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"Desejava uma Geringonça que permitisse a pacificação do futebol"

Presidente do Sindicato dos Jogadores apela, em entrevista ao Desporto ao Minuto, à "pacificação" do desporto-rei em Portugal.

"Desejava uma Geringonça que permitisse a pacificação do futebol"
Notícias ao Minuto

09/01/18 por Carlos Pereira Fernandes

Desporto Joaquim Evangelista

Ocupa o cargo de presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF) há quase 13 anos e, em entrevista ao Desporto ao Minuto, faz um balanço “muito positivo” do trabalho que tem vindo a desenvolver.

Joaquim Evangelista tem, ainda assim, reparos a deixar aos organismos que regem o futebol português. Especialmente à Liga de Clubes. A relação com Pedro Proença é “positiva”, mas não esconde: “Não me revejo nesta Liga. Quero uma Liga forte, mas que seja uma entidade organizadora”.

O dirigente reconhece que o “clima de confronto” que vive o futebol português “também não ajuda, porque há uma tentativa de condicionar quem tem poder no futebol português”. Mas aponta o caminho, com a ajuda do conhecimento que bebeu no estrangeiro… e até mesmo do Governo português. 

Os Sindicatos deviam estar representados na Liga

Como é, neste momento, a relação com clubes, Liga e Federação?

Procuro atuar na ótica do jogador e do futebol, e, ao fazê-lo, tenho consciência de que às vezes tenho que fazer cedências. Temos a FPF, que é o Governo do futebol, depois temos o Sindicato, que representa os jogadores, e a Liga, que representa os clubes. O Sindicato e a Liga às vezes têm interesses antagónicos. Eu quero uma Liga forte, e independentemente do seu presidente, tenho que me relacionar e encontrar compromissos na defesa da competição. O que posso dizer é que com Fernando Gomes tenho uma excelente relação. Tem feito um trabalho fantástico no futebol português, estrutural, com consequências no plano internacional. É um exemplo que devemos seguir. Tem uma identidade própria e está a deixar uma impressão digital no futebol português e isso tem que ser reconhecido.

E com o presidente da Liga?

Com o Pedro Proença tenho uma relação positiva. Desejo uma Liga forte e um presidente forte, que seja a voz dos clubes. Temos conseguido encontrar soluções para o futebol português e isso é o bem maior que podemos dar. Independentemente das diferenças pessoais e profissionais, sabemos convergir em questões fundamentais. Gostava de discutir mais questões. Não me revejo nesta Liga. Quero uma Liga forte, mas que seja uma entidade organizadora. A Liga ainda não passou disso, continua a ser uma entidade patronal, defende os clubes, não o futebol no seu todo.

Há falta de diálogo com o Sindicato?

Acho que os Sindicatos deviam estar lá representados, à semelhança do que a FIFA e a UEFA estão a fazer com a reforma no futebol, a trazer para dentro de si a pluralidade. E isso é rico. Alguém que pensa que só a sua voz faz a diferença, está enganado. A riqueza do desporto está na pluralidade, em debater opiniões, respeitando questões pessoais. Não se deve passar daí. Eu próprio, por vezes, sou acusado de ter um estilo frontal, mas sou inteletualmente honesto e faço valer os meus pontos de vista. A Liga tem esse problema de ser uma entidade patronal. Nessa medida, só defende o interesse dos clubes. Não faz sentido. A Liga devia defender o interesse de todos e os clubes faziam uma associação, um G18 autónomo que também estivesse na Liga.

Sente que tem sido capaz de defender a sua posição?

Defendo um diálogo social efetivo. Temos que ter a capacidade para nos sentarmos à mesa, mesmo que às vezes não gostemos e que estejam contra nós. Temos que fazer esse esforço por dever do cargo que ocupamos. Posso ter muitas divergências com o Pedro Proença ou com um clube, mas se defendo os jogadores, goste ou não goste, a verdade é que tenho que estar lá a representá-los. Foi para isso que fui eleito. Às vezes isso não acontece, colocamos as questões pessoais à frente das profissionais e isso está errado. Tem que haver compromisso e capacidade de ceder em todos os momentos em favor de um bem maior.

E isso é possível com a tensão que se vai sentido entre clubes e instituições?

Este clima de guerrilha, de ódio instalado no futebol português, não tem ajudado. O próprio movimento do G15, que compreendo, não faz sentido que seja feito fora da sua sede própria. Deve ser dentro de casa que as diferenças devem ser assumidas. Até pode haver um grupo de clubes que comungam de uma opinião, mas devem manifestá-la internamente. Tenho essa posição nos órgãos onde estou, por muita importância que tenham os demais. Temos convicções, opiniões próprias, e manifestamo-las. Não andamos noutros fóruns. A mim incomoda-me chegar a uma Assembleia onde é suposto haver debate e já está tudo cozinhado. Isso não aceito, é anti-democrático. Já fui confrontado várias vezes com isso. Diminui e hipoteca o futuro do futebol português.

Uma Liga que deixa de fora vários órgãos e que não é capaz de juntar todos os clubes... é uma Liga fraca?

Não é fácil juntar os interesses patronais. Cada clube olha para os seus interesses e não é fácil ser presidente da Liga em Portugal. É um papel difícil e o Pedro tem feito um esforço. Financeiramente, tem tido um papel excecional. Do ponto de vista de a Liga ter uma voz única, do ponto de vista político, tem falhado, porque os três grandes sobrepõem-se muitas vezes à voz do presidente da Liga. Preferia que o interlocutor fosse o presidente. É o que faço com os jogadores. Quando vou aos clubes, cada jogador, perante um fenómeno, tem o seu interesse particular. Mas, do ponto de vista coletivo, há uma posição em conjunto e, quando saímos cá para fora, a posição deve ser assumida a uma só voz. E, neste caso, essa voz é o Sindicato. A Liga também tem que caminhar nesse sentido.

Houve um conjunto de pessoas que não teve escrúpulos em atacar outras

Esperava outro tipo de apelo à paz por parte de Fernando Gomes?

O Fernando Gomes traduziu aquilo que é o sentimento generalizado dos agentes desportivos, que é de uma certa incapacidade para resolver o problema. Todos nós o identificamos, mas temos muita dificuldade em resolvê-lo. O Fernando Gomes tem procurado, dialogando, indo à Assembleia da República, ao Governo... Mas não é fácil, considerando aquilo que representam os três grandes em Portugal. O peso social, cultural, político e económico que representam é muito grande. Eu próprio não sei como é que isto se resolve. Se alguém soubesse a resposta, já o tinha feito. Devíamos olhar para tudo o que está a acontecer e separar as coisas. À Justiça o que é da Justiça, ao desporto o que é do desporto, e no plano pessoal o que é do plano pessoal. Confundiu-se tudo.

Ultrapassaram-se barreiras que não deveriam ter sido ultrapassadas?

O maior problema foi a parte pessoal. Houve um conjunto de pessoas que não teve escrúpulos em atacar outras desse ponto de vista. Valeu tudo. E, quando isso acontece, normalmente há um comportamento que gera uma reação pessoal. Há um ataque pessoal, um contra-ataque e andamos nisto. O presidente do Sporting dizia em entrevista que algumas questões pessoais foram ultrapassadas. Mas, da mesma maneira que ele o diz, há outros que o dizem. É esta fronteira que, ao ser ultrapassada, coloca tudo em causa, com consequências maiores para a credibilidade e imagem do futebol português.

A solução passa por dar um passo atrás?

Isso tem que acontecer, mas não estou a ver os dirigentes a fazê-lo por iniciativa própria. Temos de perceber quem pode ter esse papel no futebol português, quem tem essa capacidade de criar plataformas de diálogo.

No meio de tudo isto, os jogadores passam para segundo plano...

Há uma certa hipocrisia. Toda a gente acha que o jogador deve ser o protagonista, mas, dentro das estruturas dos clubes, é preciso passar das palavras às ações. O futebol português, historicamente, colocou sempre os jogadores em segundo plano. Condicionaram o acesso dos jogadores aos órgãos de decisão, aos locais de protagonismo. Procuram menorizar. E os jogadores também não estavam preparados para isso. Culturalmente foram sempre tratados como figuras menores. São as figuras maiores do desporto, mas a verdade é que, objetivamente, nunca tiveram esse tratamento.

O Sindicato tem tentado combater essa visão?

O serviço principal é o jurídico e laboral, mas é redutor olhar para o jogador desse ponto de vista. Demos prioridade à educação em várias áreas, à saúde, ao emprego, às relações com a comunidade, à investigação. Um conjunto de áreas que procuram ir ao encontro do que são os problemas do jogador. Ao nível do emprego, temos o estágio para os jogadores sem contrato, que já vai na 15.ª edição. Procuramos dar resposta aos jogadores com mais dificuldades. Nestes 15 anos, tivemos 947 participantes e foram contratados 561. Uma taxa de empregabilidade de 59%. Duvido que, em Portugal, haja muitas empresas que se possam orgulhar disto. É um número extraordinário. É um papel de responsabilidade que tem um valor enorme para os praticantes. A ideia de que todos os jogadores ganham muito é falaciosa. Os jogadores também têm muitos problemas e, dentro do estágio, procuramos resolver este desafio.

Notícias ao MinutoJoaquim Evangelista© Blas ManuelAquilo que se passa na política não é menos gravoso do que aquilo que se passa no futebol

Disse que o acordo recentemente assinado entre a FIFA e a FIFPro foi histórico. Qual foi a importância em termos práticos?

Havia uma ação interposta pela FIFPro contra a FIFA devido ao sistema de transferências, e foi retirada em função deste acordo. Isto até nos pode convocar para o que são os problemas em Portugal, ou seja, como é que estão a ser resolvidos no panorama internacional e como podem ser resolvidos cá. O futebol, no panorama internacional, também foi muito fustigado e houve uma reforma que se iniciou na FIFA e na UEFA. Nesse plano, este acordo traduz um diálogo e a conciliação de interesses antagónicos.

Qual foi o ponto de partida para esta reconciliação?

A FIFA e a FIFPro tiveram consciência de que era mais importante encontrarem soluções, mesmo que não fossem do agrado de ambos. Este acordo, nalgumas matérias, não vai ao encontro do desejo dos jogadores. É o que é possível em cada momento. Foram garantidas condições ao nível do incumprimento salarial, da forma como os jogadores podem e devem denunciar o contrato, ao nível da privação das condições de trabalho... O que registo, acima de tudo, é a capacidade das duas entidades se entenderem. A FIFA reconheceu o papel dos jogadores, como a Liga poderia ter o Sindicato nos seus órgãos próprios. É uma vantagem, porque temos um diálogo permanente

É um exemplo a seguir por cá?

Não podemos viver em conflito permanente. A própria guerra só faz sentido se for para obter a paz. Se não, é um disparate. Eu próprio fui muito contundente no futebol português, mas porque queria obter determinados resultados. E não obtive os resultados desejáveis, obtive, em nome dos jogadores, os resultados possíveis. Os nossos dirigentes, lá fora, percebem isso, mas depois dão o mau exemplo internamente. Muitos deles sentam-se nesses órgãos e têm um comportamento, mas depois cá dentro têm um comportamento oposto.

É um problema cultural?

O futebol não é o patinho feito da sociedade. Reflete os comportamentos da sociedade. Aquilo que se passa na política não é menos gravoso do que o que se passa no futebol. É um problema cultural. Precisamos de pacificadores, não é por acaso que o professor Marcelo Rebelo de Sousa ganha esta dimensão, porque tem essa capacidade de agregar. O próprio Governo deu um sinal positivo. Podia ser um sinal que o futebol adotasse. A Geringonça traduz o diálogo social que pretendia. Ou seja, diversos interesses conjugados em nome de um interesse maior, que é um país. A verdade é que tem funcionado. Não funciona a 100%, não há situações perfeitas, mas o que desejava para o desporto era algo à imagem do que sucedeu entre a FIFA e a FIFPro, ou uma Geringonça que permitisse a pacificação do futebol.

O trabalho que a FPF tem feito devia inspirar os dirigentes desportivos

Faz um balanço positivo destes 13 anos na presidência do Sindicato?

Muito positivo. O nosso próximo grande projeto, que é a Academia do Jogador em Odivelas, traduz o que foi o processo do Sindicato. É a partir desse projeto que queremos projetar o futuro. Mas isso dá trabalho. O Sindicato tem um lema. Nós fazemos, vamos à procura, queremos ser ativos, sem prejuízo de fazermos em conjunto. Continuo apaixonado pelo futebol e só quem é apaixonado é que faz a diferença. A diferença está na forma de atuar, não nos podemos refugiar noutros. Só a morte é que não tem solução.

Há algum projeto que mais o tenha orgulhado?

O fundo de pensões é o último projeto e tem a ver com as vicissitudes da profissão e o final de carreira. Os jogadores só têm uma resposta ao problema do desemprego, da doença, da lesão, na idade de reforma. Muitos jogadores acham que não, mas são confrontados com o desemprego, com a doença, com lesões graves e com o fim de carreira. Porque culturalmente não foram educados assim, muitos não geriram adequadamente a carreira. Chega aquele momento e nem eles têm capacidade, e os clubes afastam-se porque acham que não é obrigação deles. O fundo de pensões procura promover a poupança dos jogadores, que tenham essa preocupação e afetem uma verba mensalmente para esse fim.

É uma posição na qual se vê além de 2021?

Não sei, nunca perspetivei, no futebol, aquilo que irei fazer. Como diz o Papa Francisco, vivo o dia-a-dia. Depois, o que mais me orgulha, é que os jogadores e as instituições se reveem no papel do Sindicato. Tenho uma equipa que dá garantias, é multifacetada. Gostávamos de fazer mais, mas não somos a FPF. Procuro replicar, sobretudo, aquilo que é bem feito. Desse ponto de vista, a FPF tem sido inspiradora. O trabalho que tem feito devia inspirar os dirigentes desportivos.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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