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"Quase tudo pode ser descrito como uma doença ou como uma identidade"

O que têm em comum portadores de deficiência, autistas, homossexuais, surdos, anões, esquizofrénicos, crianças prodígio ou concebidas por violação? A sua diferença é olhada de lado por todos, muitas vezes, até pelos pais.

"Quase tudo pode ser descrito como uma doença ou como uma identidade"
Notícias ao Minuto

17/07/17 por Carolina Rico

Mundo Andrew Solomon

As diferenças profundas entre pais e filhos na construção da identidade dão mote a Andrew Solomon para o livro ‘Longe da Árvore’, recém chegado às livrarias portuguesas.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o escritor e ensaísta norte-americano explica como o seu trabalho documenta o caminho para a aceitação a partir de entrevistas a mais de trezentas famílias.

Homossexual, casado e com filhos, esta é também uma perspetiva pessoal, um incentivo à quebra das definições usuais de ‘normalidade’.

Porque decidiu estudar a forma como os pais encaram as diferenças dos seus filhos?

Escrevi um artigo sobre surdos para o The New York Times e descobri que quando as crianças surdas nascem em famílias ouvintes os pais tendem a ver a surdez como uma desvantagem que tem de ser tratada ou curada, enquanto os filhos tendem a encontrar um sentido de identidade ao crescer. Ao estudar esse fenómeno deparei-me com um paralelo com os homossexuais, uma vez que os pais, heterossexuais, não partilham a sua condição. Também a eles é dito muitas vezes deviam seguir o padrão ‘normal’.

Depois conheci uma amiga de uma amiga que tinha uma filha anã e comecei também aí a encontrar paralelismos na resposta à pergunta ‘como te sentes por lidar com o nanismo da tua filha?'.

Fiquei preso à ideia de que todos estes eram casos em que uma família que se vê como ‘normal’ tem um filho que vê como ‘anómalo’. Interessei-me pela forma como se lidava com esta situação.

A paternidade passa tanto por tentar mudar os filhos como por celebrar as suas diferençasTodos estes pais têm algo em comum, tentam manter filhos no dito 'mundo normal' durante o maior tempo possível. Como podem aceitar com mais naturalidade que os seus frutos 'caíram longe da árvore'?

Este livro revela como os pais acabam por se sentir gratos por condições dos filhos que teriam feito de tudo para evitar. Como acabam por perceber que a diferença dos seus filhos, que antes encaravam como uma doença ou tragédia, representa para estes uma identidade que valorizam. Como conseguem fazer essa transição e passar de uma visão egocêntrica para reconhecer a forma como a diferença molda o sentido de identidade dos filhos.

A paternidade passa tanto por tentar mudar os filhos como por celebrar as suas diferenças. Quis compreender a complexidade de perceber que coisas devem ser mudadas e quais devem ser simplesmente celebradas.

Como é que uma doença se transforma numa identidade?

Quase tudo pode ser descrito como uma doença ou como uma identidade. Usamos a designação ‘doença’ para falar dos aspetos negativos e ‘identidade’ para falar dos aspetos positivos. Queria mostrar como se muda de um para o outro e como uma diferença extrema, uma deficiência severa ou uma forma de comportamento desestruturante podem ser consideradas identidades.

Há uma tentativa de algumas parcelas da sociedade de regressar a um passado imaginado de uniformidade. É um processo ‘envenenado’ e muito perigosoComo é que a sociedade norte-americana encara pessoas fora da norma? Há espaço para debate e reflexão sobre identidade?

Estamos a passar por um período nos Estados Unidos em que a diferença está a ser muito menos celebrada do que acontecia no passado. Há uma tentativa de algumas parcelas da sociedade de regressar a um passado imaginado de uniformidade. É um processo ‘envenenado’ e muito perigoso.

E porquê esta mudança, é uma questão política ou social?

Ambas […] Tem a ver com uma raiva, uma frustração pela maior distribuição do poder por outros grupos de influência.

A ideia de que as pessoas diferentes devem ser escondidas e separadas da sociedade e da família está a mudarO que tem sido feito nos Estados Unidos para promover a inclusão de crianças com deficiência?

Quando me cruzei pela primeira vez com o conceito de inclusão, em que crianças com deficiência integram turmas regulares, imaginei que seria bom para as crianças com deficiência serem educadas num ensino regular, mas depois de ter passado muito tempo nessas salas percebi que quem beneficia mais com este modelo são as crianças sem qualquer deficiência. Crescem a saber lidar com a diferença e a não temer determinadas diferenças, mas antes a aceitá-las.

A ideia de que as pessoas diferentes devem ser escondidas e separadas da sociedade e da família está a mudar [...] Era algo verdadeiramente traumático tanto para aqueles que eram mandados embora como para aqueles que ficavam para trás.

Cresci com a 'tragédia' de ser gay e na vida adulta encaro-o como minha identidadeDepois de uma infância marcada pela diferença – sendo homossexual e disléxico – nota uma grande mudança na sociedade norte-americana?

Temos uma sociedade mais aberta. Diferenças altamente estigmatizadas no passado são agora aceites. Cresci com a ‘tragédia’ de ser gay e na vida adulta encaro-o como minha identidade. Casei com o meu marido, tivemos filhos, tenho uma vida que era inimaginável durante o meu crescimento.

Ser disléxico era uma inconveniência quando era pequeno e continua a ser uma inconveniência. Por outro lado não há nada doloroso de forma inerente no facto de ser gay, exceto a forma como tal é visto pela sociedade. Acho que precisamos de progresso médico nos aspetos médicos, mas também progresso social nos aspetos sociais destas identidades.

Decidiu ter o seu filho George ao escrever este livro. O que aprendeu acerca da paternidade com base nas experiências de outros?

Aprendi que tinha uma ideia muito estreita do que significa ter uma família. O trabalho que desenvolvi para este livro mostrou-me que a paternidade tem de ser flexível. Em muitos aspetos deu-me coragem para perceber que ia ter uma família diferente daquela com que cresci, mas igualmente boa.

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