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Vozes ao Minuto: "Era atinadinho. Estava envolvido na política e não podia dar nas vistas"

Vozes ao Minuto: Estivemos à conversa com Miguel Guilherme.

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© Instagram/Miguel Guilherme

Mariline Direito Rodrigues
20/11/2020 09:30 ‧ 20/11/2020 por Mariline Direito Rodrigues

Fama

Miguel Guilherme

Miguel Guilherme. 62 anos. Um dos mais reconhecidos atores em Portugal, dispensando apresentações. Esta não foi a típica entrevista, foi antes uma conversa informal. Com o ator não poderia ser de outra maneira. 

Recordou os tempos de estudante. Da ditadura. Da luta política. Aos 15 anos foi detido, mas não chegou a ficar preso. 

Trocou a Antropologia pelo Teatro e, desde então, diz não ter plano B. Nem precisar dele. 

'Conta-me como foi' chegou recentemente aos anos 1980. O que podemos esperar do António Lopes?

É um homem esforçado que nesta fase está preocupado em ver se consegue ganhar algum dinheiro. Desta vez ele espera conseguir tornar a família mais feliz. Daqui a uns tempos ele e a Margarida vão ter uma espécie de crise no casamento e é isso que vai fazer o personagem mexer.

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Há alguma semelhança entre o António e o Miguel?

Não. Nas primeiras temporadas que fizemos nos anos 1960 baseei-me muito em memórias que tinha de pessoas que conhecia daquela altura, quando era miúdo. Depois segui com o António 10 anos mais velho. Vem da pequena burguesia e é um homem que quer prosperar. É muito humano, com alguns defeitos, mas sempre com uma característica de bondade nele.

Como é que se preparou para esta personagem?

Para a segunda temporada não foi tão difícil porque já conhecia a personagem e foi só adaptá-la aos tempos que vivia. Fisicamente, também mudei um pouco, aquele bigode é mortal.

Já passou por vários momentos de nostalgia com esta série?

Sim. Fui-me lembrando de coisas que aconteceram nos anos 1980, não era uma criança. Procurava estimular a memória porque isso era importante para a construção da personagem.

Participou na manifestação do 1.º de Maio. Disse no seu Instagram que "apesar de a desejarmos ardentemente, nenhum de nós tinha experimentado a Liberdade até então". O que é a liberdade?

Estava a falar da liberdade política, não tanto da liberdade pessoal, embora sem a política a pessoal também não seja possível. Falava mais em termos de democracia, sindicatos... eu não sabia o que era, nasci em ditadura.

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O que o levou então a participar?

A manifestação do 1.º de Maio em 1974 contou para aí com umas 500 mil pessoas, havia uma sede de liberdade. Já era politicamente ativo nessa altura no liceu, queria a queda da ditadura.

Com 15 anos ainda era muito miúdo, mas tinha a certeza de que se a ditadura continuasse estava num caminho que já não tinha regresso Aos 15 anos chegou a ser preso?

Não fui preso, fui detido. Mas claro que tínhamos medo porque os estudantes iam presos. Havia receio por causa da família. Com 15 anos ainda era muito miúdo, mas tinha a certeza de que se a ditadura continuasse estava num caminho que já não tinha regresso. Provavelmente iria ser preso mais tarde ou teria de fugir.

Porque é que foi detido?

Estávamos a colar cartazes da CDE e apareceu a GNR e levou-nos para a esquadra. Estava acompanhado por alguns adultos. Identificaram-nos. Estivemos duas horas nas esquadra e soltaram-nos.

Assim?

Sim, era completamente à toa. Podia ser preso sem motivo, prendiam conforme lhes apetecia.

E o que é que sentiu nesse momento?

Fiquei assustado, claro.

A sua mãe nunca soube o que aconteceu?

Não, soube depois mais tarde.

 Como estava muito envolvido na política tinha de andar com calma, não podia dar muito nas vistas Era um adolescente rebelde?

Não, no sentido de rebeldia pessoal não. Até era bastante atinadinho. Nunca dei grande trabalho aos meus pais. Como estava muito envolvido na política tinha de andar com calma, não podia dar muito nas vistas.

Sendo o irmão mais velho, sentiu a responsabilidade de tomar conta dos seus irmãos?

Eu e o meu irmão andávamos muito juntos, ele é mais novo do que eu mas nem chega a dois anos. Éramos unha com carne, tínhamos os mesmos amigos. A minha irmã como era quatro anos mais nova, coitadinha, não lhe ligávamos muito. Portanto, não tinha muito esse sentido de proteção.

Davam-se bem os dois?

Muito bem. E continuamos a dar.

A minha mãe era muito protecionista, mas dava-nos liberdade de pensamento Disse numa entrevista que a sua família era muito liberal. De que forma sentiu isso?

Nos aspetos morais. A minha mãe era muito protecionista, mas dava-nos liberdade de pensamento. De movimentos nem tanto. Era liberal nos costumes, na maneira de educar os filhos.

E como encara o discurso 'No tempo do Salazar é que era bom'?

É um discurso de velhos ressabiados. Muitas vezes esse discurso não implica que as pessoas queiram voltar - algumas querem - a qualquer tipo de ditadura. É um discurso de passadista, de velho do Restelo, não é para levarmos a sério hoje em dia.

Mas velhos do Restelo é o que não falta por aí...

Não tenho nada contra eles, até acho uma personagem muito interessante. É um pessimista acima de tudo. Todos nós temos um bocadinho dele. É um reacionário, alguém que acha que o progresso pode ser negativo e às vezes tem razão...

E o Miguel? Em que aspetos tem em si esse velho do Restelo?

Todos nós temos um bocadinho, não é? Pensamos duas vezes nas coisas. Muitas vez temos uma carga mais negativa. Há coisas que são perfeitamente iguais agora ou no século II antes de Cristo. A juventude é mais rebelde o que é muito bom.

Então, não é daquelas pessoas que olha para os jovens e pensa 'esta geração está perdida'.

Nada, não penso nada disso. Até porque não é verdade. As pessoas quando são mais velhas olham para a nova geração com 'no meu tempo é que era bom', com esse aspeto da saudade. Quando não compreendemos alguma coisa temos tendência a desvalorizá-la. Não percebo a juventude propriamente, mas tento compreender os problemas dela e vejo que são muitos parecidos com os de há 20, 30, 40 anos.

Como por exemplo?

A juventude quer sempre libertar-se dos grilhões que lhe são impostos de certa maneira pelos mais velhos. É assim que as coisas avançam.

A liberdade que têm assiste-lhes por direito, não têm de agradecer a ninguém, a liberdade não se agradece, senão deixa de o ser Acha que hoje os jovens dão valor à liberdade que têm?

Sim. A liberdade que têm assiste-lhes por direito, não têm de agradecer a ninguém, a liberdade não se agradece, senão deixa de o ser.

Porque é que trocou a Antrolopologia pelo Teatro?

Fui para Antropologia e depois comecei a experimentar um curso de teatro no Teatro da Comuna. Fui-me apaixonando. Não cheguei a acabar Antropologia.

E os seus pais reagiram bem a essa escolha?

Sim, na altura já tinha 20 anos, podia fazer as minhas escolhas. É nesse sentido que digo que a minha família era liberal, porque não se opôs.

Tem vergonha de alguma personagem a que deu vida?

Não. No meio de uma carreira tão grande há sempre coisas que correm melhor e outras pior. Há coisas que gostamos mais e menos. Não há nada de que me sinta envergonhado.

Quando é que se diz não a um projeto?

Às vezes diz-se não porque não se pode fazer o projeto. Ou então quando não nos agrada. Muitas vezes nem tem a ver com a qualidade, mas a pessoa sentir que aquilo é para ela ou não.

Chegou a ficar bêbado por causa de uma personagem. Como é que foi?

Foi num filme em que fazia de bêbado e acho que exagerei na procura da personagem [ri-se enquanto recorda]. Mas nunca fui trabalhar bêbado.

Um ator consegue sê-lo sem vícios?

Claro que consegue. A maior parte dos atores não tem qualquer problema. É evidente que conheci pessoas com alguns problemas, mas isso encontra-se em todas as profissões. Aliás, os atores mais jovens têm tendência para serem saudáveis.

E o Miguel já conseguiu deixar de fumar?

Sim. Agora estou a fazer uma peça em que fumo, mas os cigarros são falsos. A tentação continua cá na mesma. Deixei há muito pouco tempo, para aí há seis meses.

Como é que lidou com o confinamento?

Bastante bem. Estive 50 dias em casa. Tive dois ou três dias de neura, normal.

E de que forma foi afetado pela pandemia sendo ator?

Em termos económicos não tive grandes problemas. Estou no Teatro Nacional e adaptamos o nosso horário ao recolher obrigatório. Mas houve alguns teatros em que isso não compensava, tiveram de parar.

Ser pai continua nos planos?

Não, não continua.

Se tivesse um filho, gostava que ele fosse ator?

Isso depende muito da vontade das pessoas, mas se por acaso acontecesse não me ia meter nisso.

Quer reformar-se ou trabalhar até morrer?

Um ator depende muito da condição física e da memória. Penso trabalhar até tarde se puder.

Não tem nenhum plano B?

Não, nunca tive. O meu plano foi sempre ser ator e até agora as coisas correram bastante bem.

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