Que António Guterres é o candidato que melhor serve o lugar de secretário-geral da ONU, Augusto Santos Silva, não tem dúvidas. E que Hillary Clinton é a melhor candidata na corrida à Casa Branca também não. Sobre o Brexit, o governante deixa alguns recados ao Reino Unido e em relação ao impasse político em Espanha faz sobressair as diferenças que impedem uma solução 'à portuguesa' no país vizinho. Aqui está a segunda parte da entrevista exclusiva ao ministro dos Negócios Estrangeiros.
Disse que "não está escrito que tem de ser uma mulher" a ser eleita secretária-geral da ONU. O que poderá acontecer para António Guterres perder a corrida?
A corrida não está ganha. O processo de designação do secretário-geral é complexo e demorado e nós estamos apenas na fase inicial em que há votações indicativas. Nas duas votações que já houve, ambas mostraram a excelência da candidatura do engenheiro António Guterres e vamos aguardar o processo até o Conselho de Segurança chegar a um consenso sobre o candidato que há-de apresentar à Assembleia-Geral.
Corrida não está ganha mas Guterres preenche todos os critérios"
O engenheiro António Guterres cumpre todos os critérios que foram comunicados aos Estados quando, em dezembro do ano passado, o presidente do Conselho de Segurança e Assembleia-Geral convidaram os Estados-membros que o entendessem a apresentar candidaturas.
Esses critérios são e cito: a diversidade regional, o que quer dizer que agora não pode ser um asiático, a experiência política, as competências linguísticas e diplomáticas e que estimulava o aparecimento de candidaturas de homens e mulheres. O engenheiro cumpre todos estes critérios. É homem, não é asiático, tem competências multilinguísticas, tem uma larga experiência política, tem desempenho em cargos internacionais absolutamente excecional. Do nosso ponto de vista é o melhor candidato e é muito reconfortante verificar que nas duas primeiras votações essa sua qualidade é amplamente reconhecida.
Por outro lado, atravessando o oceano, está escrito que é uma mulher a vencer as eleições dos Estados Unidos?
Não está escrito. Espero que sim, que seja. Sou socialista, sou da Esquerda Social-Democrata Europeia, cuja correspondência natural na América são os democratas, e espero que a senhora Hillary Clinton seja a próxima presidente dos EUA. Mas esta é uma opinião pessoal, o Governo português respeita a decisão soberana do povo americano.
E se esse não for o desfecho, como será o mundo com Donald Trump como presidente dos Estados Unidos (EUA)?
Viveremos com o presidente eleito dos EUA, que trataremos como sempre tratámos um presidente dos EUA, o presidente de uma das nações com que Portugal tem relações diplomáticas mais fortes e uma cooperação estreita, nomeadamente no domínio sempre crítico da segurança e da defesa.
Sendo uma pessoa tão controversa, tem uma opinião sobre ele?
Tenho, claro.
Quer partilhá-la?
Enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, prefiro não o fazer. Prefiro ir pelo lado positivo e dizer que encontro qualidades absolutamente excecionais na candidata Hillary Clinton.
Em relação ao Brexit, o que o preocupa mais?
Havia duas coisas que me preocupavam muito e que julgo que já estão superadas. A primeira era o facto de o resultado do referendo no Reino Unido poder despertar na Europa um período de turbulência, designadamente nos mercados financeiros, absolutamente indesejável ou potenciar o efeito dominó, isto é, aumentar a força daqueles que pedem decisões semelhantes nalguns outros países europeus. Essa primeira preocupação está dissipada. A segunda era a de que a vitória do sair do referendo britânico desencadeasse junto dos restantes Estados-membros europeus uma atitude de menor compreensão e alguma agressividade face aos britânicos.
Incidentes xenófobos com emigrantes portugueses foram esporádicos"
De resto, esperamos que os britânicos apresentem, tão depressa quanto possível, o pedido formal para o início das negociações para a saída porque essas negociações devem ser feitas formalmente e com o conjunto dos 27. E não deve haver tentações de negociar previamente de modo informal com alguns Estados-membros.
Os nossos emigrantes ficaram mais expostos a manifestações de xenofobia depois do Brexit?
Foram incidentes esporádicos, no início, e não temos conhecimento de nenhuns incidentes que tenham passado dos primeiros dias.
Mas será o bastante para as pessoas quererem regressar a Portugal?
Julgo que não, que será possível quer na negociação da União Europeia com do Reino Unido, quer na relação bilateral entre Portugal e o Reino Unido, encontrar uma solução que ao mesmo tempo respeite os direitos e os interesses dos residentes portugueses e os direitos e interesses dos residentes britânicos em Portugal. Confio nisso.
Agora, há aqui um elemento muito importante que o Reino Unido tem de compreender. Não é possível fazer parte do espaço económico europeu e não aceitar a livre circulação de trabalhadores nesse espaço. Isso é um dos vários argumentos falaciosos que a campanha pela saída desenvolveu. Não é possível fazer parte do espaço económico europeu e recusar uma das quatro liberdades: circulação de capitais, de bens, de profissionais e de serviços.
Espanha tem em mãos uma situação difícil de resolver, uma solução 'à portuguesa' facilitaria?
Não é possível uma solução ‘à portuguesa’ em Espanha. A solução ‘à portuguesa’ foi possível em Portugal por várias razões. Em primeiro lugar, Portugal não tem uma questão de nacionalidades; em segundo lugar, a relação de forças entre o Partido Socialista, de um lado, e os restantes partidos à Esquerda, do outro, é uma relação de forças muito clara; em terceiro lugar, não há questões de natureza programática em pontos capitais que divida o PS e os restantes partidos à Esquerda em Portugal da mesma forma que dividem o PSOE e o Podemos em Espanha. Compreendo que as condições para haver um governo de Esquerda em Espanha sejam muito diferentes das condições que havia em Portugal.
Poderá ler a primeira parte desta entrevista aqui e a terceira aqui.