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"Apesar da zanga de compadres, há clara vontade de se voltarem a coligar"

João Teixeira Lopes, candidato do Bloco de Esquerda às eleições autárquicas no Porto, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Apesar da zanga de compadres, há clara vontade de se voltarem a coligar"
Notícias ao Minuto

04/08/17 por Melissa Lopes

Política João Teixeira Lopes

João Teixeira Lopes sentiu que era seu dever aceitar o convite de substituir João Semedo na corrida autárquica no Porto, mas não esconde que a circunstância em que tal surgiu lhe custa. "É doloroso o que aconteceu", desabafa, na entrevista dada ao Notícias ao Minuto. Apesar dos motivos de saúde que levaram Semedo a pôr de lado as autárquicas, isso não impede que tenha uma "presença muito ativa" na candidatura do Bloco de Esquerda. João Teixeira Lopes tem 47 anos e é professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Presidente da Associação Portuguesa de Sociologia. Já conta com três corridas autárquicas, mas nota que desta vez "as pessoas o conhecem melhor".

Sobre o divórcio de Rui Moreira e Manuel Pizarro, não tem dúvida alguma. "Não há nenhuma razão de fundo, programática ou ideológica" que os separe. E, de resto, considera que os dois, sobretudo o atual presidente de câmara, permitiram que o turismo se transformasse numa "selva" nos últimos quatro anos. "Olham para a cidade como se fosse uma mercadoria que está à venda", critica, elegendo a especulação imobiliária como o principal problema a combater na cidade. 

Começo por lhe perguntar como é substituir o candidato João Semedo?

O João Semedo teve de ser substituído por uma questão de saúde. Não só como camarada, mas também como amigo dele, é algo que me custa, que me dói. Mas ao mesmo tempo sei que conto com a presença muito ativa dele, da maneira que pode. Trocamos por dia vários emails. É alguém que não deixou de estar na campanha mas que está à sua maneira. Mas é doloroso o que o que aconteceu.

O que separou Pizzaro e Moreira foi meramente a barganha dos lugares

Aceitou o convite de imediato?

Não. Pedi para pensar por causa da minha situação profissional e familiar. Tenho uma filha muito pequena, tenho também muito trabalho na universidade. Pensei durante dois dias, depois de falar com a Catarina Martins, e achei que não podia dizer que não. Na verdade, o Bloco e o João Semedo merecem que eu me esforce para ser eleito vereador pelo Porto. Tendo em conta além do mais que tenho uma anterior experiência, fui três vezes candidato à Câmara do Porto, ou seja, estes assuntos são-me familiares. E também, como sociólogo, tenho trabalhado na cidade, a cidade tem sido o meu laboratório. E por isso, acho que era a minha missão, o meu dever, dar o meu contributo para a campanha.

Quais são as suas expetatitvas para estas eleições?

As minhas expetativas são claras: Eleger vereadores. Acho que, neste momento, a cidade está muito farta das 'politiquices' que estiveram bem evidentes na 'trica' entre Rui Moreira e Pizarro. Um queria colocar o outro em terceiro lugar, neste caso Moreira queria colocar Pizarro em terceiro lugar, Pizarro queria continuar em segundo. E foi apenas isso e nada mais que os separou. Não há nenhuma razão de fundo, programática ou ideológica. Foi meramente a barganha dos lugares. Isto é a política no seu pior. As pessoas estão muito cansadas disso. O caso Selminho também teve um impacto. Há um Rio Moreira antes e depois do Selminho. E acho que, neste momento, tenho um capital de confiança e de credibilidade maior. Por isso estou confiante na eleição de vereadores.

O que lhe parece o arquivamento da queixa contra Rui Moreira?

A queixa foi arquivada porque esta questão não é um ilícito criminal. Mas se ler o acórdão verificará que o juiz condena veementemente a forma como a Câmara do Porto e Rui Moreira, geriram administrativamente o processo. E, por isso, o Bloco apresentou uma queixa ao tribunal administrativo, pedindo a nulidade do processo, por várias razões. O executivo municipal e a assembleia municipal não foram ouvidos e deviam ter sido ouvidos porque a câmara fez a promessa de que seria nomeado o tribunal arbitral e esse tribunal arbitral ou iria permitir direitos de construção ou iria dar uma indemnização à família de Rui Moreira.

Ora, isto nem sequer foi aprovado no executivo ou na assembleia municipal porque isso implicaria uma alteração do PDM [Plano Diretor Municipal]. Porque aquele terreno não é um terreno edificável, é um terreno que está na escarpa da Arrábida, naquela escarpa sobranceira ao Rio Douro, faz parte da reserva ecológica da cidade. Terreno que, além de mais, geologicamente está em movimento, é perigoso construir lá. No entanto, a câmara, através de uma procuração que Rui Moreira passou, atribuiu uma promessa de ser revisto o PDM ou, se não fosse revisto, atribuía indemnização, quando este terreno valia zero e agora passa a valer milhões. E mais ainda, e isso é muito grave também, os serviços determinaram que o terreno era da câmara, veja bem o escândalo que esta questão representa. Através da ação que Rui Moreira teve, o terreno que valia zero passa a valer milhões.

Acha que o caso desprestigia e vai 'castigar' Rui Moreira, em termos de votos, nestas eleições autárquicas?

Acho que sim. Aquilo que ouço das pessoas, em particular no espaço público, na rua, estão muitas delas admiradas com este procedimento muito pouco transparente. Não é uma questão de ilícito criminal. É uma questão, a meu ver, de ilegalidade administrativa e processual.

Eles olham para a cidade, particularmente Rui Moreira, como se fosse uma mercadoria que está à venda. A preocupação é sempre de marketing, não é com as pessoas

Voltando a si, quais são as principais bandeiras da candidatura do Bloco no Porto?

Desde logo a questão da habitação. Neste momento o Porto está à mercê da especulação imobiliária. Se for ver os dados, verifica que a Arbnb cresceu mais de 70% e que os donos dos imóveis são proprietários de vários imóveis, não são pequenos proprietários, não se trata de alojamento local. São fundos imobiliários que compram vários prédios, que tentam a todo o custo expulsar as pessoas, às vezes com indemnizações ridículas, e que, ao controlarem o mercado desta maneira, fazem com que as rendas subam e que a cidade se vá despovoando.

O Porto perdeu cinco mil habitantes nos últimos quatro anos, dois mil no centro histórico. E portanto esta questão é fundamental. É preciso regular o alojamento turístico, não o local em que são pessoas que têm casas próprias e alugam. O alojamento turístico, a compra de vários prédios, tem de ser taxado, tem de ser licenciado. Além do mais, tem de ser paga uma taxa turística que deve reverter para a construção de habitação pública. Esse é um aspeto essencial. Deve ser estudada também a questão do licenciamento, se há zonas que estão demasiado saturadas, o licenciamento tem de ser suspenso durante algum tempo. Essa questão deve ser equacionada e acho que devemos ter coragem de o fazer.

Por outro lado, acho que é possível ter outras soluções inteligentes. O Porto tem muitas ilhas, acho que é possível que uma parte dessas ilhas seja recuperada através da construção de apoios à reabilitação, os pequenos proprietários poderiam ter apoios camarários à reabilitação, colocando depois as casas com uma renda acessível os residentes, para os moradores. Ou então, utilizar receita do IMI para a recuperação de património que está devoluto e que precisa de ser reabililitado. Criar uma bolsa municipal de arrendamento. Isto é, uma bolsa que servisse a jovens casais, famílias que querem permanecer no Porto, ter uma casa a preços decentes, e não sob o jugo da especulação. Ou seja, a câmara tem de entrar neste jogo. Rui Moreira e Manuel Pizarro, que foi o vereador da habitação, entregaram ao mercado, durante todo este tempo, o jogo. Ausentaram-se completamente. A câmara nem sequer exerceu o direito de preferência em vários prédios. Pior, vendeu património para se transformar em estabelecimento turístico. E agora vêm dizer, tanto um como outro, que a cidade tem de regular o turismo. É pena que durante estes quatro anos tenha sido a selva.

Há senhoras idosas que me dizem 'daqui só saio se me atirar desta janela abaixo'

Essas medidas de que falou serão suficientes para evitar que as pessoas continuem a sair da cidade?

Conjugadamente, seriam capazes de permitir a quem quer ficar no Porto, ficar e até recuperar população que se perdeu. Há hoje uma enorme pressão para as pessoas saírem do Porto. Há senhoras idosas que me dizem 'daqui só saio se me atirar desta janela abaixo'. Têm a pressão todos os dias dos senhorios, dos fundos imobiliários, das sociedades de advogados, muito agressivos, a querer corrê-los rapidamente com uma bagatela de indemnização. E para muitas pessoas é tirar-lhes a vida e a identidade. Nalguns casos é dramático, no caso dos idosos e também dos jovens que querem permanecer no Porto e que não conseguem e são obrigados a sair. Quando alguém sai contra a sua vontade é algo que se está a perder. E creio que aí Rui Moreira e Pizarro tiveram uma ação conivente com o negócio. Eles olham para a cidade, particularmente Rui Moreira, como se fosse uma mercadoria que está à venda. A preocupação é sempre de marketing, não é com as pessoas.

A bandeira da sua campanha é 'as pessoas em primeiro' lugar. Rui Moreira nunca pôs as pessoas em primeiro lugar?

Não, Rui Moreira colocou sempre a imagem da cidade, do negócio e a venda da cidade em primeiro lugar. Isso é nítido. É claro que a cidade precisa de negócio, e é claro que o turismo, por si só, não é negativo. Eu não sou contra o turismo nem contra os turistas. Acho é que tem de ser regulado. E acho que tem de ser também protegido o direito dos residentes a viver na cidade. Rui Moreira não teve essa preocupação. Veja-se a questão do apoio social, a Câmara gasta apenas 3% do seu orçamento em apoio social. Tem sido completamente displicente, por exemplo, no programa dos sem-abrigo. Prometeu mundos e fundos, prometeu uma rede de restaurantes solidários, só há um restaurante. Prometeu uma rede de alojamentos de inserção, só há duas casas que foram recuperadas para essa inserção. Não há apoio nenhum aos idosos. Deviam ter uma rede de cuidadores municipais, que é a nossa proposta.

No que consiste essa proposta, concretamente?

A câmara deve ter uma rede de cuidadores municipais devidamente formados e devidamente pagos. Os idosos precisam de ter vários tipos de apoios. Alguns será mais a questão médica. Outros será mais a questão dos cuidados de higiene, outros será para passearem, irem à biblioteca ou ao jardim. E esse plano deveria ser um plano individual em função das necessidades de cada um. E isso permitiria aproveitar muitos dos voluntários, dando-lhes evidentemente formação e uma remuneração adequada.

Consegue apontar algo positivo que Rui Moreira tenha feito pelo Porto e pelos portuenses nestes quatro anos?

Claro que sim. Identifico dois aspetos. Desdramatizou a relação com a cidade, que era muito tensa com Rui Rio. Rui Rio criou inimizades e brigas e perseguições a todos os que discordassem dele. Rui Moreira desdramatizou e criou boas relações com muitas identidades. E acho que também na cultura teve vários aspetos positivos, nomeadamente no teatro Rivoli.

Apesar da zanga de compadres, há uma clara vontade de se voltarem a coligar

João Semedo disse, em entrevista ao Notícias ao Minuto, ainda era ele o candidato, que no Porto, PS, CDS e Rui Moreira estão todos atrelados, ainda que Rui Moreira se diga independente. Concorda com esta visão?

Isso é nítido. Nem Pizarro, nem Rui Moreira ousam dizer que não se voltarão a coligar. Ou seja, Pizarro sai porque de alguma maneira Rui Moreira o quis despromover por uma questão de lugares. E sai para ter força para voltar a fazer coligação com Rui Moreira. E por isso é que é importante que o Bloco tenha força, se o Bloco tiver força, será muito mais difícil a Manuel Pizarro voltar a coligar-se com Rui Moreira. O voto no Bloco de Esquerda pode ser uma garantia de que algo se altere na correlação de forças que é essa que João Semedo referiu. Apesar da zanga de compadres, há uma clara vontade de se voltarem a coligar. 

Fazia falta no Porto uma réplica daquilo que acontece no país, uma 'Geringonça'?

A melhor forma de garantir, se quiser, que esse espírito da 'Geringonça' possa acontecer no Porto, é reforçando a votação no Bloco de Esquerda. Porque a vontade de Manuel Pizarro é coligar-se com Rui Moreira reforçado. O Bloco no Porto é o espírito da 'Geringonça'.

Como comenta a decisão do Governo de apresentar candidatura do Porto à Agência Europeia do Medicamento?

Foi uma boa decisão do Governo. Mas foi foi tardia. Não se percebe por que razão as coisas não foram preparadas neste sentido mais cedo. Perdeu-se tempo, perdeu-se eventualmente até qualidade na candidatura. Acho que, no entanto, Rui Moreira e Manuel Pizarro quiseram transformar logo isto numa questão de disputa pessoal. Estiveram mais preocupados com as suas suas candidaturas do que com a cidade e do que com a qualidade da candidatura. Acho que devia envolver outras cidades da região, não devemos ser 'Portocênticos'. O Porto tem a ganhar se envolver a própria região.

Foi uma candidatura feita em cima do joelho, à última hora...

Foi porque o Governo quis apresentar Lisboa. Houve claramente uma falha e uma incompetência e não ajudou nada a briga que ocorreu entre Pizarro e Rui Moreira a este respeito, só prejudicou.

Houve aproveitamento político?

Claro.

Tem sentido o apoio dos portuenses na rua?

Sinto uma grande diferença em relação às outras campanhas. As pessoas conhecem-me melhor e sinto que são muito mais abertas àquilo que o Bloco representa na sociedade portuguesa. Sem dúvida alguma. Nota-se que esse capital de confiança no Bloco de Esquerda cresceu muito. Acho que isso tem a ver, evidentemente, com o papel que o Bloco tem desempenhado a nível nacional, um papel de grande responsabilidade, de valores, de não deixar de lutar por aquilo em que acredita, veja esta questão da reforma, a questão de precariedade. Só para ter uma ideia: O Bloco de Esquerda propôs que a Câmara do Porto acabe com os precários tal como o Estado está a fazer. A proposta foi rejeitada com os votos contra de Rui Moreira e Manuel Pizarro. Propomos que o Porto fosse um município de precariedade zero... É elucidativo.

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