Portugal e na Assembleia da República, com os votos sempre da Direita e do PS, mas o PS também está a ir muito além da perna, porque as cativações que o Centeno fez sobre os dinheiros públicos demonstram que também não estão a ir pelo melhor caminho. Isto junto é explosivo. Já se vão entender na parte da descentralização, porque são poderes centrais que passam para o local e depois é dividido irmãmente. Depois, ainda há a questão dos dinheiros, porque querem fazer com menos dinheiro e se querem fazer com menos dinheiro quem sofre são os serviços públicos.

Não é bom para a Função Pública. Maiorias absolutas não são boas para a Função Pública. Entendimentos de partidos que têm prejudicado particularmente a Função Pública (e não é o PSD, tem sido o PS também), nós achamos que é muito perigoso. Mas também achamos que não é saída a forma como o Governo está a governar a Função Pública e é verdade que houve uma revogação dos cortes dos salários, porque também estava decidido em Tribunal Constitucional, e do subsídio de alimentação, mas não foi muito falado porque não se viu, há agora o descongelamento das carreiras mas tudo pesado, o que nos constatamos é que entre o deve e o haver… as pessoas pagam uma taxa de eletricidade que este mês foi aumentada para, em média, 20 euros, pagam a água que tem mais não sei quantas taxas, pagam os produtos alimentares básicos por um preço mais elevado, as rendas das casas são um fantasma verdadeiro, as pessoas estão aflitas, porque passaram os 65 anos e não têm dinheiro para pagar os aumentos brutais que estão a surgir.

E depois há casos como, por exemplo, o dinheiro que o Mexia ganha por dia. Como é que é possível deixar-se que um indivíduo num país ganhe aquilo. Temos um salário mínimo muito inferior ao da UE, mesmo com os aumentos, não foram os que deviam ter sido feitos, porque o salário mínimo deveria ter subido para 600 euros para ter um acompanhamento do aumento geral de salários, porque senão não dá. Daqui por algum tempo ficamos com uma média de salários que será ligeiramente acima do valor do salário mínimo, porque a redução média dos salários está a ser muito acentuada.

O Presidente da Repúlica tenta levar água ao seu moinho, aproximando o PS do PSD no sentido de fazer as políticas que vão ao encontro daquilo que o patronato quer, dos grandes grupos económicos, isso aí é claro Com o aproximar das legislativas, poderá estar em causa um entendimento relativamente ao Orçamento do Estado? Ou seja, o Bloco e o PCP poderão querer distanciar-se do PS?

Não faço ideia. Não entramos muito nisso e ainda é cedo, porque o jogo político faz-se com as forças no terreno. Houve recentemente o congresso do PSD, que tem uma nova liderança, e ainda não sabemos como é que irá trabalhar no terreno. O presidente [da República] está a ser um ótimo instrumento de aproximação entre o PS e o PSD, isso percebe-se, o Presidente da República tenta levar água ao seu moinho, aproximando o PS do PSD no sentido de fazer as políticas que vão ao encontro daquilo que o patronato quer, dos grandes grupos económicos, isso aí é claro. Mas ainda é muito cedo para dizer aquilo que pode vir a ser. Há uma coisa que nós podemos dizer: o PS tem possibilidade de fazer de forma diferente, se quiser. E nós temos o exemplo da Europa, quando os partidos socialistas ou sociais-democratas governam com políticas de direita o caminho é a extrema direita e isso não é bom para ninguém: nem para a Europa nem para o mundo.

Se o PS tem a possibilidade de o fazer e não o faz, depois também terá de justificar por que razão não o faz, porque tem os instrumentos todos para o fazer. 

Há uma oportunidade em Portugal de uma alteração, mas não me parece que as coisas estejam a ir por aí. Então dentro da administração pública isto está a ser muito mau.

As funções sociais do Estado estão cada vez mais degradadas, os serviços públicos estão numa desgraçaNós sabemos que na UE as baterias foram todas apontadas aos funcionários públicos da Europa, não é só cá, e quando se ataca a Função Pública não se fala só em trabalhadores, fala-se também em, fundamentalmente, direitos e funções sociais: saúde, educação, cultura e por aí fora. E isso foi definido há muito na Europa e não parou. Por isso, nós sabemos que as administrações publicas estão debaixo de fogo, mas também sabemos de uma coisa que o Governo também sabe, é que a administração portuguesa, ao contrário do que se faz crer para o exterior, está com salários muito baixos, muito mal tratada, com pouca gente e que as funções sociais do Estado estão cada vez mais degradadas, os serviços públicos estão numa desgraça, a saúde, os transportes, a Segurança Social com tudo fechado e a colocarem 'call centers' a informar… está tudo a mexer no sentido negativo.

Por isso, o Governo ainda tem tempo para o PS, com a maioria parlamentar que tem, alterar a sua postura, aprovando projetos de outros partidos e mesmo fazendo propostas para resolver problemas do mundo do trabalho e problemas que se prendem com a progressão dos trabalhadores e com o empobrecimento, porque ainda existem. Se não o fizer, os trabalhadores que o tratem como acham que devem tratar. As lutas é que não podem parar.

Se Rui Rio alguma vez for primeiro-ministro, tenho dúvidas, mas se for, será tratado pelos sindicatos de acordo com a forma como vai tratar os trabalhadores

Caso Rui Rio se torne primeiro-ministro, a vida dos sindicatos vai ficar mais difícil?

Nós não temos, nem nunca manifestamos - que eu tenha conhecimento -, qualquer simpatia ou antipatia para com qualquer primeiro-ministro. Se for um primeiro-ministro de um partido que nós, sindicatos, tenhamos tomado posição antes das eleições, durante a campanha eleitoral, naturalmente é com desagrado que ele entra, se for um que não tenhamos tomado posição ficamos na expectativa mas é um primeiro-ministro. Se Rui Rio alguma vez for primeiro-ministro, tenho dúvidas, mas se for, será tratado pelos sindicatos de acordo com a forma como vai tratar os trabalhadores. É assim que é.

Se o primeiro-ministro trata bem os trabalhadores, resolve os problemas, tem um coletivo de ministros e secretários de Estado à altura e competentes para fazer as leis que permitam dar melhores condições de trabalho e de vida aos trabalhadores da Função Pública, então vamos a isso. Não é em termos pessoais, porque não funcionamos dessa forma com ninguém, é em termos das políticas, se as políticas prejudicam os trabalhadores a solução é a luta.

A partir de agora não há descanso. Os trabalhadores devem dar impulso à luta porque há condições para haver mais direitos e recuperar o que se perdeu

Aliás, nós estamos agora no caminho da luta, temos uma manifestação dos sindicatos da Frente Comum no dia 16 [hoje] e porquê? Porque não há aumentos de salários, não há resposta à proposta reivindicativa comum da Frente Comum, porque isto que fizeram com as carreiras é uma vergonha, porque queremos rever as carreiras e não querem, porque a precariedade está a ser o que está à vista, porque não põem em prática as 35 horas a mais de 75 mil trabalhadores, quando houve um compromisso do próprio António Costa que entrava em julho para a administração central e é tudo isto que nos leva a estar na luta dia 16. A partir de agora não há descanso. Os trabalhadores devem dar impulso à luta, mobilizar-se e tentarem reivindicar porque há condições para haver mais direitos e recuperar o que se perdeu.

Esperam alguma resposta por parte do Governo a essa iniciativa?

O Governo se não der resposta faz mal. O Governo está habituado a dar uma resposta que não é solução. Porque responder responde, não responde é de maneira nenhuma, porque fala duas horas sem dizer nada. Nós não somos uma coisa para entreter ou para passar o tempo. O que é que o Governo vai responder? Que é um direito democrático, que os trabalhadores podem reunir-se, podem fazer manifestações, estão no seu direito, podem reivindicar e pronto. Mas não é isso. Não é isso e o Governo faz mal se não entender os sinais, é a experiência que tenho destes anos todos é que o Governo faz mesmo muito mal se não entender os sinais dos trabalhadores que vão para a rua lutar e daqueles que têm feito greve, porque os sindicatos têm uma mão cheia de coisas a fazer.

A FENPROF está com um calendário de luta muito grande, os enfermeiros vão fazer, os médicos provavelmente, os guardas prisionais têm feito e tudo porque estão a ser mal-tratados. O traço fundamental da política deste Governo está a ser semelhante ao do Sócrates - o da troika foi uma exceção e foi bem pior por ser o da troika. E aquilo que pretendem para o futuro e para as novas gerações é reduzir as condições, mas não pode haver este tipo de postura nem se quer este pensamento, porque é um pensamento de quem não quer ver a evolução dos direitos, de quem quer amarrar as pessoas a uma coisa que têm ali e tem de ser. E isso é muito mau.

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