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O trekking permite "esquecer a pressa, a maior ditadura do nosso tempo"

O mais recente livro de Gonçalo Cadilhe, 'Por Este Reino Acima', recria a caminhada de Santo António de Lisboa a Coimbra. Uma viagem de redescoberta por Portugal, que se tornou "tão adequada aos tempos que vivemos". Os planos de Cadilhe para viajar lá fora estão atualmente "em stand-by" por causa da pandemia.

O trekking permite "esquecer a pressa, a maior ditadura do nosso tempo"

Notícias ao Minuto

07/08/20 por Fábio Nunes

Cultura Gonçalo Cadilhe

Quando Gonçalo Cadilhe escreveu o livro 'Por Este Reino Acima' durante 2019, estava longe de poder adivinhar que o mundo ia ser assolado por uma pandemia que mudou o que dávamos por garantido, incluindo a possibilidade de viajar para onde desejássemos. A pandemia impôs uma adaptação a uma nova realidade, a um novo normal, e as viagens no plano interno ganharam primazia. 

O livro foi publicado no passado mês de junho pela editora Clube do Autor, perante uma realidade distinta que inspira ainda mais a redescoberta de Portugal. 

Em 'Por Este Reino Acima', Gonçalo Cadilhe recria a viagem realizada por Santo António de Lisboa a Coimbra no século XIII. Uma caminhada de oito dias, 200 quilómetros de distância entre as duas cidades de trekking. 

Foi uma caminhada pela História, na qual Cadilhe lembra como se percorria o país há muitos séculos, e que lhe permitiu regressar às viagens por Portugal, "mas agora com a distância de quem viu muito mundo", como referiu numa entrevista ao Notícias ao Minuto

Para um viajante inveterado, que tem andado pelo mundo fora, a pandemia representa um novo paradigma. Gonçalo Cadilhe admite estar em "stand-by", mas não esconde a sua vontade: "Assim que nos deixarem viajar de novo, sem o bombardeamento contínuo dos perigos e das insídias da viagem, recomeço". 

Qual a origem da ideia para fazer a viagem descrita em ‘Por Este Reino Acima’?

Foi o cruzamento de duas constatações. A primeira refere-se a 2016, quando escrevi o livro ‘Nos Passos de Santo António’, uma biografia viajada em que percorri milhares de quilómetros por alguns países do Mediterrâneo em busca das viagens que o Santo António fez no século XIII. Reparei então que a primeira grande viagem da vida dele foi quando, com cerca de 15 anos, se mudou de Lisboa, cidade natal, para ir estudar em Coimbra, na altura a capital do reino.

A segunda constatação é que cada vez me apetecia mais escrever um livro onde a lentidão, o ritmo dos próprios passos, a exaltação das caminhadas na Natureza, tivessem a prioridade. Um livro em que a minha viagem fosse um longo percurso de trekking. Foi então a soma das duas ideias: recriar a viagem a pé de Santo António no século XIII (só pode ter ido a pé) com uma minha viagem moderna mas inspirada na dele.

Deixei de viajar por Portugal há 30 anos, era tempo de regressar e olhar de novo para o meu país mas agora com a distância de quem viu muito mundoAo recriar o percurso feito por Santo António sentiu-se a ser transportado no tempo, por séculos de História?

Sim, foi uma emoção maravilhosa. Pesquisei bastante o que significava viajar na Idade Média, como se viajava, os perigos, os encontros, as estradas, as pernoitas, as motivações para a viagem, etc… e à medida que eu próprio ia percorrendo as antigas estradas de Portugal, hoje caminhos rurais de uma serenidade transcendental, então eu deixava-me fantasiar e ficcionar a viagem de um jovem Santo António pelo seu reino acima.

O que é que mais aprecia no trekking?

A lentidão. A possibilidade de esquecer a pressa, que é a maior ditadura do nosso tempo. Estamos sempre atrasados, sempre comprometidos, sempre com trabalhos por entregar, gente que exige a nossa disponibilidade, o telemóvel a metralhar notificações, etc… Metes a mochila às costas, começas a caminhar nos bosques e vales, e é um autêntico recuperar dos ritmos que te são congeniais. Por outro lado, ao escolher caminhar sozinho, é toda uma homeopatia do silêncio e da introspecção que permites que se apodere de ti.

Notícias ao MinutoUm livro que pode servir de inspiração para a (re)descoberta de Portugal© Clube do Autor

Mesmo para um viajante como o Gonçalo, estas viagens por Portugal são sempre uma oportunidade para redescobrir o país?

Sim, deixei de viajar por Portugal há 30 anos, era tempo de regressar e olhar de novo para o meu país mas agora com a distância de quem viu muito mundo. Este livro foi escrito ao longo de 2019, mal nós sabíamos que ao ser publicado, em 2020, iria estar tão adequado aos tempos que vivemos.

Estou em stand-by. Assim que nos deixarem viajar de novo, sem o bombardeamento contínuo dos perigos e das insídias da viagem, recomeçoEsta primeira deambulação pela ficção histórica deu-lhe vontade de repetir a experiência num futuro próximo, numa próxima viagem?

Quem sabe? A verdade é que tenho outros projetos de viagem iminentes e não creio que opte novamente por esta fórmula nesses projectos.

Notícias ao MinutoGonçalo Cadilhe fez uma caminhada de oito dias entre Lisboa e Coimbra© Diogo Pereira &_finalversion

Numa altura em que se pede aos portugueses para viajarem por Portugal, este livro pode servir-lhes de inspiração para conhecerem melhor o seu país? Essa (re)descoberta pode ser um dos aspetos positivos de uma situação que é tão negativa?

Se a forma de viajar e redescobrir Portugal é através dos antigos trilhos pelo meio da Natureza, privilegiando pequenos centros rurais e espaços incontaminados, caminhando em registo de trekking, então creio que sim, que é um livro inspirador. Mas devido à lentidão da própria caminhada, não é certamente um livro que apele a percorrer num veículo motorizado as longas estradas nacionais como a N2, que agora está tão na moda.

Talvez o único conselho seja o de fazer em viagem a mesma vida que fazemos cá em Portugal (...) A mesma forma de ir na rua, apanhar um transporte público, entrar num edifício, comer fora. Se temos medo de fazer isto cá, não faz sentido pensar em viajarDe que forma a pandemia alterou os seus planos para viagens? Tem alguma viagem planeada para fora do país a curto-médio prazo?

Estou em stand-by. Assim que nos deixarem viajar de novo, sem o bombardeamento contínuo dos perigos e das insídias da viagem, recomeço. Não sei ainda em que direção. Mas enquanto se mantiver esta situação, não faço planos.

Esta nova normalidade nas viagens vai prolongar-se por meses, possivelmente anos. Que incentivo e, já agora, que conselhos pode deixar a quem decidir viajar para fora nos próximos tempos?

Talvez o único conselho seja o de fazer em viagem a mesma vida que fazemos cá em Portugal. Manter as mesmas regras, atividades, opções. A mesma forma de ir na rua, apanhar um transporte público, entrar num edifício, comer fora. Se temos medo de fazer isto cá, não faz sentido pensar em viajar. A viagem já está em nós, no nosso quotidiano.

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